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sábado, novembro 23, 2024

Sou mulher, sou mãe e não uma guerreira

Parece-me ser um dia perfeito para falarmos sobre um dos maiores desafios enfrentados na atualidade pelas mulheres que é a maternidade.

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Dia Internacional da Mulher

Olá, minhas queridas leitoras, mulheres, mães, irmãs, filhas e acima de tudo, companheiras.

Hoje comemoramos o dia Internacional da Mulher, dia de muitas receberem flores, quem sabe um belo presente, um jantar e muitas mensagens. Parece-me ser um dia perfeito para falarmos sobre um dos maiores desafios enfrentados na atualidade pelas mulheres que é a maternidade.

O aumento de famílias monoparentais, de casais compostos do mesmo sexo e um enfraquecimento do patriarcado (não o desaparecimento), baseado na clássica ideia de que o homem nasceu para ser provedor e a mulher cuidadora, vem sofrendo alterações, quando analisamos o crescente número de mulheres trabalhando fora do domicílio, investindo em sua ascensão profissional e até postergando a maternidade.

Anterior a este problema, a baixa escolaridade em uma parcela significativa das mulheres tem impactado de forma negativa na vida delas, que ficam impossibilitadas de conseguir empregos melhores, sobrando-lhes trabalhos mal remunerados, a exemplo do trabalho doméstico que quase sempre vem acompanhado de cuidadores, seja de crianças e/ou idosos.

A satisfação profissional se apresenta de forma bem diferenciada para o homem e para a mulher quando analisamos a divisão de papéis no âmbito familiar. Para o homem, um emprego que lhe ofereça reconhecimento profissional e bom salário acaba que sendo satisfatoriamente bom, ao contrário que para a mulher, sua vida profissional precisa andar alinhada entre mercado de trabalho e família.

Algumas situações vivenciadas pelas mulheres ao longo da história acabaram por se tornar reivindicações em 1986 e 1987, com a elaboração da Constituição Federal de 1988. Questões abordadas como o planejamento familiar, criação de creches, igualdade entre homens e mulheres especificamente no âmbito familiar (art.226, § 5º) e o reconhecimento da união estável como entidade familiar (art. 226, §3º) do qual foi regulamentado pelas Lei Nº 8.971, de 29 de dezembro de 1994 e Nº 9.278, de 10 de maio de 1996, impulsionaram as mulheres a tentar redefinir seus papéis no contexto familiar. Porém, é importante salientar que de todos os espaços institucionais onde a desigualdade de gênero tem sido mais difícil de se combater, a família ainda tem sido o principal espaço de produção e reprodução de relações desiguais de poder.

Essa desigualdade é bem explícita em famílias onde as mulheres exercem o difícil papel de cuidadoras e responsáveis pelo cuidado e desenvolvimento de outro, que na maioria das vezes, é totalmente dependente de uma mulher, a exemplo da mãe, avó, tia e irmã. Uma pesquisa realizada em 2015, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelou que das 10,3 milhões de crianças brasileiras com idade menor de 4 anos, 83,6% (8,6 milhões) tinham como primeira responsável uma mulher (mãe, mãe de criação, madrasta).

Historicamente, a figura feminina sempre esteve ligada ao papel de cuidar, a de oferecer afeto, proteção e dedicação aos membros de seu grupo familiar. Há uma predominância do sexo feminino no papel de cuidadora, esse papel social culturalmente atribuído à mulher, do qual é desenvolvido no âmbito doméstico ou não, a exemplo do ambiente hospitalar, tem colocado a mulher em uma condição de subalternidade muito pior em pleno século XXI.

Um estudo realizado pelo Serviço de Genética Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, onde 25 mães foram entrevistas pelo Aconselhamento Genético da FMRP – USP, demonstrou que com relação as questões de saúde e a função de ‘cuidar’ da criança, quase sempre são as mães as responsáveis. Em Manaus, a luta de mulheres/mães de crianças neuroatípicas (crianças que apresentam alterações no funcionamento cognitivo, comportamental, neurológico e/ou neuro atômico), tem crescido e se organizado em busca por melhores tratamentos terapêuticos para seus filhos.

A capital amazonense não oferece um centro público de tratamento ao autista, já ofertado em outros municípios, a exemplo da cidade de Uberlândia-MG. Também não possui sequer um centro de atendimento especializado ao tratamento de crianças com Epilepsia, que a meu ver, temos condições de nos tornarmos referência na área e evitar gastos excessivos com o TFD (Tratamento Fora Domicílio).

Vocês devem estar se perguntando por que estou aqui a escrever sobre as crianças com deficiência ao invés de apenas ter elaborado um texto parabenizando às mulheres, não é? Pois bem, essa predominância do cuidado por parte do sujeito feminino, acúmulo de responsabilidades e decisões, tem causado na mulher um sofrimento desmedido. Essas angústias somadas a um processo chamado de luto antecipatório têm ocasionado também na vida das mulheres cuidadoras, tensão, desorganização das relações interpessoais, problemas de saúde física e psicológica como transtornos, síndrome de ansiedade e depressão.

Boa parte das famílias, ainda que as mulheres possuam um companheiro, quase sempre a responsabilidade do cuidado com a criança com deficiência fica a cargo da mãe. Muitas delas não contam com uma rede de apoio eficiente que possa lhe oferecer apoio e até uma ajuda durante os cuidados com seus filhos. A romantização da maternidade atípica ou típica tem sobrecarregado cada dia mais as mulheres, e temos presenciado um crescente número do adoecimento feminino na atualidade.

Esse arsenal de desafios enfrentados pelas mulheres no século XXI em decorrência da sua condição de ser mãe não é uma luta recente. Antes nossa bandeira de luta era por creches, hoje estamos a lutar por uma sociedade inclusiva de fato e de direito para os nossos filhos porque para uma mãe voltar a se enxergar enquanto sujeito de direto, ela primeiramente precisa garantir, através de suas reivindicações, os direitos de seus filhos.

Penso que o momento seja bastante oportuno para refletirmos sobre a condição da mulher, da mãe e cuidadora em nossa sociedade atual. Não há presente melhor para presentear uma mulher do que lhe oferecendo melhores condições de vida, seja no âmbito familiar, seja pelo poder público com ofertas de políticas públicas e redes de apoio, seja diante da sociedade que ainda enxerga uma mãe como a guerreira e a escolhida, mas não consegue compreender a dimensão das verdadeiras batalhas internas que elas enfrentam todos os dias ao terem que estarem de pé, não somente por elas, mas pelos os seus filhos.

Não consigo pensar em uma sociedade justa e igualitária com a prevalência desse patriarcado na maioria dos lares, quando o assunto é CUIDADO com o outro, do qual sobrecarrega somente as mulheres. Então hoje, eu deixo aqui o meu mais profundo respeito e admiração à todas as mulheres/mães típicas e atípicas CUIDADORAS do meu estado do Amazonas. Que tenhamos todas um dia de abraços, presentes recebidos, mas acima de tudo, RESPEITO.

 


Michelle Vale,

Assistente social, mestra em Sociedade e Cultura na Amazônia (UFAM), especialização em Antropologia Social, pós-graduanda em Direito à Saúde, membro do Laboratório de Estudos de Gênero da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

 

 

 

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