26.3 C
Manaus
sábado, novembro 23, 2024

Principais mudanças dependem de novas leis, explica Senado sobre reforma tributária

A pendência dessas novas regras gera divergências entre parlamentares sobre o impacto da reforma no aumento ou na diminuição de impostos sobre o consumo

Por

Com a primeira reforma ampla do sistema tributário realizada sob a Constituição Federal de 1988, os parlamentares esperam simplificar a cobrança de impostos sobre o consumo para incentivar o crescimento econômico. A promulgação da Emenda Constitucional 132 nessa quarta-feira (20) estabelece as bases de uma longa transição para unir impostos sobre o consumo de estados e municípios, acabar com a guerra fiscal e dar mais transparência aos tributos pagos.

A emenda é oriunda da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019, relatada no Senado pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM). O principal efeito da aprovação é a unificação, a partir de 2033, de cinco tributos — ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins — em uma cobrança única, que será dividida entre os níveis federal (CBS: Contribuição sobre Bens e Serviços) e estadual/municipal (IBS: Imposto sobre Bens e Serviços).

Aumento ou diminuição

Para a concretização das mudanças, o Congresso Nacional ainda deverá aprovar, nos próximos anos, leis complementares para regulamentar as alterações trazidas pela emenda e para instituir a CBS e o IBS. A pendência dessas novas regras gera divergência entre parlamentares sobre o impacto da reforma no aumento ou diminuição de impostos sobre o consumo. Pelos cálculos de Braga, o brasileiro não pagará mais aos governos. Para garantir isso, ele criou uma “trava de referência”, a fim de que os novos tributos possam ser diminuídos em 2030 e 2035, caso haja aumento da carga tributária proporcionalmente ao PIB.

A estimativa do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é que a alíquota final da CBS e IBS seja em torno de 27,5%. A CBS e o IBS serão tributos do tipo Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que acaba com o “efeito cascata”, capaz de levar um mesmo imposto a ser pago várias vezes durante o processo de produção ou de comercialização do mesmo bem.

Na avaliação do senador Rogerio Marinho (PL-RN), o Brasil será o país que mais cobrará no modelo IVA, já adotado por mais de 100 países. No entendimento do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), atualmente o contribuinte “já paga carga maior que essa sugerida, só que está oculta”. Tendo a transparência como um dos princípios previstos, a emenda prevê que, sempre que possível, o documento fiscal terá o valor do imposto pago informado.

Novos impostos

A CBS será completamente instituída a partir de 2027. Mas em 2026 haverá um período de teste em que a alíquota da CBS e IBS, somadas, será de 1%. O IBS só será definitivamente implementado em 2033, após período de seis anos em que conviverá com o ICMS e ISS, que serão substituídos de modo progressivo.

Em 2033, da perspectiva do contribuinte, a CBS e o IBS serão cobrados de forma única. A partir daí, nos primeiros anos, o Senado calculará por meio de resolução uma alíquota de referência para a CBS e duas para o IBS (uma para estados e outra para municípios). Esse será outro mecanismo que busca manter a nova carga tributária sobre o consumo equivalente à atual. Apesar do IBS ser um único imposto, os entes poderão alterar suas alíquotas, desde que não diminuam a arrecadação atual.

Exceções

A CBS e o IBS terão as mesmas regras, as mesmas incidências e as mesmas exceções à alíquota geral, estimada em 27,5%. Por exemplo, a Cesta Básica Nacional de Alimentos, cujos produtos serão definidos posteriormente em lei complementar, será livre de impostos. A definição dos alimentos da cesta básica deverá considerar a diversidade regional e cultural da alimentação e garantir alimentação saudável e nutricionalmente adequada.

Também poderão ser livres da CBS e IBS os produtos hortícolas, frutas, ovos, serviços de saúde, produtos de cuidados básicos à saúde menstrual, serviços prestados por Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação (ICT) sem fins lucrativos, compra de automóveis por taxistas, entre outros.

Poderão receber tratamento favorável os alimentos destinados ao consumo humano, os produtos de higiene pessoal e limpeza consumidos por famílias de baixa renda (como água sanitária), as produções artísticas, insumos agropecuários e aquícolas, entre outros, que terão 60% de redução dos novos tributos. Profissionais liberais submetidos a fiscalização por conselho profissional podem ter redução de 30% da CBS e do IBS. Todos esses benefícios poderão ser reavaliados a cada cinco anos, salvo a cesta básica.

Outro gênero de exceções são os regimes específicos, que não têm como objetivo reduzir o ônus fiscal, mas apenas adaptar as regras tributárias ao setor. Neste caso, serviços financeiros, de hotelaria, agências de turismo, atividades esportivas e combustíveis e lubrificantes, entre outros, terão regras próprias.

Também será criado um mecanismo inédito no Brasil, chamado de cashback (dinheiro de volta), que fará com que o Poder Público devolva parte do imposto pago por famílias de baixa renda. O cashback será obrigatório para energia elétrica e botijão de gás.

Compensação de ICMS

A proibição aos estados de instituir novas exceções às já previstas simplificarão o pagamento de impostos pelas empresas e cidadãos e combaterá a chamada “guerra fiscal”, estratégia utilizada pelos estados para receber investimentos privados por meio da oferta de benefícios tributários. Atualmente, por exemplo, estados concedem diminuição ou isenção de ICMS a determinados setores, levando empresas a transferir suas atividades que antes ocorriam em um local que consideram menos vantajoso financeiramente. Braga critica a prática por, segundo seu relatório, levar “à forte queda de arrecadação [nos estados]”, mas sem grandes resultados.

Para compensar as pessoas jurídicas e físicas pela redução dos benefícios concedidos pelas unidades federativas, a reforma cria o Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais, que durará até o fim de 2032. Em 2025, o fundo receberá da União R$ 8 bilhões. Em seu auge, receberá R$ 32 bilhões em 2028 e 2029.

No entanto, a emenda ainda permite a criação de novas contribuições tributárias por estados sobre produtos primários e semielaborados, como os produtos agropecuários. Alguns entes federativos criaram esses tributos para financiar fundos destinados a investimentos em obras de infraestrutura e habitação, que serão prejudicadas com a reforma tributária.

De acordo com as regras, só poderão criar a contribuição os estados que já possuem tanto um tributo semelhante como um fundo deste gênero. As alíquotas não poderão ser maiores do que eram em 30 de abril de 2023 e os fundos devem manter regras de funcionamento como eram nesta data. Em 2043, as contribuições criadas deverão ser extintas.

Fundo de Desenvolvimento

Outra forma de evitar a guerra fiscal será com a tributação da CBS e IBS apenas no local de consumo, e não mais no local de produção e de consumo como é hoje.  Para evitar perdas na capacidade de investimento nos estados, a reforma cria o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR). Ele também buscará reduzir discrepâncias econômicas e sociais entre os estados.

O FNDR terá aportes da União que serão entregues aos estados para investimentos em infraestrutura, em atividades que gerem emprego e renda, além de desenvolvimento científico, tecnológico e inovação. Os entes terão autonomia no gasto, mas deverão priorizar projetos com ações de preservação do meio ambiente.

A União colocará dinheiro no fundo de maneira gradativa, iniciando com R$ 8 bilhões em 2029. Até 2034, o valor será o do ano anterior somado com mais R$ 8 bilhões. A partir daí, a alocação crescerá R$ 2 bi por ano, chegando a R$ 60 bilhões em 2043. Os critérios do Fundo de Participação dos Estados (FPE), criado para equalizar a capacidade fiscal das unidades federativas, serão usados para distribuir 70% dos recursos do fundo; o restante será distribuído com base no número de habitantes.

Além desses fundos, a emenda prevê a criação do Fundo de Sustentabilidade e Diversificação Econômica do Estado do Amazonas, também com aportes federais, com o objetivo de fomentar a diversificação de atividades econômicas no estado. Para estados da Amazônia Ocidental e o Amapá, outro fundo de desenvolvimento sustentável deverá ser criado nos mesmos moldes.

Transição

Essas mudanças têm potencial de alterar a atual arrecadação dos entes federativos. Para estabilizar as receitas dos estados e municípios com relação ao ICMS e ISS, a reforma estabelece uma transição na partilha dos valores arrecadados que durará 50 anos, entre 2027 e 2077. O IBS arrecadado será partilhado entre estados, municípios e Distrito Federal de modo a manter proporcionalmente a receita média de cada ente federativo, obedecendo a futura lei complementar.

Para gerir o IBS, a emenda cria um Comitê Gestor, que será uma entidade pública sob regime especial com independência técnica, administrativa, orçamentária e financeira. Terá 27 membros representando cada estado e o Distrito Federal; outros 27 membros representando o conjunto dos municípios (14 representantes escolhidos de forma igual entre os municípios e 13 considerando o tamanho da população).

O comitê terá apenas funções normativas e administrativas. Caberá ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) processar e julgar os conflitos entre entes federativos, ou entre estes e o Comitê Gestor. Na versão aprovada pelo Senado, o presidente do comitê deveria ser sabatinado pela Casa legislativa, mas a Câmara suprimiu a obrigação.

“Imposto do pecado”

A partir de 2027, também será criado o Imposto Seletivo, que incidirá uma única vez sobre a produção, extração, comercialização ou importação de produtos e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Atualmente, a função é exercida pelo IPI com relação a produtos maléficos à saúde, como o tabaco.

O novo imposto não poderá incidir sobre setor de energia elétrica nem de telecomunicações. Na ocasião em que apresentou o relatório, em outubro, Braga disse que não é justo onerar o setor elétrico quando grande parte dele é de energia limpa e renovável. Também não haverá incidência sobre exportações, mas a emenda permite a cobrança de 1% do imposto seletivo na extração de recursos naturais não renováveis, como minérios e petróleo.

O imposto financiará diversos fundos, como o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e o Fundo de Participação dos Estados (FPE), que hoje é alimentado em parte pelo IPI. Lei complementar que o instituir poderá diminuir ou zerar as alíquotas a algum tipo de produto específico, que serão determinadas por posterior lei ordinária. O Imposto Seletivo não comporá base de cálculo da CBS nem do IBS.

IPI

Inicialmente previsto para ser extinto em 2027, o IPI ainda vigorará no país, mas com a nova função de manter a competitividade das produções industriais da Zona Franca de Manaus (ZFM), que ainda terá outros benefícios criados pela lei. Atualmente o IPI incide em importações ou na saída de produto de estabelecimento industrial brasileiro.

O Congresso estipulou que, após 2027, o IPI terá suas alíquotas reduzidas a zero em todo o Brasil, exceto em relação aos produtos que tenham industrialização incentivada na ZFM. Lei complementar explicará o novo funcionamento do imposto. Mesmo sem a extinção, sua função arrecadatória será suprida pelo CBS e a função de desestímulo a produtos prejudiciais à saúde, pelo Imposto Seletivo.

Os benefícios fiscais do IPI atualmente concedido para plantas automobilísticas nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste será prorrogado até dezembro de 2032. Mas, diferentemente de hoje, será exclusivamente para automóveis “descarbonizantes”, como veículos elétricos ou movidos a biocombustíveis. O benefício, estabelecido na forma de crédito presumido da CBS, será reduzido em 20% ao ano entre 2029 e 2032.

Outros impostos

A reforma tributária não modificou apenas regras relativas aos impostos sobre o consumo, mas também do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) e Imposto sobre a Propriedade de Veículos (IPVA). Nesses pontos, a reforma não busca manter a atual carga tributária.

Com o texto, o ITCMD, que é estadual, agora será cobrado no local de domicílio do falecido ou de doador de bens móveis, títulos ou créditos. Hoje ocorre no estado onde se processar o inventário ou arrolamento de bens. A nova norma valerá para os processos de sucessão abertos a partir da promulgação.

O tributo será progressivo de acordo com o valor e não será cobrado em doações a instituições sem fins lucrativos com finalidade de relevância pública e social, como organizações assistenciais de entidades religiosas e institutos científicos e tecnológicos. A emenda estende a vedação da cobrança tributária em templos, já prevista na Carta Magna, para as entidades religiosas e suas organizações assistenciais e beneficentes.

Em relação à contribuição municipal para custear a iluminação pública, é permitido seu uso para expansão e melhoria do serviço, finalidades não previstas antes na Constituição. Essa contribuição poderá ser instituída ainda para custear sistemas de monitoramento para segurança e preservação de logradouros públicos.

O IPVA poderá ter alíquotas diferentes em função do valor e do impacto ambiental do veículo. Haverá IPVA para iates, barcos e aviões de uso particular. Quanto ao IPTU, de competência municipal, o prefeito pode atualizar, por decreto, a base de cálculo sobre a qual o tributo incide, conforme critérios estipulados em lei.

A emenda ainda obriga o governo a enviar, em até 90 (noventa) dias após a promulgação, projeto de lei que reforme a tributação da renda e a tributação da folha de salários (desoneração). A ideia é que os parlamentares prossigam com a reforma para outros setores do sistema tributário nacional.

*Com informações da Agência Senado

Leia mais: Deputados trocam tapas e xingamentos em sessão que promulgou reforma tributária

Fique ligado em nossas redes

Você também pode gostar

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

spot_img

Últimos Artigos

- Publicidade -