O ano de 2023 de algumas prefeituras dos municípios do Amazonas foi marcado por investigações de órgãos de fiscalização, como Tribunal de Contas, Ministério Público e, até mesmo, da Polícia Federal. As apurações foram motivadas por irregularidades em licitações e pela falta de transparência. Apesar de serem 62 municípios que formam o Estado, alguns deles se destacaram no que diz respeito a possíveis erros na administração.
Para relembrar os municípios que estiveram sob os olhos dos órgãos de fiscalização e do O Convergente, que noticiou supostas irregularidades das prefeituras, bem como as denúncias feitas pela população e pelos órgãos públicos, a equipe de reportagem preparou uma série de retrospectivas, na qual listou 10 prefeituras do Amazonas que ficaram em evidência pelos gastos exorbitantes e pelas possíveis irregularidades.
Borba
A Prefeitura de Borba possui uma extensa listagem de polêmicas. Entre gastos milionários, os chefes municipais protagonizaram uma briga política com direito a pedido de medida protetiva e, até mesmo, uma prisão que foi parar na esfera federal.
Enquanto esteve preso, o político passou por um processo de impeachment na Câmara Municipal de Borba. No entanto, por quatro votos a três e duas abstenções, o processo de cassação contra ele foi rejeitado e arquivado.
O prefeito só conseguiu retomar ao poder do município após uma decisão do Tribunal Regional Federal (TRF-1) de Brasília. Enquanto esteve preso, quem assumiu a prefeitura foi o vice-prefeito Zé Pedro, que protagonizou uma briga política com Simão Peixoto, logo após o seu retorno.
Como noticiou O Convergente, o pedido feito pelo vice-prefeito de Borba foi para assegurar a integridade física e protegê-lo das ameaças e supostos atos de violência. Ainda, conforme a solicitação, Simão Peixoto ficou impedido de manter contato com Zé Pedro, além de ter que ficar no limite máximo de até 300 metros de distância. Caso descumprisse as ordens, ele poderia ser preso.
Manacapuru
Em fevereiro, O Convergente expôs denúncias da população de Manacapuru, as quais cobravam melhorias em um cais da cidade, sendo que estava prevista uma obra no valor de R$ 5 milhões para reformar o local.
A Prefeitura de Manacapuru também esteve envolvida em algumas polêmicas no decorrer do ano. Uma das mais recentes foi a contratação do artista Zé Vaqueiro para uma apresentação na cidade, que havia decretado calamidade pública. Assim, o Tribunal de Contas do Estado (TCE-AM) apurou o contrato firmado entre o cantor e o município.
Um mês antes da contratação, o prefeito Beto D’Ângelo havia decretado calamidade pública no município por conta dos recorrentes incêndios florestais. Segundo o decreto, a fumaça prejudicava as aulas da rede pública de ensino, além de invadir plantações, bem como prejudicar o tráfego nas rodovias e a navegação nos rios.
Em setembro, a mesma empresa que não entregou as unidades escolares foi contratada novamente pela Prefeitura de Manacapuru por quase R$ 30 milhões. A empresa é especializada em obras e serviços de engenharia para pavimentação asfáltica em vias urbanas e vicinais, com drenagem e calçadas no município, tendo por finalidade atender as necessidades da secretaria municipal de obras e serviços públicos.
Rio Preto da Eva
O prefeito Anderson Souza, do município de Rio Preto da Eva, também foi um dos destaques no ano de 2023, quando se fala em administrações sob suspeitas de irregularidades. Em março, o Tribunal de Contas do Amazonas (TCE-AM) acatou uma representação com pedido de medida cautelar em desfavor do município, com o objetivo de apurar e sanar possível omissão nas políticas públicas voltadas à prevenção e controle de agressões ao meio ambiente no município.
Também no meio do ano, o prefeito Anderson Souza anunciou que o município não tinha dinheiro para arcar com eventos culturais. Ou seja, todos os eventos que estavam no calendário de Rio Preto da Eva foram suspensos, incluindo a tradicional Feira da Laranja e a Marcha para Jesus.
Durante as investigações, foram apontados indícios de conluio, visto que as propostas apresentadas pelas empresas nas licitações continham similaridades textuais e erros ortográficos idênticos, o que sugere um acordo prévio para manipular o resultado dos processos licitatórios.
Humaitá
Já no meio do ano, a prefeitura também apareceu em uma lista do Tribunal de Contas do Amazonas, que identificou possíveis irregularidades no município, relacionadas à falta de transparência.
Também relacionada à contratação, logo nos meses finais de 2023, o município passou por uma apuração do MPAM por, supostamente, realizar uma contratação irregular com uma empresa para a aquisição de produtos hospitalares.
Anori
Em junho, O Convergente denunciou ações do prefeito de Anori, Reginaldo Nazaré, sobre contratos milionários firmados por ele. Um dos acordos era de apenas 12 meses no valor de R$ 1,1 milhão e tinha como finalidade a contratação de uma empresa para a manutenção da Secretaria de Administração.
No mesmo mês, o prefeito firmou um contrato de R$ 7,5 milhões para serviços de pavimentação em concreto armado em ruas da cidade. Na época, O Convergente pontuou que o contrato não informava quais ruas e bairros seriam contemplados pelos serviços.
Itacoatiara
No início do ano, os professores municipais de Itacoatiara realizaram uma manifestação em frente à sede da Secretaria Municipal de Educação do município cobrando melhorias salariais. Com faixas e cartazes, os professores pediram o reajuste salarial baseado no piso nacional, o data-base e progressão de carreira à prefeitura de Itacoatiara, comandada pelo prefeito Mário Abrahim.
Durante uma tentativa de negociação, Abrahim foi questionado sobre o reajuste dos educadores da rede municipal de ensino da cidade, porém, ao responder, disse que isso poderia passar por um “conflito administrativo”, em que os professores não poderão receber “mais que ele e seus secretários e subsecretários”.
Na época, o vereador levantou alguns indícios de erros na licitação, como o superfaturamento dos serviços. Com isso, o TCE-AM acatou a representação do parlamentar e suspendeu a licitação.
Em consulta ao TCE-AM, O Convergente encontrou a manifestação que foi acatada pelo órgão. De acordo com o relato recebido pela Ouvidoria de Contas, o denunciante informa que existe uma possível irregularidade na gestão de Mário Abrahim por conta da ausência de informações no Portal da Transparência, em relação à folha de pagamento dos servidores da prefeitura.
Iranduba
O prefeito Augusto Ferraz, de Iranduba, também teve destaque na lista de investigações do TCE-AM, no ano de 2023. Um dos pontos apontados pelo órgão foi um alerta fiscal ao prefeito do município, por falta do descumprimento do limite de despesa com pessoal estabelecido em Lei.
Em março, O Convergente noticiou compras do prefeito de Iranduba, que parecia querer montar um “parque tecnológico”. Na época, Augusto Ferraz fez aquisição de diversos equipamentos eletrônicos, como 385 computadores por R$ 2 milhões, além de gastar R$ 1,8 milhão com serviços de hospedagem de plataforma virtual.
Outra investigação do TCE-AM foi referente a uma representação de possíveis prejuízos aos direitos dos profissionais da educação e carga horária irregular dos professores do município de Iranduba.
O documento informava que, “de acordo com o art.225 da Constituição Federal todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presente e futuras gerações”.
Parintins
Além das irregularidades nos pregões, o TCE-AM apontou outras falhas na administração do prefeito Frank Bi Garcia, entre elas indícios de irregularidades de funcionários fantasmas e outros supostos benefícios ilegais na prefeitura municipal de Parintins.
O Ministério Público também atuou contra a gestão de Bi Garcia, quando investigou uma possível irregularidade na contratação de servidores de saúde. Segundo o órgão, o município teria contratado falsos médicos para atuarem na cidade.
Benjamin Constant
No início do ano, O Convergente noticiou uma contratação da prefeitura de Benjamin Constant, que omitiu detalhes sobre o serviço que estava sendo firmado. Na época, o prefeito David Nunes Bemerguy pretendia gastar mais de R$ 800 mil em cestas básicas.
Com a justificativa de “aquisição de cestas básicas para o atendimento ao programa de inclusão social e cidadania”, o contrato não especificou quantas cestas básicas as empresas teriam que fornecer à prefeitura ou quantos produtos seriam incluídos nas cestas, além de não informar o valor total de cada cesta.
A equipe de reportagem fez uma busca no Portal da Transparência do município, no entanto encontrou a plataforma desatualizada.
Autazes
No início do ano, o prefeito de Autazes Anderson Cavalcante firmou um contrato de mais de R$ 3 milhões para “fazer festas” e eventos no município. Com isso, a prefeitura contratou uma empresa especialista em fornecer equipamentos para estes momentos.
No meio do ano, o TCE-AM passou a investigar o prefeito de Autazes por suposto abuso de poder econômico com pedido de tutela antecipada. O documento informava que: “Ante a manifestação do investigante, Andreson Adriano de Oliveira Cavalcante procedesse a Secretaria do Cartório Eleitoral a redesignação da audiência para data oportuna”.
Portais sem atualização
Alguns dos municípios citados na retrospectiva do O Convergente, além de polêmicas na gestão, tiveram falhas relacionadas ao compartilhamento de informações no Portal da Transparência, segundo apontou o Tribunal de Contas do Amazonas (TCE-AM).
É importante ressaltar que o acesso à informação, o qual dispõe que as contas públicas devem ser apresentadas à população, fica prejudicado. Tal lei: “Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei nº 11.111, de 5 de maio de 2005 e dispositivos da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências”.
Em abril, O Convergente noticiou que a Prefeitura de Rio Preto da Eva fecharia um contrato de mais de R$ 1 milhão, porém o município não possuía atualização do Portal da Transparência desde o ano de 2022. Em pesquisa feita agora em dezembro de 2023, apesar de a plataforma ter sido atualizada, o último contrato disponível para acesso é de junho deste ano.
Em nova consulta, agora em dezembro de 2023, a Prefeitura de Anori possui um portal com informações atualizadas. Conforme constatou a equipe de reportagem, a última atualização de extrato de contrato é de 16 de dezembro de 2023. Também é possível ter acesso a outros contratos, que são organizados também com as licitações.
Na consulta realizada em dezembro de 2023, a equipe de reportagem filtrou os contratos no Portal da Transparência do 2º semestre, de 1 de julho até a data de 28 de dezembro do respectivo município do Amazonas. Porém apenas um documento foi disponibilizado no sistema, com o valor de R$ 24 mil. Vale ressaltar que, durante esses meses, O Convergente noticiou gastos realizados pela Prefeitura de Iranduba.
Em junho, outra prefeitura que careceu de informações no Portal da Transparência foi a de Benjamin Constant. À época, o município estava disposto a gastar o valor de R$ 9,5 milhões em um contrato, porém foi verificado que as informações se encontravam desatualizadas na plataforma.
Na nova consulta realizada pelo O Convergente, foi verificado que o Portal da Transparência de Benjamin Constant, município do Amazonas, continua desatualizado. A pasta de contratos de 2023, por exemplo, aparece vazia.
Além disso, Itacoatiara foi outro município cuja prefeitura não prestou informações no Portal da Transparência, durante o ano, sobre os contratos firmados. Em consulta ao Portal da Transparência de Itacoatiara, em novembro de 2023, O Convergente constatou que a plataforma não é clara, no que diz respeito ao que pode ser observado pela população que queira acompanhar como o dinheiro público é investido.
Na nova pesquisa sobre informações, a equipe verificou que, desde que noticiou sobre a falta de transparência na plataforma, a mesma não apresentou mudanças. Quando a equipe de reportagem decidiu fazer um teste, a plataforma não deu o retorno.
O Convergente realizou uma pesquisa em dezembro de 2023, na qual verificou que o Portal da Transparência dos municípios do Amazonas contém atualizações sobre os contratos firmados, apesar de o último compartilhado na plataforma ser de 1º de dezembro de 2023.
Especialista comenta
Ao O Convergente, o analista político Helso Ribeiro fez um comentário a respeito da retrospectiva dos municípios do Amazonas no ano de 2023. Ele apontou que, se parar para analisar todas as 62 cidades amazonenses, vai ser verificada uma carência de escolas, centros de saúde, serviços de lazer, entre outros.
Em relação a show nacionais que são firmados pelas prefeituras dos municípios, o analista comentou que é um assunto delicado de se tratar, uma vez que a população não tem acesso à cultura.
“O que observamos é alguns municípios com IDH baixíssimos. Penso que essa questão não será resolvida enquanto não houver uma conjunção de forças. O nosso federalismo deixa, por vezes, na mão das prefeituras a resolução de muitos problemas que eles não têm como resolver, porque não tem verba”, disse.
O analista destacou que é necessário um reforço do governo federal, além de parcerias com o estadual, para os avanços nas cidades. “Acredito que cabe, com certeza, para o interior do Amazonas um reforço do governo federal, parcerias com governo estadual, já que boa parte desses municípios, na época da cheia, eles ficam inundados, na época da vazante, eles ficam isolados, e a população fica a reboque de políticas, muitas vezes, patriarcais”, pontuou.
“Quando você soma isso tudo, o que a gente vê, na grande maioria, carências imensas, e tirando a sede dos municípios, as comunidades mais afastadas com um imenso desamparo”, completou. O analista político ainda reforçou que essas questões são “a tônica” de boa parte dos municípios do Amazonas.
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Por Camila Duarte
Revisão textual: Vanessa Santos
Ilustração: Marcus Reis