Líderes de 196 países estão reunidos em Glasgow, na Escócia, para avaliar o que foi feito no cumprimento das metas do Acordo de Paris para reduzir o aquecimento global. O Brasil não fez a lição de casa, ao contrário, sua proposta é para aumentar a cota no aquecimento global, dando mostras muito claras da política de “passar a boiada”, deixada como herança pelo ex-ministro do Meio Ambiente.
A 26ª Conferência das Nações Unidas para a Mudança do Clima (COP26) não trouxe boas notícias para o mundo, o que se esperava era mais compromisso, menos conversa e mais ação para impedir o que vem ocorrendo com a nossa Amazônia, por exemplo, sob ataque constante e crescente de tudo o que é pernicioso: grilagem, garimpo e extração de madeira ilegal, contaminação dos rios, desmatamento, queimadas. Um surto de insensatez, insanidade, omissão criminosa.
No meio de tudo isso, uma situação das mais graves e inquietantes diz respeito às terras indígenas, que têm um papel significativo no combate às mudanças climáticas, e aos povos indígenas, parceiros essenciais para conservação da floresta em pé, nas mais de 560 demarcações de terras indígenas do Brasil. O ano de 2020 foi trágico para os indígenas brasileiros.
Ficou marcado pelo alto número de mortes ocorridas em decorrência da má gestão do enfrentamento à pandemia no Brasil e pela invasão de suas terras por grileiros, garimpeiros, madeireiros e outros invasores, que atingiu 201 terras indígenas, de 145 povos, em 19 estados.
O número de indígenas assassinados no Brasil, em 2020, foi o mais alto em 25 anos, com 182 mortes. É cruel. É mais um genocídio indígena, em pleno século XXI. E isso está corroborado no relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil, um trabalho apuradíssimo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Não estou inventando nada. Venho alertando para isso há muito tempo e, graças a Deus, não estou sozinho nessa caminhada.
O relatório dá o exemplo da Terra Indígena Yanomami, onde é estimada a presença ilegal de 20 mil garimpeiros. Eles devastam o território, provocam conflitos, praticam atos de violência contra os indígenas e, ainda, atuam como vetores do coronavírus. Eu passei todo o ano de 2020 alertando para isso, pedindo até mesmo a ajuda internacional para evitar o caos e o massacre da população indígena. Lamentavelmente, perdemos parte importante da nossa cultura milenar e aliados na busca de alternativas para o uso sustentável da nossa floresta.
A Funai, é claro, não reconhece nenhum dado do relatório realizado pelo Cimi. A exemplo de outras instituições governamentais que deveriam trabalhar para proteger a Amazônia e os indígenas, proteger o patrimônio biogenético brasileiro, nossas águas, nossa fauna, flora e, principalmente, nossa gente, a Funai está desbaratada, desarticulada, imobilizada em suas funções de regulamentar, fiscalizar e punir os criminosos.
É um quadro devastador e clamo para que todos nós, especialmente os amazônidas, onde vive a maioria das etnias indígenas do Brasil, nos unamos em uma só voz em defesa dos povos originários. Precisamos fortalecer nossas instituições indígenas, trabalhar planos de gestão territorial e ambiental, entre outras atividades e, principalmente, agir com mão dura contra os crimes praticados hoje.
Que a Cúpula do Clima reunida em Glasgow não se atenha meramente aos números de emissão de carbono na atmosfera, mas saiba ver o que está em primeiro plano nessa questão, que é a vida em todas as suas formas, humanas ou não.
Salvemos nossos povos indígenas, antes que seja demasiado tarde!
Sobre o autor
Arthur Virgílio Neto é diretor do Núcleo de Educação Política e Renovação do Centro Preparatório Jurídico. Foi por 20 anos deputado federal e senador, líder por duas vezes do governo Fernando Henrique, ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, líder das oposições no Senado por oito anos seguidos e três vezes prefeito da capital da Amazônia.