A Câmara aprovou o projeto de lei 490/2007, o chamado PL do Marco Temporal, na terça-feira, 30, por 283 votos a 155, em uma derrota ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Apesar de governistas terem tentado adiar a votação, a proposta contou também com votos de parlamentares de partidos da base.
O principal ponto do projeto é estabelecer em lei que somente territórios ocupados por indígenas na data da promulgação da Constituição 1988 podem ser demarcados como terras indígenas.
Os deputados federais que fazem parte da bancada do Amazonas são:
Adail Filho (Republicano-AM), Amom Mandel (Cidadania-AM), Átila Lins (PSD-AM), Alberto Neto (PL-AM), Fausto Santos Jr. (União-AM), Sidney Leite (PSD-AM), Silas Câmara (Republicano-AM)
Entre os parlamentares do Amazonas, quatro estão de acordo com o PL e três são contra:
- Adail Filho (Republicano-AM) -votou sim
- Amom Mandel (Cidadania-AM) -votou não
- Átila Lins (PSD-AM) -votou não
- Alberto Neto (PL-AM) -votou sim
- Fausto Santos Jr. (União-AM) -votou sim
- Sidney Leite (PSD-AM) -votou não
- Silas Câmara (Republicano-AM) -votou sim
O portal O Convergente entrou em contato com os deputados que fazem parte da bancada do Amazonas para saber a respeito da votação da PL e por quais motivos votaram a favor.
O deputado federal, Alberto Neto, que votou a favor do PL, por meio de sua assessoria respondeu. “Nós votamos uma segurança jurídica para o país, inclusive para os povos originários. Precisamos fazer o nosso papel e o Congresso tem que fazer o seu papel de legislar. Está na DCT 67, que, após a constituição, o congresso tinha cinco anos para regulamentar o marco temporal e não fez. O projeto protege o país, leva segurança jurídica, protege os povos originários, porque mostra um marco temporal. Então, juiz nenhum pode dar nenhuma sentença contra esse marco temporal. Nós tivemos o caso da Raposa Serra do Sol, de Roraima, que já foi definido e tem uma definição pelo STF. Agora nós vamos colocar na legislação, porque a constituição brasileira na DCT 67 diz que tem que ser feito assim”, enfatizou
“Eu quero tirar a população indígena do meu estado da miséria, porque a política realizada até agora não trouxe nenhum avanço, apenas politicagem, utilizar povos originários para fazerem politicagem e isso não dá pra admitir. Nós queremos para eles mais dignidade, mais acesso à educação, mais acesso à saúde e não é isso que acontece há muito tempo. Não é uma briga de agronegócio contra indígena. Isso aqui é segurança para todos, para os povos indígenas, para os nossos povos originários, para o agro e para o Brasil”, acrescentou o parlamentar.
Até o momento da publicação, apenas um dos deputados respondeu ao portal. O espaço segue aberto.
Senado Federal
O texto, que seguirá ainda ao Senado, era uma demanda dos ruralistas e foi votado sob protesto de parlamentares de esquerda e movimentos indigenistas. A frente agropecuária sustenta que o projeto dará segurança jurídica ao setor. Segundo os ruralistas, sem um marco temporal para servir de parâmetro para demarcação de terras, há risco de grupo autodeclarados indígenas possam reivindicar terrar hoje sob a posse de produtores rurais.
Governistas já falam em judicializar a votação em que saíram derrotados. A derrota do governo foi sacramentada com votos de deputados integrantes de partidos com ministérios na Esplanada, como MDB, União Brasil, PSD e PSB.
Na prática, se promulgada, a lei vai paralisar todos os processos de demarcação em andamento. Há pelo menos 303 em tramitação. Hoje, o Brasil tem 421 terras indígenas homologadas. Essas somam 106 milhões de hectares e têm cerca de 466 mil indígenas.
Com a aprovação, o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (Progressistas-AL), e a cúpula da Casa pretendiam passar um recado ao Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte retomará o julgamento sobre demarcação de terras indígenas, na próxima quarta-feira, 7.
“Tenho certeza que a sinalização da Câmara, aprovando esse projeto de lei, fará com que o Supremo reflita e pelo menos paralise essa querela jurídica que está marcada para ser julgada em junho”, afirmou Arthur Maia (União-BA), autor do texto aprovado. “Estamos mandando a nossa mensagem ao Supremo, a de poder harmônico, mas altivo. Não podemos aceitar que outros Poderes invadam nossa prerrogativa”.
Os deputados favoráveis à proposta argumentam que ela foi construída à luz do julgamento do Supremo sobre a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, em 2009. Na ocasião, o marco temporal foi considerado. Para eles, as condicionantes daquele julgamento devem ser tratadas como paradigma.
Os contrários ao texto, porém, ressaltam que o debate não foi esgotado pelo Supremo e que há diversos precedentes que afirmam que o marco temporal e as condicionantes do caso Raposa Serra do Sol são aplicáveis somente para a demarcação daquela terra indígena específica.
Para a deputada governista Juliana Cardoso (PT-SP), o projeto é um retrocesso. “É o projeto da morte, da perversidade do lucro acima da vida humana. Esse ‘PL da morte’ quer acabar de novo com direito adquirido e promover a injustiça. É um crime contra os povos indígenas”, disse.
O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), afirmou que tentou articular o adiamento da votação, mas foi superado. “Respeitando aqueles que são do governo e votam a favor, mas o governo não tem como encaminhar o voto ‘não’ a essa matéria, porque compreende que é um erro votar esse projeto agora”, disse, na discussão.
Segundo estimativas da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), principal fiadora da proposta, as terras indígenas são cerca de 14% do território nacional. Se todos os processos de demarcação em curso fossem encerrados, seriam 30%. A produção agrícola abrange 24% do território brasileiro.
Apesar de a chamada tese do “marco temporal” ser o principal item do PL 490/2007, essa também alteraria políticas indigenistas que vigoram há décadas. Uma delas reacende a possibilidade de contato com povos que vivem em isolamento voluntário, prática que marcou a relação da ditadura militar com indígenas.
O texto cria a possibilidade de contato com indígenas que vivem em isolamento voluntário para ações de “utilidade pública”, inclusive por meio de “entidades particulares, nacionais ou internacionais”, contratadas pelo Estado. O projeto não especifica quais seriam as atividades de utilidade pública admitidas.
Por se tratar de expressão genérica, parlamentares e movimentos contrários ao projeto temem que o dispositivo permita o contato forçado até para missões religiosas. O relator, deputado Arthur Maia, afirmou que o texto atrela o contato ao controle da Fundação Nacional do Índio (Funai) e que seu objetivo foi o de apenas evitar que organizações não governamentais estrangeiras acessem povos isolados no Brasil sem a fiscalização do governo.
Antes da aprovação do texto, o governo sofreu duas derrotas expressivas. Primeiro, apresentou requerimento para retirar o projeto da pauta. Obteve apenas 123 votos favoráveis, contra 257 contrários. Depois, a oposição, pediu para abreviar a discussão e conseguiu 311 apoios. O governo só 137.
Demarcação
Áreas compradas
As áreas indígenas compradas pela comunidade ou doadas a ela serão consideradas áreas indígenas adquiridas, as quais se aplicará o regime jurídico da propriedade privada.
Unidades de conservação
Quando houver terras indígenas superpostas a unidades de conservação, o usufruto pela comunidade será de responsabilidade do ICMBio – o órgão federal gestor das unidades de conservação – com a participação dos indígenas.
Povos isolados
No caso de indígenas isolados, o projeto permite o contato, intermediado pela Funai, para ações estatais como auxílio médico ou ação estatal de utilidade pública, como construção de equipamentos de serviços públicos (torres de transmissão de energia, por exemplo).
Entidades particulares, nacionais ou internacionais, não poderão manter contato com povos isolados, exceto se contratadas pelo governo para essas finalidades.
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Por Kalinka Vallença com informações da Agência Câmara de Notícias
Revisão Textual: Vanessa Souza
Foto: Divulgação