Demora nos atendimentos, falta de profissionais, consultas que parecem ser uma ‘missão impossível’ de serem marcadas. A realidade relatada pela população de Manaus sobre a saúde da capital contraria as propagandas da gestão do prefeito David Almeida, em afirmar que a capital amazonense é número um em saúde do Brasil. Ao O Convergente, os usuários do sistema básico de saúde de Manaus narraram e opinaram sobre os serviços que valem muito mais que números de ranking.
“Se eles dizem que colocam [investimentos], está péssimo! Eles falam que estão vendo a saúde, mas não vemos nenhuma melhora. Cadê o povo que disse que ia investir, que ia cuidar? A gente vê como está a situação, não precisa ninguém chegar e falar. Se você chegar passando mal, você vai ficar esperando a sua vez. As vezes tem médico que está descansando, está faltando remédio, está faltando isso. É muito difícil!”, relatou a comerciante Maria da Conceição Alves.
Nos primeiros anos da atual gestão, o atendimento básico de saúde em Manaus foi destaque, a partir do levantamento feito pelo Previne Brasil, do Ministério da Saúde. Porém, esse cenário foi mudando com o passar dos meses, principalmente a nível estadual.
De acordo com os últimos dados do Previne Brasil, no primeiro quadrimestre de 2024, Manaus ocupou a 38ª colocação no ranking do Amazonas. A nota da capital amazonense foi 8.47 neste primeiro levantamento de 2024, o que diminui quase 4% a menos a nota de Manaus. Com essa nota, Manaus ficou atrás de municípios como Manicoré, Urucurituba e Rio Preto da Eva, que ocupam as três primeiras posições.
Sendo a 38º cidade com a ‘melhor saúde do Amazonas’, a nota da capital amazonense ainda é considerada boa com relação aos índices que o Previne Brasil estipula. Por exemplo, para um serviço básico de saúde ser considerado ruim, deve ser abaixo de 25%. O menor índice de Manaus, neste primeiro levantamento de 2024, foi de 32%, o que é considerado bom.
Muito mais do que os índices exibidos pela Prefeitura de Manaus, a avaliação final é da população, que é quem realmente usufrui dos serviços ofertados. No entanto, de acordo com os manauaras, a saúde básica em Manaus ainda está aquém do que divulga a gestão do prefeito David Almeida.
“Acho péssima! A demora é muito grande para ser atendida. Vai de três meses, seis meses, por diante. É negativo, porque quem promete não cumpre”, avaliou a aposentada Raimunda Dulce Carvalho.
A responsabilidade do município é de garantir o atendimento básico de saúde, como por exemplo, casos de gripe, dores de barriga, entre outros. No entanto, por fatores como mau atendimento e até mesmo UBS fechadas acabam levando esses pacientes primários para hospitais estaduais, por exemplo.
Ou seja, a demanda que deveria ser atendida pelo município de Manaus acaba sobrecarregando as demandas dos hospitais estaduais, que tratam de doenças de alta complexidade, gerando assim um tumulto nos hospitais do Amazonas devido a má administração da Prefeitura no âmbito do atendimento básico de saúde.
“É difícil, porque você vai num hospital, muitas vezes marcam para 1 mês, você tá doente e ainda tem que esperar um mês?! A saúde está caótica! Já conheci gente que precisava de um remédio básico, foi atrás e não tinha. Os problemas de saúde já são velhos e ainda não conseguiram consertar”, disse o comerciante Odomar Ferreira.
Ao O Convergente, a especialista Rute Luna comentou que em alguns levantamentos feitos para suas pesquisas, alguns cidadãos apontavam insatisfação nos atendimentos, ainda mais com relação ao atendimento médico em casa.
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“Uma das reclamações da população era que o médico não ia na casa. Conversei com o médico e ele disse que, além do atendimento, ele tinha questões burocráticas para dar conta e conseguia ir somente uma vez que era para dar conta de quem não conseguia ir até a casinha, como o acamado”, disse.
Durante a apuração in loco do O Convergente, a equipe de reportagem esteve próximo da UBS Luiz Montenegro, no bairro Planalto, onde observou que o prédio estava em obras, no entanto, a placa informativa sobre o gasto público apontava que a conclusão das obras estava prevista para janeiro de 2024. Passado oito meses do prazo, as obras nesta UBS ainda estão pela metade.
O Convergente entrou em contato com a Secretaria Municipal de Saúde para questionar o que ocasionou a demora na entrega das obras, mas não houve retorno.
Polêmicas nos bastidores da Saúde
A ida desses pacientes para hospitais de alta complexidade ocorre, em alguns casos, por conta da falta de profissionais nas unidades básicas de saúde. A Prefeitura de Manaus esteve no centro de uma polêmica envolvendo os profissionais de saúde aprovados no concurso da Secretaria Municipal de Saúde (Semsa).
Em 2022, a Semsa realizou um concurso público para cargos diversos de especialista e assistente em saúde. Apesar da aprovação, os aprovados aguardaram quase 2 anos para serem convocados e só conseguiram assumir os cargos devido à pressão feita na Prefeitura de Manaus.
Em maio, a secretária de Saúde Shádia Fraxe foi à Câmara Municipal de Manaus (CMM) para informar que todos os aprovados seriam convocados até o final do mês de junho. Passado o prazo estipulado por ela, os classificados não foram chamados pela Prefeitura de Manaus, o que ocasionou em protestos e cobranças por parte dos vereadores.
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Somente em julho, o prefeito David Almeida assinou a nomeação dos aprovados no certame e, ignorando os protestos de ocupação dos cargos por direito, alegou que a convocação ocorria por conta de necessidades para a atenção básica.
Um dos decretos trazia a nomeação de 404 técnicos de enfermagem, além de dois médicos psiquiatras de 20 horas. No outro decreto, foram nomeados 82 profissionais.
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Além da demora na convocação dos classificados, a Semsa se envolveu em mais uma polêmica. Na segunda semana do mês de setembro, o Ministério Público Federal instaurou um inquérito civil contra a pasta da Prefeitura de Manaus para apurar supostas irregularidades no processo seletivo nº 001/2023, o qual selecionava para os cargos de vacinador e registrador.
Segundo a Prefeitura de Manaus, foram convocados 300 candidatos classificados no processo seletivo, os quais foram contratados pelo órgão em regime temporário para trabalhar na Campanha de Vacinação Antirrábica Animal, entre 1º de setembro e 20 de dezembro de 2024.
Atraso no chamamento dos classificados, além de instauração de inquérito civil, a Semsa também protagoniza outros escândalos por irregularidades em licitação, de acordo com o Tribunal de Contas do Estado do Amazonas.
Somente em agosto deste ano, o TCE-AM determinou a suspensão de duas licitações da pasta da Saúde da Prefeitura de Manaus. A decisão ocorreu para apurar possíveis irregularidades na condução dos certames.
Em um dos certamos, o TCE-AM apontou possível irregularidade ocorrida por violação à vinculação ao instrumento convocatório, ilegalidade na inabilitação e descumprimento dos subitens.
Outro lado
O Convergente entrou em contato com a Secretaria Municipal de Saúde para um posicionamento a respeito dos relatos da população quanto aos problemas referentes na saúde básica de Manaus. A equipe de reportagem também questionou a pasta sobre o ranking do Previne Brasil e a colocação do município.
Até a publicação desta matéria, não houve retorno da pasta. O espaço segue aberto para envio de futuras notas.
Confira a websérie na íntegra:
Leia mais: Educação em Manaus: R$ 8 bilhões investidos e a realidade distorcida da propaganda municipal
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Por Camila Duarte
Foto: Marcus Reis
Revisão: Letícia Barbosa
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