O ministro da Educação, Milton Ribeiro, afirmou em reunião com prefeitos que repassa verbas para municípios indicados por dois pastores, a pedido do presidente Jair Bolsonaro. O áudio da reunião foi obtido pelo jornal “Folha de S.Paulo”, que revelou o conteúdo da fala de Ribeiro em reportagem no site publicada na noite desta segunda-feira, 21/3.
Os pastores a que o ministro se refere no áudio são Gilmar Santos e Arilton Moura. Eles não têm cargo no governo, mas participaram de várias reuniões com autoridades nos últimos anos. Gilmar Santos é presidente da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil Cristo Para Todos (Conimadb). Arilton Moura também é da Assembleia de Deus.
“Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do [pastor] Gilmar”, disse o ministro, segundo o áudio revelado pelo jornal. Além dos prefeitos, estavam na reunião também os dois pastores.
“Porque a minha prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam e, segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar”, complementou Ribeiro.
Em determinado ponto da reunião, o ministro diz ainda que há uma contrapartida para esses repasses, mas não dá detalhes sobre isso.
“Então, o apoio que a gente pede não é segredo. Isso pode ser [inaudível] é apoio sobre construção das igrejas”, disse.
Apuração – Nesta terça-feira, 22/3, diversos parlamentares acionaram hoje órgãos de controle público após as recentes denúncias envolvendo a gestão de Milton Ribeiro no MEC.
A minoria da Câmara dos Deputados protocolou no Supremo Tribunal Federal (STF) uma notícia-crime contra o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ministro. O senador Fabiano Contarato (PT-ES) também entrou com uma notícia-crime no Supremo, mas apenas contra Ribeiro.
O senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), os deputados federais Tabata Amaral (PSB-SP) e Felipe Rigoni (União Brasil-ES) e o secretário municipal de Educação do Rio de Janeiro, Renan Ferreirinha (PSD-RJ), entraram com representação na PGR (Procuradoria-Geral da República) contra o ministro por improbidade administrativa.
Já a bancada do PSOL na Câmara foi ao TCU (Tribunal de Contas da União) e ao MPF (Ministério Público Federal) contra Bolsonaro, Ribeiro e pastores envolvidas em denúncias dos jornais Folha de S. Paulo e O Estado de São Paulo.
“Infelizmente, não é de hoje que o governo federal foi transformado num espaço que não há debate do interesse público. O que ocorre é a partilha do orçamento e das ações governamentais entre os amigos do presidente da República e de seus apoiadores”, afirmou o líder da minoria na Câmara, deputado Alencar Braga (PT-SP), na notícia crime enviada ao STF.
PGR – Na representação feita à PGR, Alessandro Vieira, Tabata Amaral, Felipe Rigoni e Renan Ferreirinha alegam que o ministro da Educação tem permitido a viagem de grupo de pastores em aviões da FAB (Força Aérea Brasileira). Eles também assinalam a participação dos religiosos em reuniões internas do MEC.
“Cabe ao Ministério Público investigar se efetivamente ocorreram transferências desses recursos destinados à Educação para atender demandas privadas dos pastores e do presidente da República… Soma-se, ainda, a suspeita de uso das dependências do MEC, recursos da instituição, e mobilização de equipes para atender demandas de pastores e igrejas evangélicas ao redor do país, intermediando relações promíscuas com prefeitos de municípios aliados ao presidente da República”, afirmaram Vieira, Tabata, Rigoni e Ferreirinha no documento enviado à PGR.
STF – Na denúncia feita ao STF, Fabiano Contarato pede para o Supremo acionar o procurador-geral da República, Augusto Aras, na abertura de um inquérito investigativo contra o ministro por eventual crime, além de possível ação civil pública por improbidade administrativa. O senador também pede para que Aras autorize depoimentos de todos os envolvidos, incluindo o próprio Ribeiro, Bolsonaro e os pastores.
“Resta claro que o ministro da Educação, ao conceder liberação célere de recursos, priorizando atender ‘a todos que são amigos do pastor Gilmar’, patrocina ou apadrinha diretamente interesse privado perante a administração pública, valendo-se para isso da sua qualidade de funcionário público, o que configura crime de advocacia administrativa”, afirma Contarato, no documento enviado ao STF.
MPF e TCU – Na representação que fez no TCU e na Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do MPF (Ministério Público Federal), a bancada do PSOL na Câmara pede investigação sobre supostos crimes de responsabilidade e improbidade administrativa praticado por Bolsonaro, Ribeiro e os pastores envolvidos.
“A troco de que esses dois pastores, que não têm cargo no governo federal e não ocupam função pública, estariam legitimados pelo presidente Bolsonaro como interlocutores de prefeitos junto ao gabinete do ministro da Educação, que também é chefiado por um pastor? Temos o direito de saber qual a verdadeira história por trás desse trânsito livre e incidência direta em dinheiro público. O ‘gabinete paralelo da Educação’, criado pelo governo Bolsonaro, afeta diretamente a distribuição dos recursos do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação)”, declara a líder do PSOL na Câmara, deputada Samia Bomfim (SP).
Defesa – Em nota divulgada à imprensa, Milton Ribeiro confirmou o encontro com o pastor citado em áudio, mas isentou Bolsonaro de possíveis responsabilidades, apesar de tê-lo citado anteriormente.
Confira a nota:
Diferentemente do que foi veiculado, a alocação de recursos federais ocorre seguindo a legislação orçamentária, bem como os critérios técnicos do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE), não há nenhuma possibilidade de o ministro determinar alocação de recursos para favorecer ou desfavorecer qualquer município ou estado.
Registro ainda que o Presidente da República não pediu atendimento preferencial a ninguém, solicitou apenas que pudesse receber todos que nos procurassem, inclusive as pessoas citadas na reportagem. Da mesma forma, recebo pleitos intermediados por parlamentares, governadores, prefeitos, universidades, associações públicas e privadas.
Todos os pedidos são encaminhados para avaliação das respectivas áreas técnicas, de acordo com legislação e baseada nos princípios da legalidade e impessoalidade.
Desde fevereiro de 2021, foram atendidos in loco 1.837 municípios em todas as regiões do País, em reuniões eminentemente técnicas organizadas por parlamentares e gestores locais, registradas na agenda pública do Ministério, estabelecendo relação direta entre o MEC e os entes federados. Os atendimentos técnicos, conduzidos por servidores da autarquia, permitem esclarecimento dos procedimentos para planejamento e acesso aos recursos disponibilizados via FNDE, por meio do Plano de Ações Articuladas (PAR 4).
Seguindo os princípios de transparência, integridade e governança, obedecendo orientação dos Órgãos de Controle Federais (CGU e TCU), esta gestão apresentou o Painel de Investimentos, buscando o aperfeiçoamento da gestão dos recursos públicos, pois muitos prefeitos ainda desconhecem sua carteira de projetos e quais recursos estão disponíveis em suas contas. O Painel está disponível a qualquer cidadão que deseja acompanhar os recursos de seu município.
Independente de minha formação religiosa, que é de conhecimento de todos, reafirmo meu compromisso com a laicidade do Estado, compromisso esse firmado por ocasião do meu discurso de posse à frente do Ministério da Educação. Ressalto que não há qualquer hipótese e nenhuma previsão orçamentária que possibilite a alocação de recursos para igrejas de qualquer denominação religiosa.
Por fim, reafirmo o meu compromisso republicano de exercer as atribuições desta Pasta em prol do Interesse Público e do futuro da Educação do Brasil.
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Da Redação com informações do UOL e G1
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