Por Prof. MSc. Mourão Junior – Colunista do Portal Convergente
Entre chips e fantasmas
O Polo Industrial de Manaus (PIM) bateu novo recorde em 2024: R$ 204,39 bilhões de faturamento, um crescimento de 16,24% em relação ao ano anterior. No primeiro quadrimestre de 2025, a cifra já alcança R$ 93,34 bilhões — alta de 9,3% frente ao mesmo período de 2024.
Mas a curva da riqueza não se reflete na planilha dos trabalhadores. Em 2024, os gastos com salários, encargos e benefícios somaram R$ 8,63 bilhões — ou apenas 4,22% do faturamento total. Até abril de 2025, esse índice recuou ainda mais: R$ 2,39 bilhões, equivalentes a 3,21% do faturamento do quadrimestre.
A distorção está nos dados
A média salarial bruta do PIM em 2024 foi de R$ 6.498,37, mas essa média é puxada por cargos técnicos e de gestão. Nos bastidores das linhas de produção, mais de 60 mil trabalhadores recebem entre R$ 1.800 e R$ 2.800, em funções operacionais. Enquanto isso, os custos com folha pesam cada vez menos sobre o faturamento.
A Zona Franca foi criada com um propósito claro: gerar emprego e renda na Amazônia. Essa sempre foi a justificativa institucional, conforme o Decreto-Lei nº 288/1967, de promover o desenvolvimento econômico longe dos grandes centros consumidores. Mas, na prática, o discurso da eficiência tem servido para outro fim. A tecnologia avança, as fábricas se automatizam, e a digitalização vira atalho para cortar gente. O que era pra incluir, agora exclui. O que era pra empregar, agora elimina. Na lógica da Indústria 4.0, a promessa de geração de empregos dá lugar a linhas de produção que operam quase sem presença humana — máquinas que produzem tudo, menos oportunidades.
Robôs na frente, gente atrás
Os dados não mentem:
Quanto mais automatizada a fábrica, menos espaço sobra para o trabalhador. A Indústria 4.0 não é neutra — ela desloca o emprego do chão de fábrica para a nuvem de algoritmos. E o incentivo fiscal, se não vier com contrapartida social, vira combustível para a exclusão.
A produtividade voa, mas o emprego rasteja. A conta é clara: o capital cresce mais rápido do que os postos de trabalho. E o abismo se aprofunda nos subsetores mais tecnológicos. Em 2025, o eletroeletrônico lidera o faturamento com 28,15% da receita do PIM, mas emprega apenas 8,87% da mão de obra. Ou seja: o capital se multiplica onde o emprego se retrai.
– Crescimento de 14% em cinco anos, enquanto o faturamento saltou de R$ 118 bilhões em 2020 para R$ 204 bilhões em 2024 — um avanço de 73% no mesmo período.
– Mão de obra em 2025 (média até maio): 111.566 trabalhadores.
– Mão de obra total em 2020: 97.809 trabalhadores.
Gráficos :
Gráfico 1 – Evolução da Mão de Obra no PIM (2020–2025)
Gráfico 2 – Faturamento vs Mão de Obra por Subsetor (2025)
Evolução da Mão de Obra no PIM
Figura 3 – Evolução mensal da mão de obra do PIM: maio/2025 vs abril/2025 e maio/2024.

Figura 4 – Evolução da média anual da mão de obra no PIM (1988–2025).

Gráfico 5 – Faturamento no PIM por Subsetores (Jan–Mai/2025)

E agora, ZFM?
Se os Processos Produtivos Básicos (PPBs) são o coração do modelo Zona Franca, eles precisam ser reprogramados para o século XXI — mas com alma social. Num cenário dominado por algoritmos, sensores e robôs, o incentivo fiscal não pode ser usado apenas para baratear custos humanos. Na era da Indústria 4.0, é ainda mais urgente condicionar os benefícios a contrapartidas que protejam o valor do trabalho:
– Geração de empregos formais, mesmo em processos automatizados;
– Programas reais de qualificação para o novo perfil industrial;
– Compromissos com inclusão regional e diversidade produtiva;
– E, sim, valorização mínima por faixa produtiva — porque dignidade não pode ser terceirizada.
Conclusão – Quando o futuro não emprega
A Zona Franca de Manaus tem um papel importante no desenvolvimento da região Norte do país. Os incentivos fiscais existem, sim, para gerar emprego — não para financiar o desemprego travestido de inovação. A tecnologia não é inimiga do trabalho. Mas quando chega sem contrapartida social, ela vira pá na cova da inclusão.
A engrenagem do PIM precisa girar em outra rotação: uma que qualifique a mão de obra, que prepare o trabalhador para dialogar com robôs — e não ser substituído por eles. É preciso formar gente para a Indústria 4.0, e não simplesmente excluí-la dela.
A floresta em pé exige gente de pé. E não há desenvolvimento sustentável quando o humano é descartável.
A ZFM precisa de uma nova equação:
Tecnologia com propósito. Incentivo com retorno. Lucro com inclusão.
Porque não basta ter indústria. É preciso ter futuro.
E futuro que não emprega… não serve.
Por Prof. MSc. Mourão Junior – Colunista do Portal Convergente
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