O temor de uma terceira onda de Covid-19 assusta a população e há meses acendeu o alerta na comunidade científica nacional e internacional. Pesquisadores seguem às voltas para identificar novas variantes e tentar se manter um passo à frente do que elas podem representar para a vida e a saúde da população.
Recentemente, os órgãos de saúde no Amazonas registraram o primeiro caso da variante do coronavírus B.1.1.7, em Manaus. A análise foi feita pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), sob a orientação do pesquisador Felipe Naveca, vice-diretor de pesquisa da Fiocruz Amazônia.
Em entrevista ao Portal O Convergente, o pesquisador detalhou um pouco mais sobre a nova variante e alertou quanto aos cuidados necessários para que o Estado não enfrente, de fato, uma terceira onda da Covid-19.
Naveca reforçou a importância da ciência e das pesquisas capitaneadas pela Fiocruz, como a recente publicação feita pela Nature Medicina, uma das maiores revistas científicas do mundo, e que ressalta o estudo feito acerca da variante P.1, identificada em Manaus no final de 2020.
Publicação – As investigações e o estudo feito em torno da variante P.1 foram publicados, recentemente, na revista científica Nature Medicine, uma das mais conceituadas do mundo. Conforme a publicação, os pesquisadores concluíram que o crescimento no número de casos de Covid-19 no Amazonas, e as sucessivas substituições de linhagens do SARS-CoV-2, foram impulsionadas por uma combinação de fatores, entre eles a diminuição das medidas de distanciamento social e pelo surgimento da forma mais transmissível do vírus, que foi a variante P.1.
“Ela é uma revista respeitadíssima e é muito difícil publicar um dado, uma pesquisa como essa. É um reconhecimento muito grande, não só para o nosso grupo, mas como para a ciência brasileira, para os pesquisadores do Amazonas e para o pesquisador brasileiro de uma maneira geral. Saber que a gente conseguiu fazer um trabalho e ele ser aceito numa revista desse porte, sendo 100% feito no Brasil nos dá muito orgulho”, comemorou o pesquisador.
Terceira onda – A pesquisa apontou que a P.1 foi a responsável por causar um aumento exponencial da doença, o que estabeleceu a segunda onda da epidemia de Covid-19 no Estado Amazonas, principalmente pelo cenário em a variante do vírus foi identificada.
“Tínhamos passado pelas eleições, onde sabemos que teve aglomeração. A chegada do inverno amazônico com maior umidade, que a gente sabe que aumenta a transmissão de vírus respiratórios e o Natal e Ano Novo, por ser um período em que as pessoas se reúnem mais. Então, certamente a P.1 foi um dos pontos, talvez, o mais importante, mas a combinação desses fatores todos, com a disseminação dessa variante mais transmissível, causou o que a gente viu que aconteceu”, explicou o pesquisador.
Mesmo com cenários diferentes nesses primeiros meses de 2021, uma terceira onda da doença não é descartada pelos pesquisadores e pode ocorrer em função da diminuição dos cuidados da população com a transmissão do vírus.
“Isso realmente é o que pode levar a nós termos uma terceira onda. Se nós pensarmos que a vacinação ainda não atingiu os níveis necessários para promover uma proteção coletiva, o risco vai existir. A gente tem pessoas que não foram infectadas, nós sabemos que algumas variantes, como a P.1 podem causar casos de reinfecção. Então, é extremamente importante que as pessoas entendam que nós não vencemos essa guerra ainda. Nós não podemos dar chance para o vírus voltar a causar o colapso que causou no Amazonas”, alertou Naveca, reforçando a importância dos cuidados como o uso da máscara, o distanciamento social e a higienização das mãos.
Nova variante – O primeiro caso da variante do coronavírus identificada no Reino Unido e conhecida como B.1.1.7, foi detectado no Amazonas no dia 13 de maio. O caso, analisado pela Fiocruz e a Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS), foi em um paciente atendido na rede pública de saúde de Manaus, mas que era de São Paulo e estava na cidade a trabalho.
Sobre a nova variante, o pesquisador da Fiocruz afirmou que devido à alta complexidade da mesma, a detecção dela precisa ser notificada imediatamente às autoridades de vigilância em saúde. “O trabalho de vigilância genômica feito na Fiocruz é algo preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), para que a gente possa entender o que está acontecendo com a evolução e a epidemiologia do vírus, ou seja, identificar as linhagens de maneira mais precoce, identificar alguma que esteja relacionada com o aumento de casos, como foi a P.1, por exemplo”, explicou.
Segundo Naveca, a variante B.1.1.7, identificada inicialmente no Reino Unido, juntamente com a B.1.3.5.1, identificada na África do Sul, e a P.1 são as três variantes de maior preocupação atualmente no Brasil.
Números – Desde o registro do primeiro caso da doença no Amazonas, em março de 2020, mais de 380 mil pessoas foram diagnosticadas com a Covid-19 em todo o Estado. Pelos números divulgados no site da Fundação de Vigilância em Saúde (FVS), até o dia 27 de maio, a maior parte dos casos foram registrados em Manaus.
Assim como o número de diagnósticos, a capital do Estado também foi a maior no registro de mortes em consequência da doença. Dos quase 13 mil óbitos registrados, 8.963 foram em Manaus.
No interior, onde a deficiência na estrutura para atender os pacientes de coronavirus ficou escancarada na pandemia, principalmente no ápice da crise do oxigênio no Amazonas, em janeiro deste ano, quatro municípios lideraram o número de mortes.
Entre eles estão: Parintins, com 351 óbitos registrados; Manacapuru com 336; Itacoatiara com 306 e Coari com 224 mortes em consequência da doença. Em muitos casos, a falta de vagas em hospitais de Manaus, para onde muitos pacientes precisaram ser transferidos, pode ter acelerado a morte.
Em termos de registros da doença, quatro dos cinco municípios, incluindo Manaus, aparecem entre os cinco com o maior número de casos de casos da doença. A capital ocupa o primeiro lugar nesse ranking, com mais de 176 mil casos, seguida de Parintins com 9. 9862, Coari com 9.328, Tefé com 9.241 casos e Itacoatiara com 8.804. Manacapuru ocupa o sexto lugar, com um total de 8.467 registros da doença.
Apesar dos números crescentes de vítimas da Covid-19 em todo o Estado, somente a capital Manaus possui leitos de UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) com capacidade para tratar pacientes de moderado a grave. E ainda assim, com números insuficientes de leitos para a demanda de pacientes que necessitam de atenção mais específica para esse tipo de atendimento.
Dos 62 municípios do Estado, além de Manaus, somente o município de Parintins deve ter estrutura de UTI preparada e apta a atender a população na ocorrência de uma temida 3ª onda da doença no Amazonas.
Subnotificações – Os números podem ser ainda maiores. Isso porque segundo o estudo “Excesso de mortes durante a pandemia de Covid-19: subnotificação e desigualdades regionais no Brasil”, feito por pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) a elevada porcentagem de mortes excedentes, de mortes não explicadas diretamente pela Covid-19 e de mortes fora do hospital “sugerem alta subnotificação de mortes por Covid-19 e reforça a extensa dispersão do Sars-CoV-2, como também a necessidade da revisão de todas as causas de mortes associadas a sintomas respiratórios pelos serviços de vigilância epidemiológica”.
A pesquisa analisou dados de vários órgãos de saúde, registrados em 2020, e identificou problemas em vários estados sendo o excesso de mortes não explicado diretamente pela Covid-19 e de mortes em domicílios mais alto, especialmente em Manaus.
Veja os principais fatos ocorridos no Estado desde o início da pandemia:
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Por Izabel Guedes
Fotos: Divulgação / Ilustração: Marcus Reis