O Ministério Público Federal (MPF) realizou inspeção na região de Mamoriá Grande, no rio Mamoriá e no Igarapé São Benedito, afluentes do Rio Purus, no município de Lábrea (AM), área que registra a presença de indígenas em isolamento voluntário. Durante a visita, o procurador da República Daniel Luis Dalberto, responsável pelo Ofício de Povos Indígenas em Isolamento Voluntário e de Recente Contato e coordenador do Grupo de Trabalho Comunidades Tradicionais da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (6CCR), verificou em diligências de campo os vestígios e a situação dos povos isolados e as circunstâncias do entorno do território.
O procurador também participou de treinamento feito pela Frente de Proteção Etnoambiental Madeira Purus e de reuniões com indígenas da etnia Apurinã, ribeirinhos da Reserva Extrativista (Resex) Médio Purus e representantes de órgãos públicos, organizações indígenas e da sociedade civil. O objetivo foi discutir estratégias de proteção dos direitos dos indígenas em isolamento e das demais comunidades tradicionais que vivem no local. As atividades aconteceram entre os dias 3 e 8 de fevereiro.
Participaram dos debates integrantes do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), da Federação das Organizações e Comunidades Indígenas do Médio Purus (Focimp), do Observatório dos Povos Indígenas em Isolamento (OPI) e da organização não-governamental Survival International.
O trabalho incluiu exposições teóricas, debates e expedições de monitoramento em campo, quando foi possível constatar indícios da presença de povos isolados. “Constatamos sinais e vestígios materiais que indicam a existência de indígenas vivendo em isolamento na área recém interditada. Esses vestígios revelam seus movimentos pelos territórios, sua cultura, tamanho do grupo, dentre outras informações relevantes. Também percebemos que há grandes riscos aos isolados decorrentes do trânsito de outras pessoas nos mesmos locais,”, explica Daniel Dalberto.
Logo após a inspeção, no dia 12 de fevereiro, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) noticiou que um indígena isolado fez contato voluntário com equipes nas proximidades da Base de Proteção Etnoambiental (Bape) Mamoriá Grande.
Atuação – O MPF acompanha de perto a situação da área. Em novembro de 2024, baseado em trabalhos realizados pela Frente Etnoambiental Madeira Purus, o órgão recomendou à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) a interdição de polígono no Mamoriá Grande em razão da presença de povos isolados. Em seguida, a Fundação publicou, em dezembro de 2024, a portaria de restrição de uso referente ao local. Prevista no Decreto n° 1.775/96, a medida tem o objetivo de salvaguardar a vida desses povos, extremamente vulneráveis a pressões externas e aos impactos ambientais, até que os territórios possam ser identificados, reconhecidos e demarcados.
Além de abrigar indígenas em isolamento, a área de Mamoriá Grande apresenta parte em sobreposição com a Resex Médio Purus. Ao longo da inspeção, o procurador do MPF participou de uma série de diálogos com os participantes do encontro sobre os desafios e as complexidades postas diante da nova situação e sobre as formas de proteger as populações tradicionais que vivem na área, que passa por pressões sobre os recursos naturais, com caça e pesca ilegais e predatórias.
Indígenas em isolamento – Desde a Constituição de 1988, o Brasil adota oficialmente o não contato como princípio norteador da política de proteção aos povos indígenas em situação de isolamento voluntário. A ideia é garantir o direito originário ao território sem infringir o princípio da autodeterminação desses povos, que optam por não manter relações permanentes com as sociedades nacionais, com pouca ou nenhuma frequência de interação, seja com não-índios, seja com outros povos indígenas. Atualmente, a Funai contabiliza cerca de 114 registros da presença de indígenas isolados em toda a Amazônia Legal.
As áreas habitadas pelos povos em isolamento precisam ser protegidas porque a presença de invasores no local pode representar grave ameaça à vida e à própria existência desses grupos, dadas suas vulnerabilidades frente a nossa sociedade, principalmente sob o aspecto epidemiológico (doenças). Nesse sentido, sempre que há registro da presença de indígenas isolados, incide o princípio da precaução, com a adoção da medida administrativa cautelar da restrição de uso da área prevista na legislação.
Treinamento – Durante a inspeção, o procurador da República participou do “Curso de Campo: Monitoramento e Análise de Vestígios em Territórios de Povos Indígenas Isolados”, promovido pela Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatados e pela Coordenação da Frente de Proteção Etnoambiental Purus da Funai. Com imersão em campo e atividades práticas, o treinamento buscou capacitar profissionais para coordenar expedições de localização e monitoramento dos territórios dos povos indígenas isolados e atuar em defesa dessas populações e apresentar a todos os desafios de tal tipo de atividade.
Os participantes também se aprofundarem nos diversos aspectos técnicos e teóricos diretamente relacionados ao método do não-contato. “A FPE Madeira Purus da Funai faz um trabalho técnico, consistente e merecedor de elogios, no entanto, o respeito aos direitos dos povos que vivem em isolamento no Mamoriá Grande depende da compreensão, da colaboração e é da responsabilidade de todos os envolvidos”, salientou o procurador.
*Com informações do MPF
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