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sábado, outubro 12, 2024

Cenário da estiagem em 2023 é muito mais severo do que o da cota histórica de 2010, mostram dados

O Convergente fez uma consulta aos dados registrados e apurou que, no mesmo período em 2010, o Rio Negro media mais de um metro do que mede atualmente, com 15,02m

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O Amazonas enfrenta uma das maiores estiagens já vistas nos últimos anos. Nesta quarta-feira (4), o Rio Negro bateu a cota de 15,02 metros, conforme dados divulgados pelo Porto de Manaus. Dados da Defesa Civil do Amazonas expõem um agravamento da seca e uma aproximação de bater a vazante histórica de 2010, onde as águas do rio marcaram 13,63 metros.

Além da fumaça das queimadas ilegais, o amazonense precisa enfrentar uma das piores estiagens, que vem causando danos à população ribeirinha, por exemplo, por conta da dificuldade de locomoção e, até mesmo no dia a dia, em vista da falta de água potável e de alimentos. Outro ponto que tem chamado a atenção são as mortes de animais aquáticos, devido à seca severa.

A forte estiagem que atinge a Região Amazônica é causada pelo fenômeno El Niño, que dificulta a formação de nuvens de chuvas nas regiões Norte e Nordeste, após uma intensa chuva no meio do Oceano Pacífico, onde o ar quente e seco continua circulado.

Segundo o Inmet, que monitora a situação climática do Brasil, a previsão para a Região Norte, nos próximos três meses, indica maior probabilidade de chuva abaixo do normal. Como apontou o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), o número de municípios que vão ser impactados pela seca em 2023 deve ser superior em pelo menos 34%.

Nessa terça-feira (23), o Amazonas aumentou o número de municípios que entraram em estado de emergência, para 24 cidades. De acordo com o Boletim do Governo do Amazonas, dos 62 municípios do Estado, 35 estão em situação de alerta, dois em atenção e dois em normalidade.

Medição das águas

Os cenários da estiagem no Amazonas chamam a atenção. O famoso cartão postal do Estado, o Encontro das Águas, agora apresenta bancos de areias no lugar onde a água era abundante.

O que vem chamado a atenção é que, a cada dia, os rios do Amazonas vem secando com rapidez. Conforme os dados do Porto de Manaus, da última medição de setembro à primeira de outubro, o rio diminuiu 20 centímetros de um dia para o outro.

Fazendo um comparativo com o mesmo período, em 2022, no dia 4 de outubro, o Rio Negro media 20,57 metros. Em 2023, o número próximo ao do mesmo período do ano passado foi registrado no dia 14 de setembro, quando o rio media 20,63 metros, mostrando o rápido avanço da estiagem no Amazonas.

Foto: À esquerda, dados da medição de outubro de 2022. À direita, medição de outubro de 2023.

A medição feita pelo Porto de Manaus mostra uma rápida vazante. Isso porque, se forem analisados os registros de julho, por exemplo, o Rio Negro media 27,96 há dois meses. Em agosto, apesar de diminuir, ele ainda continuou registrando uma boa média, com 26,60 metros.

A partir da segunda quinzena de agosto, o Rio Negro foi registrando uma queda crescente, perdendo -10 centímetros, ou até mais, por dia. A maior perda foi registrada em 19 de setembro, quando em um único dia, o rio perdeu -36 centímetros.

Vendo por esse ângulo, o mês de setembro foi o mais severo para a estiagem no Amazonas. Isso porque as águas foram abaixando mais de 20 centímetros por dia. No primeiro dia de agosto, por exemplo, o rio perdeu apenas 7 centímetros, em comparação com o primeiro dia de setembro, onde o rio perdeu 16 centímetros.

Fotos: Redes sociais e Fabrício Aguiar

Desde então, as águas dos rios vêm abaixando cada vez mais, sendo o pico registrado a partir do dia 15 de setembro até 28 de setembro, quando o rio passou a perder mais de 30 centímetros por dia. O mês de outubro iniciou com o rio perdendo 20 centímetros e medindo 15,46 metros. Em apenas 4 dias, já foram perdidos 64 centímetros.

Cota histórica

Com a rapidez na vazante, especialistas apontam que a estiagem em 2023 deve alcançar ou até mesmo bater a cota histórica registrada em 2010, quando o rio chegou a medir apenas 13,63 metros.

Fazendo uma comparação com o início de outubro de 2023, quando o Rio Negro media 15,46, no dia 1º, a medida da vazante histórica de 2010 no mesmo período foi de 16,72 metros, o que já aponta uma diferença.

Foto: À esquerda, dados da medição de 2010. À direita, medição de 2023.

Com relação a maior perca de centímetros, diferente da estiagem de 2023, as águas dos rios em 2010 não tiveram perdas de 30 centímetros por dias. A maior registrada na vazante histórica foi de menos 22 centímetros, quando o rio mediu 14,27 metros.

Sobre a cota histórica de 13,63, ela foi registrada no dia 24 de outubro, mas nos dias seguintes, já houve um aumento no nível do Rio Negro, sendo registrado no dia seguinte um aumento de 2 centímetros.

Em 2010, a situação foi normalizada em poucos dias, quando as águas dos rios começaram a subir novamente. Dez dias após marcar a cota histórica, foi marcado a cota de 14,01 metros, já indicando que a estiagem havia ido embora. Naquele ano, o Rio Negro virou para 2011 marcando 18,60 metros.

Cenário ambiental

Ao O Convergente, o geógrafo e ambientalista Carlos Durigan explicou que o cenário enfrentado atualmente pela população é de uma crise climática, já chamada por representantes da ONU de “ebulição global”, que segue além do aquecimento para o qual o mundo já estava sendo alertado.

“Julho de 2023 foi o mês com temperatura média mais alta desde o século 19, chegando a quase 17 graus Celsius, 1,5 graus acima da temperatura média global na era chamada de pré-industrial”, explicou. Ele apontou que, com o aumento da temperatura, os períodos devem ser mais danosos, como o caso do fenômeno El Niño em 2023, o que pode agravar a seca nos rios e ser superior a de 2010.

“Com este processo de aquecimento em curso, períodos de extremos devem ser mais frequentes e mais danosos e é o que vemos agora com este período de El Niño, já em processo de ser classificado como um super El Niño que deve nos levar a um cenário de altas temperaturas na nossa região e ainda de grande seca nos rios, que pode ser ainda pior que as secas observadas em 2010 e 2015”, pontuou.

Foto: Divulgação / Ilustração: Marcus Reis

De acordo com o ambientalista Carlos Durigan, as altas temperaturas e a ausência de chuvas e umidade ocasionam uma grande estiagem, deixando “floresta e paisagens naturais ainda mais suscetíveis a incêndios provocados por atividades humanas diversas e ainda reduz os níveis dos rios drasticamente, afetando a vida de toda a biodiversidade aquática e ainda das pessoas que dependem tanto da água quanto do pescado para suas vidas”.

Ao O Convergente, ele ainda explicou que o cenário drástico da estiagem afeta a saúde dos ecossistemas, como é o caso dos animais aquáticos que estão sendo encontrados mortos nos rios do Amazonas. Além disso, as plantas também não escapam desse efeito, assim como a proliferação das doenças para a sociedade.

“Infelizmente, o que se pode fazer diante de um cenário destes é pouco, em geral ações emergenciais buscam reduzir o dano, mas a extensão dos problemas reduzem a efetividade de nossas ações”, disse. O ambientalista ainda reforçou que somente o período chuvoso pode reverter a situação de estiagem, por isso são necessárias medidas emergências.

“Somente a chegada das chuvas irá reverter este quadro, daí que teremos a necessidade de ações emergenciais para dar apoio a comunidades e mesmo municípios que podem ficar isolados com a seca dos rios, inclusive contando com apoio aéreo. Também o cuidado com o uso da água deve ser redobrado, uma vez que a morte de peixes e outros animais, assim como o aumento da concentração de esgoto reduzem a sua qualidade e podem gerar vários males à saúde”, enfatizou.

Ainda, segundo ele, o cenário enfrentado, atualmente, pela Região Amazônica deve servir de alerta para que a sociedade, como um todo, procure hábitos para mudar, como a adoção de alternativas sustentáveis.

“Este cenário trágico precisa servir de alerta a todos nós de que precisamos sim mudar nossa forma de viver e produzir, buscar alternativas sustentáveis e de baixo carbono de geração de energia. Zerar o desmatamento e proteger nossas florestas, biodiversidade e rios são ações necessárias e emergenciais para tentarmos evitar que um agravamento ainda maior deste cenário no futuro aconteça”, comentou.

Leia mais: Em Manaus, Alckmin afirma que governo vai liberar recursos “o mais rápido possível” à população afetada por estiagem 

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Por Camila Duarte

Revisão textual: Vanessa Santos

Ilustração: Marcus Reis

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