Senadores acusaram a empresa farmacêutica Vitamedic na reunião da CPI da Covid desta quarta-feira, 11/8, de lucrar milhões de reais com a venda de ivermectina à custa de milhares de vidas perdidas para a Covid-19. O depoente do dia foi Jailton Batista, diretor-executivo da empresa.
Pressionado pelo relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), Jailton alegou não dispor de todos os números de vendas e faturamento da empresa antes e depois da pandemia. Admitiu, porém, que a venda da ivermectina — medicamento vermífugo e antiparasitário cuja eficácia contra a covid nunca foi cientificamente comprovada — saltou de 2 milhões de unidades de quatro comprimidos em 2019 para 62 milhões no ano passado. Somente com a ivermectina, a empresa faturou R$ 15,7 milhões em 2019, número que passou a R$ 470 milhões em 2020 e, de janeiro a maio deste ano, já atinge R$ 264 milhões.
A ivermectina foi apregoada em várias ocasiões pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, e seus apoiadores como parte do chamado “kit covid” para o suposto “tratamento precoce” da doença. No Brasil, a Vitamedic é um dos principais produtores do medicamento, também vendido por outros laboratórios, como Abbott, Legrand e Neo Química.
Vídeos – A pedido de Renan Calheiros, foram exibidos diversos vídeos em que Jair Bolsonaro promove a ivermectina. Jailton Batista se disse, porém, incapaz de avaliar o impacto dessas declarações sobre a demanda pelo remédio.
“Antes que houvesse alguns pronunciamentos, desde a eclosão da pandemia, quando os primeiros estudos in vitro apontaram que a ivermectina tinha alguma ação, isso desencadeou o interesse pelo produto. Ele passou a ter visibilidade maior. Mas não temos como medir o que impactou a fala do presidente no nosso negócio”, disse Batista.
As respostas foram consideradas evasivas pelo relator:
“Nós estamos diante de um dos mais tristes depoimentos desta Comissão Parlamentar de Inquérito”, resumiu Renan.
Presidente da empresa – Diversos senadores, entre eles o relator Renan Calheiros e Otto Alencar (PSD-BA), defenderam a convocação do dono da Vitamedic, José Alves Filho, para prestar mais esclarecimentos. O requerimento original previa a presença do empresário nesta quarta-feira. Mas em ofício enviado à comissão, Alves argumentou que, como acionista da Vitamedic, poderia responder apenas sobre “investimentos fabris e novas aquisições” e sugeriu o nome de Jailton Batista. O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), anunciou que Alves será chamado.
No depoimento, Jailton Batista reconheceu que a Unialfa, empresa do setor de educação que pertence ao grupo de José Alves, patrocinou um manifesto da Associação Médicos pela Vida, defensora do “tratamento precoce”, sobre “medicamentos contra covid-19”, publicado na imprensa em 16 de fevereiro deste ano.
O presidente da CPI, Omar Aziz, exaltou-se ao lembrar que a ivermectina continuou sendo recomendada no auge da crise de oxigênio que matou centenas de pacientes de covid-19 em Manaus no início deste ano:
“Esse manifesto é depois da morte de mais de 200 pessoas por dia na cidade de Manaus. E nem isso sensibilizou o laboratório a perceber que era um engodo. Não! Visou lucro, mancomunado com alguns médicos. Se isso não for crime, não tem mais nenhum crime para a gente investigar aqui nesta CPI”, declarou.
Jailton Batista defendeu a empresa alegando que ela não tinha como interferir no conteúdo do informe publicitário elaborado pela Associação Médicos pela Vida.
“Bonificações” – Em resposta a Otto Alencar, Jailton Batista negou o pagamento de bonificações a médicos para estimular o uso da Ivermectina. O senador mostrou, então, documentos segundo os quais cerca de R$ 10 mil teriam sido pagos a médicos. O depoente confirmou o financiamento de diárias para a realização de palestras sobre a medicação destinada ao “uso preventivo” contra covid-19. Ele negou a instalação de outdoors com propaganda desses remédios em estados como a Bahia.
A senadora Soraya Thronicke (PSL-MS), que teve sequelas no fígado pelo uso de ivermectina para tratar a covid, acusou os promotores do medicamento de ter “as mãos sujas de sangue”. O senador Rogério Carvalho (PT-SE) solicitou à CPI que encaminhe uma denúncia à Procuradoria-Geral da República contra a Vitamedic, por prescrever medicamento sem eficácia contra a covid-19 e por curandeirismo, infração de medida sanitária, advocacia administrativa, corrupção ativa e passiva e publicidade enganosa.
Os senadores Izalci Lucas (PSDB-DF) e Eduardo Girão (Podemos-CE) manifestaram surpresa com o aumento do preço da ivermectina, de cerca de 60% desde o início da pandemia. Segundo Jailton Batista, a variação ocorreu devido ao aumento no preço da matéria-prima do medicamento, à elevação de custos em razão da pandemia e à variação cambial.
Ações contra a União – O relator Renan Calheiros informou que a CPI vai recomendar que as defensorias públicas nos estados processem a União e as empresas produtoras do “kit covid” pelas mortes durante a pandemia. O anúncio contou com o apoio de Omar Aziz, Randolfe Rodrigues e Humberto Costa (PT-PE).
“Será item obrigatório do relatório final que a advocacia dos estados atue em defesa da tutela dessas vítimas, de seus familiares e de suas famílias, e das pessoas que ficaram sequeladas em razão da prescrição desses medicamentos sem eficácia”, disse Renan.
O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) sugeriu que seja feito um pedido cautelar à Justiça Federal pra que bloqueie, enquanto durar a investigação, recursos da Vitamedic suficientes pra garantir o ressarcimento aos cofres públicos de eventuais prejuízos causados pelo uso indiscriminado da ivermectina.
Médicos – Senadores independentes da base do governo defenderam a atuação dos médicos que receitam a ivermectina a seus pacientes. Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), líder do governo no Senado, afirmou que o relator não pode responsabilizar a Vitamedic pelo aumento na produção e nas vendas do medicamento. Para o senador Marcos Rogério (DEM-RO), o “tratamento precoce” foi indevidamente politizado, e os médicos que continuam a receitar esses remédios não devem ser criminalizados.
O senador Marcos do Val (Podemos-ES) afirmou que o presidente da República, Jair Bolsonaro, nunca receitou medicamentos. O senador relatou estar se recuperando da covid e atribuiu seu bom estado de saúde ao fato de ter recebido duas doses da vacina da Pfizer.
Fake News – Em sua intervenção, o senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) pediu para exibir um vídeo de uma entrevista antiga do colega o senador Otto Alencar, em que este admitia (no início da pandemia, contrariamente ao que defende hoje) a prescrição de ivermectina diante dos sintomas iniciais da covid-19.
Ocupando interinamente a cadeira da presidência, a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) indeferiu o pedido, alegando que a entrevista era antiga, que o entendimento da ciência evoluiu desde então, e que seria um “desrespeito” a Otto, que se recupera da covid e não estava presente para rebater.
Apesar do indeferimento, Heinze divulgou pelo microfone o áudio da entrevista de Otto. O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) anunciou que anexaria o episódio à sua representação no Conselho de Ética contra Heinze por disseminação de informações falsas.
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Com informações Agência Senado
Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado