25.3 C
Manaus
domingo, junho 1, 2025

Sem consenso, regulamentação do trabalho por aplicativo divide governo, empresas e trabalhadores

A questão está em análise no Congresso, que examina uma proposta elaborada pelo Executivo para regulamentar a atuação dos motoristas e sua relação com as plataformas

Por

Jornadas extenuantes, falta de proteção social e remuneração baixa, que muitas vezes não cobre o custo da corrida, fazem parte do cotidiano dos motoristas de transporte de passageiros por aplicativo. Governo, plataformas e profissionais concordam que é preciso melhorar as condições de trabalho da categoria. A definição de regras para a atividade, porém, é complexa, e não tem consenso nem mesmo entre os trabalhadores do setor.

A questão está em análise no Congresso, que examina uma proposta elaborada pelo Executivo para regulamentar a atuação dos motoristas e sua relação com as plataformas. O PLP 12/2024, atualmente na Câmara dos Deputados, tem o objetivo garantir direitos trabalhistas e previdenciários aos condutores sem interferir na autonomia deles para escolher horários e jornadas de trabalho por aplicativo.

O texto, que não inclui entregadores por aplicativo nem motociclistas, é fruto de um acordo construído por um grupo de trabalho por aplicativo criado em maio de 2023, coordenado pelo Ministério do Trabalho e com a participação de representantes dos motoristas, das empresas e do Executivo. O grupo teve o acompanhamento da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Ministério Público do Trabalho (MPT).

Segundo o governo, a ideia é assegurar direitos como remuneração mínima, aposentadoria e outros benefícios previdenciários. Pelo texto, o  motorista passa a ser enquadrado como “trabalhador autônomo por plataforma”. Não é reconhecido vínculo de emprego nos moldes da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) entre os profissionais e as empresas dos aplicativos, consideradas “intermediadoras” do serviço.

Categoria crescente

A preocupação do governo em relação à categoria se justifica pela quantidade de pessoas trabalhando em aplicativo de transporte. Uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revela que, em 2022, o Brasil contava com 1,5 milhão de pessoas atuando por meio de plataformas digitais e aplicativos de serviços. Entre os motoristas de aplicativo, menos de um quarto contribuía para a Previdência Social (veja quadro abaixo).

Os dados também apontam alto grau de dependência dos motoristas e entregadores em relação às plataformas: 97,3% e 84,3%, respectivamente, afirmaram que é o aplicativo que determina o valor a ser recebido por cada tarefa executada; para 87,2% e 85,3%, respectivamente, é o aplicativo que determina os clientes a serem atendidos.

Já uma pesquisa realizada em 2024 pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) sobre o perfil dos trabalhadores por aplicativo indica que atualmente há 2,2 milhões de pessoas atuando por meio de aplicativos de transporte. O levantamento foi encomendado pela Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), entidade que reúne as maiores plataformas em operação no país.

Segundo a Uber, que iniciou suas operações no país em 2014, cerca de 5 milhões de brasileiros geraram renda por meio da plataforma nos últimos dez anos. Hoje há 1,4 milhão de registrados, o que faz do Brasil o país com o maior número de motoristas parceiros no mundo, diz a empresa. A Uber afirmou ter repassado mais de R$ 140 bilhões a motoristas e entregadores parceiros, por mais de 11 bilhões de viagens realizadas no Brasil desde 2014.

Desacordo

Há divergências quanto ao projeto dentro da própria categoria. O presidente da Federação dos Motoristas por Aplicativos do Brasil, Paulo Xavier Junior, afirmou que a proposta não atende às necessidades de uma regulação justa. Para ele, é fundamental que a regulamentação cubra todos os custos (combustível, manutenção do veículo, celular, seguro etc) e assegure ganhos reais ao motorista.

— As plataformas são predatórias. Elas têm um algoritmo que domina todas as informações. O motorista, muitas vezes, aceita uma corrida em cinco segundos e não tem condição de fazer uma análise correta para saber se ela é viável ou não. Na maioria das vezes, faz a corrida com prejuízo. O resultado disso são carros sucateados e trabalhadores de aplicativo com problemas de saúde e financeiros. Esse PLP não tem nada que garanta ao motorista um ganho real.

Xavier destacou que os valores pagos aos motoristas devem considerar o quilômetro rodado e o tempo trabalhado, mas ressaltou que é preciso levar em conta as particularidades regionais, sem impor uma tarifa única em todo o país. Ele também criticou a participação dos sindicatos no grupo de trabalho de motoristas de aplicativo, afirmando que as associações de motoristas foram excluídas da discussão.

A federação ainda defende a aprovação de um texto alternativo ao proposto pelo governo. Segundo Xavier, o PL 536/2024, do deputado Daniel Agrobom (PL-GO), foi elaborado em parceria com motoristas de todo o país e contempla melhor as necessidades da categoria.

Pontos de alerta

O coordenador nacional de Combate às Fraudes nas Relações do Trabalho, Renan Bernardi Kalil, afirmou que o Ministério Público do Trabalho (MPT) identificou três pontos de alerta no texto apresentado pelo governo. O procurador destacou que o projeto classifica as empresas de transporte como meras intermediadoras entre clientes e motoristas, quando, na verdade, deveriam ser caracterizadas como empresas que desenvolvem uma atividade econômica relacionada ao serviço que oferecem no mercado.

— Isso é fundamental para que a gente consiga atribuir as diversas responsabilidades que elas vão ter. Estamos falando de responsabilidade tributária e responsabilidade nos campos trabalhista e do direito do consumidor. Apesar de algumas empresas se caracterizarem em alguns espaços como empresas de intermediação ou tecnologia, como elas vêm fazendo na Receita Federal para recolher uma quantidade menor de impostos, elas se registram no Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (INPI) como empresas de transporte.

Outro ponto levantado pelo MPT é a forma como o projeto caracteriza o trabalhador autônomo. O procurador pontuou que não é possível classificar os motoristas como autônomos apenas pelo fato de poderem escolher seus dias e horários de trabalho no aplicativo. Kalil ressaltou que esses trabalhadores não têm liberdade para definir os preços de suas corridas e ainda podem ser punidos ou até banidos pela plataforma.

— A gente vivencia, no dia a dia, uma série de controles que essas empresas realizam. Dizer que apenas e tão somente a possibilidade de o trabalhador poder definir o momento em que ele se conecta para definir essa atividade como autônoma é extremamente insuficiente. Mesmo os trabalhadores que gostariam de ser classificados como autônomos entendem que a forma como a atividade é realizada hoje não se caracteriza como trabalho autônomo. O que esses trabalhadores gostariam de ter é uma efetiva liberdade para desempenhar essa atividade, o que eles não encontram hoje em dia.

O procurador também expressou preocupação com um artigo do projeto que, segundo ele, impossibilita o reconhecimento da relação de emprego. Segundo Kalil, o trecho estabelece uma série de elementos que não caracterizariam meios de controle para enquadrar a relação entre motorista e plataforma como uma relação de emprego.

Empresas

A Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec) afirmou, em nota enviada à Agência Senado, que é favorável à regulação das novas formas de trabalho intermediadas por plataformas de mobilidade e entregas. A entidade, no entanto, demonstrou preocupação com os projetos substitutivos apresentados pelo relator na Câmara, deputado Augusto Coutinho (Republicanos-PE).

De acordo com a Amobitec, o novo texto promove uma intervenção excessiva na operação das plataformas, engessando a livre concorrência e introduzindo medidas que podem afetar a qualidade do serviço, além de gerar impactos negativos para todo o ecossistema de aplicativos.

“O último texto apresentado pelo relator introduz um controle de preços dos serviços prestados pelas plataformas, o que, além de inconstitucional, levará a um aumento de custos para o consumidor — abrindo um precedente negativo também para outras atividades econômicas. Além disso, o substitutivo institui regras mais onerosas e complexas para a contribuição previdenciária, criando inúmeras dificuldades para sua implementação pelas empresas.”

A associação também argumentou que o substitutivo mantém dispositivos que dificultam a atuação das empresas no combate a abusos e fraude, comprometendo a segurança de usuários. Um dos pontos criticados é a proibição de banimento de motoristas acusados de assédio, caso as vítimas optem por não registrar ocorrência policial.

Fonte: Agência Senado

Leia mais: Apesar das críticas, governo pretende retomar regulamentação de motoristas de APP

Fique ligado em nossas redes

Você também pode gostar

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

spot_img

Últimos Artigos

- Publicidade -