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sexta-feira, novembro 1, 2024

Resistir para Celebrar: Dia Internacional dos Povos Indígenas

É imprescindível que toda a sociedade não indígena conheça a realidade dos povos originários, para que possa estabelecer uma consciência de interculturalidade e respeito. Somente isso pode assegurar o futuro da nossa existência

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9 de agosto é considerado o dia Internacional dos Povos Indígenas. A data foi instituída pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), em 23 de dezembro de 1994. Entretanto, a primeira celebração ocorreu apenas em 9 de agosto de 1995, quando foi inaugurada a primeira década internacional dos povos indígenas (1995-2004).

Alguns Marcos Legais

Durante as comemorações da segunda década internacional dos povos indígenas,
em 2007, foi homologada a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos
Indígenas, da qual ressaltam-se os seguintes pontos: i) a inserção dos indígenas na
Declaração Internacional dos Direitos Humanos; ii) o direito à autodeterminação, de
caráter legítimo perante todas as entidades internacionais; iii) a proibição da remoção
dos indígenas de seus territórios de modo compulsório; iv) o direito à utilização,
educação e divulgação de suas línguas maternas; v) o direito de exercer suas crenças
espirituais com liberdade; vi) a garantia e preservação da integridade física e cultural
dos povos originários; e vii) o auxílio do Estado às comunidades indígenas a fim de
assegurar seus direitos básicos.

Ainda no âmbito do direito internacional, destaca-se a relevância da Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais, promulgada em 7 de junho de 1989, durante a 76ª sessão da Conferência Geral da OIT, em Genebra. A Convenção 169 trouxe importantes avanços no reconhecimento dos direitos indígenas coletivos, com aspectos relevantes sobre direitos econômicos, sociais e culturais. No caput da Convenção 169, destaca-se que: “os povos indígenas têm o direito coletivo de viver em liberdade, paz e segurança, como povos distintos, e não deverão ser submetidos a qualquer ato de genocídio ou a qualquer outro ato de violência”. Em seu Artigo 6º, a Convenção 169 enfatiza que os governos deverão consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente. Os Artigos 14 e 15 ressaltam ainda o direito de consulta prévia e a participação dos povos indígenas no uso, na gestão e na conservação de seus territórios tradicionais.

Hoje, estima-se que existam mais de 300 milhões de povos indígenas, originários
ou autóctones vivendo em todas as partes dos cinco continentes, em todo o planeta1.
No Brasil, o dia 19 de abril foi adotado para celebrar a cultura dos povos
originários que vivem no país, como resultado de debates realizados no Primeiro
Congresso Indigenista Interamericano em 1940, no México. A data alusiva foi
oficializada por meio de um decreto do presidente Getúlio Vargas, em 1943.

A Constituição Federal de 1988 – também conhecida como Constituição Cidadã
– foi um marco jurídico-institucional transformador para as sociedades indígenas, na
medida em que adotou uma visão pluriétnica e multicultural2. Na vanguarda da
abertura política do país, a Constituição Cidadã garantiu o direito original às terras
tradicionalmente ocupadas, reconheceu a capacidade civil dos indígenas, suas
instituições, e buscou proteger e valorizar as diferenças e especificidades dos povos
originários. Destacam-se o Capítulo II, da União, Art. 20, item XI, que considera as terras
tradicionalmente ocupadas pelos índios como bens da União, e o Capítulo VIII, dos
Índios, Art. 231 que reconhece aos índios sua organização social, costumes, línguas,
crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente
ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

No último dia 19 de abril de 2021, em resposta aos anseios dos povos indígenas
que vivem no Brasil contemporâneo, a Deputada Federal Joênia Wapichana protocolou
na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 5.466/19, que altera a denominação da data
comemorativa, hoje chamada de Dia do Índio para “Dia da resistência dos povos indígenas”. Segundo a Deputada, o objetivo do projeto de lei é atualizar o significado da data e valorizar o coletivo e não apenas o indivíduo. Destacou ainda que os povos indígenas têm utilizado esta data para se manifestar sobre suas demandas e sobre a situação dos territórios indígenas e suas comunidades.

Paradoxalmente, no momento em que vivemos uma escalada de violações aos
direitos humanos, cercada de ameaças à política indigenista, os povos indígenas por
intermédio de suas lideranças e associações de base consolidam seu protagonismo nas
lutas históricas e contemporâneas.

Além das conquistas e avanços obtidos por intermédio de muita luta e
resistência, parcerias com diversas ONG ambientalistas e provenientes de movimentos
sociais de base, apoiadas em ações orientadas pelo Ministério Público Federal, com apoio
de organismos bilaterais internacionais, tem reforçado a atuação do movimento indígena
no Brasil e fortalecido a elaboração de projetos de etnodesenvolvimento, com
protagonismo marcante das comunidades, em diversas parte do país.

Para concluir, em 2019 foi declarado pela Assembleia Geral das Nações Unidas o
Ano Internacional das Línguas Indígenas. A finalidade foi chamar a atenção da sociedade
global para a urgente necessidade de preservar, revitalizar e promover as línguas
indígenas e/ou nativas, mantendo viva a cultura de milhões de povos presentes hoje no
Brasil e no Mundo. Por fim, para celebrar o dia internacional dos povos indígenas,
lembramos que a maior riqueza de nosso país está na sociodiversidade étnica e cultural
que formam o povo brasileiro.

Fonte: texto publicado por Paulo Cesar Basta é médico e doutor em saúde pública. É pesquisador titular no Departamento de Endemias Samuel Pessoa da ENSP. Coordena e desenvolve pesquisas que se dedicam à saúde, aos direitos e à promoção da cultura dos povos indígenas no Brasil há mais de 20 anos.

Da redação

Foto: Divulgação / Ilustração: Marcus Reis

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