25.3 C
Manaus
quinta-feira, maio 22, 2025

“Parece Idade Média”: Psicóloga alerta após vereador associar transtornos mentais a ‘domínio sobrenatural’

Na sessão da CMM, o vereador Roberto Sabino insinuou que pessoas com transtornos mentais podem estar sob 'domínio sobrenatural

Por

Durante a sessão plenária da Câmara Municipal de Manaus (CMM) desta semana, o vereador Roberto Sabino (Republicanos) comentou um caso envolvendo uma pessoa com transtornos mentais na cidade. Segundo ele, pessoas diagnosticadas com transtornos mentais estariam “sob domínio do sobrenatural” e precisariam ser evangelizadas para “serem livres” e “amar o próximo”.

O comentário do vereador foi feito durante o discurso do vereador Raiff Mattos (PL), que exibiu um caso em que um homem – aparentemente em situação de rua e com transtornos mentais – empurrou uma idosa em frente a um carro, o que levou ao falecimento da vítima.

Ao se pronunciar sobre o ocorrido, Roberto Sabino chamou atenção para o lado espiritual do debate e afirmou que o vídeo mostra uma pessoa que, de acordo com ele, seria uma ‘escrava do mundo sobrenatural’.

“Nós não queremos misturar, mas faz parte da nossa vida, esse lado espiritual. Nós podemos observar naquele vídeo: aquela pessoa que empurrou aquela senhora é escrava desse lado do mundo sobrenatural. […] Sei que aqui não estamos no local adequado, mas me traz a visão de que o poder público tem que investir nas denominações, seja ela qual seja, mas que esteja disposta a fazer um trabalho para ganhar essas pessoas e levar, digamos, o evangelho”, afirmou o vereador.

O vereador ainda afirmou que o poder público deve auxiliar o “trabalho de evangelização” para pessoas que apresentam esse tipo de quadro. Segundo ele, esse tipo de trabalho ajudaria a deixar a pessoa ‘livre’.

“Sabemos que aquela pessoa que empurrou aquela senhora, porque está – digamos – ‘dominada pelo sobrenatural’ e que faz só o mal, ela está só para fazer o mal. Precisamos discutir esse assunto de forma ampla para que o poder público, tanto o governo e prefeitura, também enxergue quem está fazendo esse trabalho de evangelização, de pregar para que aquela pessoa seja livre e venha a amar o seu próximo”, pontuou.

Fala preocupante

Após a repercussão negativa da fala do vereador Roberto Sabino nas redes sociais, a psicóloga Katherine Benevides repudiou os comentários do parlamentar e apontou que o posicionamento dele, quanto agente público, é preocupante.

“Algumas das afirmações desse vereador são muito preocupantes para quem trabalha com saúde mental, porque, em uma das falas, ele dá a entender que a pessoa que tem um transtorno mental é escrava de um mundo sobrenatural, aparentemente a serviço do mal, e que o poder público também deveria investir mais em denominações religiosas, sejam elas quais forem, para ganhar essas pessoas, para pregar o evangelho para essas pessoas. E isso pode acarretar um número bem grande de consequências negativas para a saúde mental. A gente tem, primeiro — que é o que mais se luta hoje — que acabar com essa estigmatização, esse preconceito. Até essa fala reforça muito essa questão do estigma dos transtornos mentais, associando a algo”, iniciou a profissional.

À reportagem de O Convergente, a profissional comentou que, antigamente, problemas psicológicos eram associados à “possessão” e que a fala do vereador de Manaus pode trazer esse debate à tona novamente.

“Isso já foi derrubado há muitas, muitas e muitas décadas, que é essa associação, associar o transtorno mental à questão de possessão, de coisas sobrenaturais, que isso está possuído, que isso é coisa do diabo, essa coisa toda. Então, isso pode aumentar muito mais essa questão de discriminação e de isolamento que essas pessoas muitas vezes já enfrentam por inúmeras ignorâncias […]. Uma fala vindo dessa de uma pessoa que tem justamente que trabalhar um processo que é inverso, não trabalhar e se pautar de cima de conceitos completamente ultrapassados”, afirmou.

Sobre o posicionamento do vereador Roberto Sabino, a psicóloga afirmou que, além de preocupante, pode ocasionar em uma percepção pública errada sobre o tratamento de pessoas com quadro de transtornos mentais, por exemplo.

“Um político dizendo isso, dependendo do grau de conhecimento que as pessoas tenham, essas ideias podem alterar a percepção pública sobre transtornos mentais. Acho essa fala muito preocupante, precisa ter desmitificada e derrubada! Vai dificultar mais ainda a aceitação das pessoas de que elas precisam de ajuda profissional”, alegou.

Aumento da discriminação

Para a reportagem, a psicóloga Katherine Benevides ainda reforçou que comentários como o do vereador Roberto Sabino podem colocar em dúvida o foco em tratamentos adequados para pessoas com transtornos mentais.

“Isso pode aumentar muito mais a discriminação e o isolamento que é enfrentado por essas pessoas. Como consequência, isso traz uma maior barreira em relação ao tratamento, porque se é atribuído que as causas são ‘sobrenaturais’ – parece o tempo das bruxas da idade média -, é tirado o foco das abordagens que são terapêuticas e efetivas, como a terapia, psicoterapia, um acompanhamento psiquiátrico, os processos de terapia, como medicações que estão cada vez mais evoluídas […], alguns transtornos não tem cura, mas tem um tratamento adequado”, detalhou.

Ainda de acordo com a profissional, em vez de buscarem ajuda de psicólogos, as pessoas podem recorrer a outros meios para tentar se cuidar — o que pode não contribuir para a melhora do quadro. “No lugar das pessoas acharem e acreditarem que estão com algum espírito e alguma coisa, ao invés delas procurarem ajuda eficaz, baseadas em evidências científicas, elas vão procurar outro tipo de ajuda, que ao contrário, muitas vezes não ajuda, piora ainda mais”, afirmou.

Para a psicóloga Katherine Benevides, as autoridades públicas devem alocar os recursos para que a população tenha acesso à informação, além de terem acesso ao tratamento para saúde mental.

“Essa coisa de investir mais em denominações religiosas. Na verdade a função do poder público não é investir em abordagens religiosas, mas sim em alocar recursos públicos para que se tenha mais acesso a saúde mental […]. Uma fala dessa é muito séria e comprometedora, é uma fala estigmatizante e preconceituosa. Ao invés de ajudar para que, cada vez, tenhamos um avanço em relação a desmitificar tudo isso em relação a saúde mental, isso reforma ainda mais o preconceito e o estigma. Precisamos trabalhar mais em campanhas, de sensibilização, de conscientização para se quebrar isso e não ouvir um político reforçando essa fala”, destacou.

Outro lado

Com a repercussão da fala do vereador, O Convergente tentou contato com Roberto Sabino — por meio da assessoria parlamentar indicada na lista disponibilizada pela Câmara Municipal de Manaus — para que ele pudesse esclarecer seu comentário.

Até a publicação desta matéria, não houve retorno. Reforçamos que o espaço segue aberto para envio de futuras notas.

Leia mais: “Tenta expor os colegas!”: Bate-boca entre vereadores eleva tensão na sessão da CMM

Fique ligado em nossas redes

Você também pode gostar

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

spot_img

Últimos Artigos

- Publicidade -