A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou, com 34 votos sim e 30 não, um projeto de lei complementar que autoriza os estados e o Distrito Federal a legislarem sobre posse e porte de armas de fogo para defesa pessoal, práticas desportivas e controle de espécies exóticas invasoras (PLP 108/23).
Apresentada pela presidente da CCJ, a deputada Caroline de Toni (PL-SC), a proposta ainda depende de análise do Plenário da Câmara. Pelo texto, as autorizações de porte ou posse concedidas só terão validade local e atenderão apenas a pessoas que comprovadamente residam no estado.
Avaliação do relator
O parecer do relator, deputado Delegado Paulo Bilynskyj (PL-SP), foi favorável ao projeto e ao substitutivo da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado.
A comissão inclui no texto uma condicionante para permitir que os estados legislem sobre o assunto: o estado deve instituir um sistema de controle de armas integrado ao Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp), mantido pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública.
“A Constituição Federal conferiu à União a competência privativa para legislar sobre direito penal, bem como sobre material bélico, mas verifica-se ser possível que a União delegue competência aos estados para legislar sobre questões específicas atinentes a essas matérias”, avaliou o relator.
Além disso, Bilynskyj argumenta que, por conta das peculiaridades regionais no Brasil, cada estado deve decidir sobre o acesso às armas de fogo para defesa pessoal e tiro desportivo. “Nada melhor para o estado do que cumprir a vontade de seus habitantes, mas a esquerda quer centralizar num ente único, comunista, a liberdade de defesa do indivíduo”, disse.
Voto em separado
O deputado Patrus Ananias (PT-MG) apresentou voto em separado pela inconstitucionalidade da proposta. De acordo com o parlamentar, a Constituição possibilita que os estados e o DF legislem sobre questões específicas de matéria bélica, mas não permite que afrontem a legislação federal sobre armas de fogo, o Estatuto do Desarmamento.
“Estados e DF podem complementar residualmente a legislação federal, estabelecendo procedimentos e normas para melhor aplicação da legislação em seus territórios, sem que tenham um cheque em branco para legislar de maneira diversa e/ou avançar sobre matérias que devem observar a legislação nacional”, alegou.
Conforme Patrus, caso a proposta seja aprovada pelos parlamentares, a constitucionalidade do texto será questionada no Supremo Tribunal Federal (STF). “Nós vamos entrar sim, claro, com o devido encaminhamento legal para impedir um projeto como este, manifestamente contrário à vida e a serviço da violência”, destacou.
Polêmica
A proposta causou polêmica na CCJ, e mais de 20 deputados discutiram a questão por quase quatro horas. Os apoiadores do texto defenderam o direito dos cidadãos de portarem armas de fogo para defesa pessoal, enquanto os críticos argumentaram que mais armas de fogo circulando na sociedade aumentam a violência em vez de ajudarem na segurança da população.
“O projeto simplesmente dá o direito a cada cidadão responsável, de bem, a estar, sim, armado para defender não só a sua vida, a da sua família, o seu patrimônio, inclusive contra as ditaduras que estão implantando neste País”, disse o deputado Éder Mauro (PL-PA).
A deputada Dandara (PT-MG) ressaltou o perigo, para as mulheres, de mais homens estarem em posse de armas de fogo: “Quarenta e três por cento dos autores de feminicídio eram próximos da vítima e as armas de fogo provocaram mais de 2.200 mortes de mulheres no Brasil só no ano passado. Seis feminicídios por dia que foram resultados de armas de fogo”.
Debate jurídico
O deputado Rubens Pereira Júnior (PT-MA) ressaltou que a Constituição deixa claro que é competência exclusiva da União legislar sobre material bélico e que os estados podem legislar apenas sobre questões específicas de material bélico das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares.
“O que a norma constitucional está dizendo: que, se autorizado pelo Congresso, o governador do estado pode decidir qual tipo de arma compra para a polícia, pode decidir que tipo de material bélico compra para os bombeiros, não está dizendo que cada estado pode praticar o liberou geral”, frisou.
Ele acrescentou que a Câmara perde tempo discutindo a matéria, já que o STF já deliberou sobre o tema ao analisar diversas Ações Diretas de Inconstitucionalidade. Ele citou a ADI 5359, que afastou a possibilidade de os estados e dos municípios legislarem sobre material bélico, já que a União já legislou sobre o tema por meio do Estatuto do Desarmamento.
A deputada Caroline de Toni, por sua vez, afirmou que apresentou a proposta justamente por conta das decisões do STF nesse tipo de ação. Segundo ela, o governador de Santa Catarina elaborou projeto para autorizar a caça de javalis no estado, já que os animais destroem plantações, e a constitucionalidade do texto foi questionada no Supremo, que entendeu que falta uma lei complementar para delegar essa competência para os estados.
“O argumento utilizado pelo deputado de esquerda falando que as ações diretas de inconstitucionalidade vão declarar inconstitucional a lei complementar é errônea, porque eles reconhecem que falta uma lei complementar para delegar essa competência”, disse.
Queda de registro de armas para defesa pessoal
Um balanço divulgado pela Polícia Federal, em janeiro desde ano, mostrou que o número de registros de armas para defesa pessoal em 2023 é o menor desde 2004. Para o chefe da Divisão Nacional de Controle de Armas da Polícia Federal, Humberto Brandão, a queda pode ser explicada pelas novas regras contidas em dois decretos de 2023 (Decreto nº 11.615/2023 e Decreto nº 11.366/2023), do governo federal. Uma das novas exigência é a comprovação de efetiva necessidade da posse ou do porte da arma.
A partir de dois decretos de 2023, novas regras para o registro de armas passaram a valer no Brasil. Foi reduzido de quatro para dois o número de armas que podem ser adquiridas por civis para defesa pessoal. Também diminuiu a quantidade de munição que uma pessoa pode comprar anualmente: de duzentas para 50 munições por arma de fogo. Além disso, foi retomada a obrigatoriedade de comprovação da efetiva necessidade para a compra da arma. De acordo com o delegado da Polícia Federal, Humberto Brandão, chefe da Divisão Nacional de Controle de Armas, o cidadão deve ainda cumprir outras regras, como a comprovação de inexistência de inquérito policial ou processo criminal.
De acordo com o delegado da Polícia Federal, Humberto Brandão, chefe da Divisão Nacional de Controle de Armas, o cidadão deve ainda cumprir outras regras, como a comprovação de inexistência de inquérito policial ou processo criminal.
Atualmente, de acordo com as novas regras impostas pelo Decreto, quem tem interesse em adquirir uma arma de fogo depende necessariamente de autorização prévia da Polícia Federal. O interessado deve ter idade mínima de 25 anos, muito importante, ele tem que demonstrar, ele tem que comprovar a efetiva necessidade da posse ou do porte da arma de fogo, a comprovação da capacidade técnica para manuseio da arma e da rigidez psicológica para manusear o armamento.
“Essa comprovação, ela não é presumida, ela deve ser demonstrada de acordo com o Decreto, ela deve ser demonstrada através de fatos e circunstâncias concretos que justifiquem o pedido. Isso pode ser feito através, por exemplo, da comprovação de uma atividade exercida que demonstre que há um risco à incolumidade física, à vida da pessoa ou de terceiros, mas a rigor, o que deve ser demonstrado de forma concreta e que impacta nos números, sem dúvida, é a necessidade de comprovação, de efetiva necessidade da posse ou do porte da arma, concluiu o delegado.
*Fonte: Agência Câmara de Notícias
Ilustração: Marcus Reis
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