O Portal O Convergente publicou, nos últimos dias, um compilado de matérias que relatam em detalhes os momentos de enfrentamento à epidemia de Covid-19 no Amazonas e no país. Críticas, sugestões e lamentos compuseram as matérias que visaram servir de alerta para a população em um momento em que as especulações quanto a ocorrência de uma terceira onda da doença ganham força pelo Brasil.
Pesquisador e vice-diretor de pesquisa da Fiocruz Amazônia, Felipe Naveca reforçou a importância da ciência e das pesquisas capitaneadas pela Fiocruz, como a recente publicação feita pela Nature Medicina que ressalta o estudo feito acerca da variante P.1.
Mesmo com cenários diferentes nesses primeiros meses de 2021, uma terceira onda da doença não é descartada pelos pesquisadores e pode ocorrer em função da diminuição dos cuidados sanitários básicos da população com a transmissão do vírus.
“Isso realmente é o que pode levar a nós termos uma terceira onda. Se nós pensarmos que a vacinação ainda não atingiu os níveis necessários para promover uma proteção coletiva, o risco vai existir. A gente tem pessoas que não foram infectadas, nós sabemos que algumas variantes, como a P.1 podem causar casos de reinfecção. Então, é extremamente importante que as pessoas entendam que nós não vencemos essa guerra ainda. Nós não podemos dar chance para o vírus voltar a causar o colapso que causou no Amazonas”, alertou Naveca.
Colapso da Saúde – A pandemia causada pela Covid-19 evidenciou os problemas no Sistema de Saúde do Amazonas. No Estado, a situação piorou diante da segunda onda da doença, em janeiro de 2021, quando o Amazonas vivenciou o ápice do colapso na saúde. Hospitais superlotados, escassez de leitos clínicos e de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), além da grave falta de oxigênio foram fatores que elevaram o número de mortes e de casos da doença no Estado.
Ao Portal O Convergente, o presidente do Sindicato dos Médicos do Amazonas (Simeam), o médico Mario Vianna destacou que faltou organização do Governo do Estado para o combate da pandemia no Amazonas.
“Eu não tenho a menor dúvida que o planejamento da saúde do Amazonas foi totalmente ineficaz, ou melhor, não houve planejamento. Percebemos desde o início da pandemia comandos e contra comandos equivocados, como o atendimento descentralizado da doença. Desde o início pedíamos muito que fossem feitos hospitais de campanha e hospital de referência para o tratamento da doença. Mas nunca houve um comando realmente, uma organização nas ações de combate a Covid-19”, pontuou Vianna.
Segundo o presidente do Simeam, a crise do oxigênio poderia e deveria ser prevista e prevenida. O médico definiu a crise como “erro grave” dos governantes responsáveis pelo Estado.
“O Ministério da Saúde esteve no Amazonas no início deste ano e tomou à frente de algumas ações, mas acho que tardiamente e isso inclui a crise do oxigênio. A falta de organização levou a essa crise, que foi o momento mais cruel e mais triste da pandemia. Percebemos que sequer se sabia a real necessidade do quantitativo de oxigênio para Manaus e para o Estado todo, e vidas foram perdidas”, relatou Vianna.
Imunizantes – Desde a disseminação do novo coronavírus no mundo, os cientistas entraram numa corrida desenfreada por imunizantes. Até agora existem no Brasil quatro vacinas autorizada pela Anvisa que podem ser usadas na população. A CoronaVac, a AstraZeneca, a Pfizer e a Janssen. No entanto, até o momento, a Janssen não está sendo utilizada no Programa Nacional de Imunização (PNI), do Ministério da Saúde (MS).
A chegada das primeiras doses de imunizantes levou esperança aos cidadãos, principalmente, aos amazônidas de municípios que ficam há quilômetros de distância da capital. Apesar do socorro, muitos municípios mais distantes ainda apresentam números inferiores de vacinados em comparação com os municípios próximos à capital Manaus.
A médica infectologista da Fiocruz Amazônia, Flor Martinez, afirmou que o Estado ainda tem um longo caminho a percorrer para alcançar o nível de segurança no que se refere à imunização da população. De acordo com a pesquisadora, o Estado precisa vacinar 90% da população, ou seja, aplicar em torno de 5 a 6 milhões de doses de vacinas em todo Amazonas para neutralizar os riscos de contaminação pelo coronavírus.
“Essas doses têm sido aplicadas mais ou menos num intervalo de três a quatro meses, o que significa um ritmo lento quando comparado ao que estávamos acostumados em outras jornadas de vacinação no Estado. O Estado sempre teve coberturas satisfatórias, apesar da dispersão da população. Com esse ritmo, ainda temos um longo caminho para percorrer”, criticou a infectologista.
Indígenas – A Covid-19 agravou ainda mais a situação de inúmeras comunidades indígenas no Amazonas. Segundo representantes de organizações indígenas, barreiras sanitárias para acesso às terras indígenas, como previsto na decisão do Superior Tribunal Federal (STF), no âmbito da ADPF 709, nunca foram construídas. Assim os povos indígenas tentaram buscar alternativas e criaram suas próprias medidas para se proteger do vírus.
De um modo geral, o levantamento divulgado no site da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) mostra que o Brasil registrou um total de 54.939 casos confirmados de Covid-19 na população indígena, sendo que 1.094 índios morreram vítimas da doença em todo o país.
Segundo os dados presentes no site da APIB, 163 povos indígenas, de diversas etnias, foram afetados. Sendo o Amazonas com o maior número de óbitos (254), seguido de Mato Grosso (159), Roraima (126), Mato Grosso do Sul (110) e Pará (107). Os cinco estados, a maioria da região Norte concentra o maior número de morte em população indígena em consequência do coronavírus.
Os dados divulgados pela Articulação dos Povos Indígenas representam o total de dados informados pela Sesai e apurados pelo Comitê Nacional de Vida e Memória Indígena. Os números podem ser ainda maiores, porque devido à falta de testagens em massa o órgão estima que existe uma disparidade significativa entre o número de casos confirmados e a quantidade real de pessoas infectadas.
CPI da Pandemia – Paralelo a tentativa de amenizar a debilidade do SUS, a CPI da Covid, no Senado, caminha para apontar responsabilidades do Governo Federal no enfrentamento à Covid-19. Os senadores, responsáveis pela comissão, devem ampliar o alcance das apurações para desvendar se houve desvio de verbas transferidas pela União a estados e municípios.
A comissão parlamentar de inquérito foi instalada em 27 de abril, com a eleição de Omar Aziz (PSD-AM) para a presidência e a indicação de Renan Calheiros (MDB-AL) para a relatoria. Os senadores Eduardo Girão (Podemos-CE), Jorginho Mello (PL-SC) e Marcos Rogério (DEM-RO) entraram com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar impedir a nomeação de Calheiros. Mas o ministro Ricardo Lewandowski negou o pedido de liminar.
De lá para cá, a CPI da Covid fez 13 reuniões semipresenciais. Os senadores aprovaram 363 requerimentos, sendo 85 para a convocação de testemunhas. Dez depoentes foram interrogados nos primeiros 30 dias. Entre eles, os quatro ministros da Saúde que ocuparam o posto ao longo da pandemia.
Composta por 11 titulares e 7 suplentes, a comissão contou com a participação frequente de senadores não membros. Ao todo, 47 parlamentares marcaram presença na CPI — 20 deles, por meio de videoconferência. Mesmo sem vaga formal no colegiado, a bancada feminina atuou em todas as fases da investigação.
A CPI da Covid tem prazo final no dia 8 de agosto. Até lá, a comissão deve colher depoimentos, requisitar informações e apontar responsáveis por ações e omissões no combate ao coronavírus e por irregularidades no uso de repasses da União.
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Da Redação
Fotos: Divulgação / Ilustração: Marcus Reis