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quarta-feira, agosto 13, 2025

Dossiê: Nepotismo, falta de transparência e aumento salarial, os principais alvos da gestão de Mário Abrahim em Itacoatiara

Reeleito em 2024, prefeito acumula denúncias, processos e decisões do TCE e MP que apontam ilegalidades em nomeações, omissões no Portal da Transparência e reajustes salariais considerados irregulares

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A gestão do prefeito Mário Abrahim (Republicanos) à frente da Prefeitura de Itacoatiara, na Região Metropolitana de Manaus, vem sendo alvo de uma série de denúncias e polêmicas envolvendo nepotismo, aumento salarial, falta de transparência e possível desrespeito à Lei Orgânica do Município. O novo mandato do gestor municipal começou com decisões controversas, reacendendo debates sobre ética, legalidade e compromisso com a administração pública.

Reeleito em 2024 para seu segundo mandato consecutivo, Abrahim iniciou o ano de 2025 repetindo práticas criticadas durante sua primeira gestão: a nomeação de parentes para cargos públicos, inclusive da própria esposa, além de estar no centro de uma ação civil pública por omissão de dados no Portal da Transparência e de um questionamento no Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE-AM) sobre o aumento de seu próprio salário.

O Convergente retorna, na segunda temporada do especial Dossiês dos Municípios do Amazonas, com um balanço dos primeiros meses da atual gestão em Itacoatiara, município distante 270 quilômetros de Manaus.

Nepotismo reincidente: esposa nomeada novamente

Logo nos primeiros dias da nova gestão, o prefeito de Itacoatiara nomeou a própria esposa, Cristiany Costa Carvalho, como secretária municipal de Governo. A nomeação foi publicada no Diário Oficial do Município no dia 2 de janeiro e assinada pelo próprio gestor.

Esta não é a primeira vez que Cristiany ocupa cargo de confiança: em 2021, ela já havia sido secretária de Assistência Social. À época, Abrahim justificou a nomeação alegando o “elevado grau de qualificação” da esposa — argumento contestado em parecer posterior do Ministério Público de Contas (MPC-AM), que apontou ausência de formação adequada para a função.

Em paralelo, o Ministério Público de Contas do Amazonas (MPC-AM) multou o prefeito ainda em janeiro de 2025 por nomeações irregulares de parentes na gestão anterior (2021-2024), apuradas no processo n.º 14878/2023. A investigação identificou ao menos sete parentes diretos ou da esposa em cargos comissionados na prefeitura.

Veja no documento abaixo:

3605090 - Parecer_do_MP_TCE_AM_relativo_ao_assunto_Representacao

Portal da Transparência com falhas graves

A situação do Portal da Transparência de Itacoatiara resultou, em fevereiro, em uma ação civil pública movida pela 3ª Promotoria de Justiça de Itacoatiara. O Ministério Público do Amazonas (MPAM) apontou uma série de irregularidades, como ausência de dados sobre licitações recentes, contratos públicos, folha de pagamento e receitas/despesas atualizadas.

Na época, o MP destacou que a última atualização completa das licitações ocorreu em outubro de 2024 e que os dados financeiros só estão disponíveis até março de 2024, com grave omissão dos meses seguintes.

O MP considerou isso uma violação à Lei de Acesso à Informação e aos princípios constitucionais da administração pública, em especial os da publicidade e da transparência. Ainda na ocasião, o MP requereu à Justiça uma tutela de urgência para que a Prefeitura de Itacoatiara regularizasse o Portal da Transparência e pediu a aplicação de multa, caso a medida seja descumprida.

Aumento salarial na mira do TCE

Em março, a gestão de Mário Abrahim voltou ao centro de uma nova polêmica. Desta vez, o motivo foi o aumento do próprio salário, aprovado no apagar das luzes da legislatura anterior, com efeitos já a partir de janeiro de 2025.

A legalidade do aumento foi contestada pelo ex-vereador Arnold Lucas (Podemos), que ingressou com representação no TCE-AM alegando que as leis que autorizaram os reajustes violaram a Lei Orgânica do Município.

A conselheira-presidente do TCE-AM, Yara Lins, acolheu a denúncia e designou o conselheiro Luis Fabian como relator. O tribunal concedeu cinco dias para que os envolvidos se manifestassem antes de decidir sobre eventual suspensão dos pagamentos. A ação segue em análise.

A vice também

As polêmicas envolvendo a Prefeitura de Itacoatiara não estão restritas apenas ao prefeito Mário Abrahim. A vice-prefeita e diretora-presidente do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae), Marcela Cristine, também foi alvo de críticas após a celebração de contratos milionários.

Em março deste ano, Marcela assinou acordos com pelo menos sete empresas para fornecimento de equipamentos e serviços ligados ao sistema de esgoto do município, totalizando mais de R$ 3 milhões, conforme revelado pelo portal O Convergente.

Os extratos dos contratos, publicados no Diário Oficial da Associação Amazonense de Municípios (AAM), apontam que entre os itens adquiridos estavam bombas submersas, motores elétricos e materiais hidráulicos. Chamou a atenção, porém, o fato de algumas empresas contratadas terem como atividade principal o fornecimento de medicamentos, e não equipamentos hidráulicos.

Essa não foi a primeira polêmica envolvendo a gestora: em 2021, Marcela contratou duas empresas por quase R$ 2,3 milhões, sendo uma especializada em comunicação, para fornecimento de material hidráulico — levantando dúvidas sobre a pertinência e lisura das contratações.

Alvo de novo

Ainda em março de 2025, a prefeitura voltou a ser alvo do MPAM, que chegou a recomendar à gestão a suspensão imediata de uma licitação da Secretaria Municipal de Infraestrutura para aquisição de materiais de limpeza pública.

Conforme o MPAM, o certame, realizado presencialmente, não foi publicado nos canais oficiais exigidos por lei, como o Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), o que comprometeu sua transparência. Além disso, foram apontados indícios de sobrepreço em diversos itens e uma aparente superestimativa na quantidade de produtos — incluindo 1 mil carrinhos de mão e 2 mil pares de botas, números considerados excessivos.

MP-AM recomenda suspensão de licitação para compra de materiais de limpeza em Itacoatiara

Outro inquérito aberto pelo MP-AM atingiu diretamente o prefeito. Também março, Mário Abrahim foi notificado sobre supostas irregularidades em um processo de licitação para compra de gêneros alimentícios.

Segundo o MPAM, a prefeitura realizou cotação de preços consultando apenas uma empresa, a Joelson Alves de Negreiros/Comercial Beira Rio, que não apresentava capacidade técnica para atender a demanda da Secretaria de Educação. O procedimento levantou suspeitas de favorecimento e também sobrepreço.

Confira os documentos:

RECOMENDAÇÃO - MÁRIO-ABRAHIM INVESTIGACAO-GENEROS-ALIMENTICIOS-1

No mês seguinte, em abril, o TCE-AM admitiu uma outra representação com pedido de medida cautelar contra a Prefeitura de Itacoatiara, na gestão Mário Abrahim. A denúncia, feita pela empresa Amena Climatização Ltda, alegou desclassificação indevida de uma licitação, apesar de ter cumprido todos os requisitos do edital.

Edicao-de-n°3531-de-9-de-abril-de-2025 ITACOATIARA

Ainda em abril, a Corte de Contas pediu esclarecimentos as possíveis irregularidades no Pregão Eletrônico nº 008/2025, destinado à formação de ata de registro de preços para aquisição de aparelhos de ar‑condicionado pelo município, no mesmo caso envolvendo a empresa Amena.

A empresa sustentou ter apresentado a proposta mais vantajosa economicamente, sendo, portanto, a mais benéfica ao interesse público. Segundo a representação, o apelo interno foi conhecido, mas negado, sob o fundamento de que “o edital é a lei do certame”.

Na época, o relator chegou a dar o prazo de cinco dias úteis para que a Prefeitura de Itacoatiara e pregoeiro apresentarem justificativas e documentos que esclareçam as alegações da representação.

Festas milionárias em meio a polêmicas

Em abril de 2025, em meio a uma série de polêmicas e críticas sobre a gestão pública, a Prefeitura de Itacoatiara desembolsou cerca de R$ 1,19 milhão para a contratação de atrações musicais em comemoração aos 151 anos da elevação do município à categoria de cidade. O evento ocorreu entre os dias 24 e 26 de abril e foi marcado pela falta de transparência: o valor do cachê do cantor Natanzinho Lima, uma das principais atrações da festa, só foi divulgado um dia após o fim do evento.

Todos os contratos foram assinados pelo prefeito Mário Jorge Bouez Abrahim (Republicanos). Entre os valores pagos, destacam-se:

  • R$ 90 mil para o show da banda Quinteto S.A.
  • R$ 220 mil para a apresentação da cantora Marília Tavares
  • R$ 180 mil para o show da cantora gospel Fernanda Brum
  • R$ 700 mil para o show do cantor Natanzinho Lima

O Convergente chegou mostrar o valor dos shows em reportagem publicada antes do evento. Na época, o cachê de Natanzinho ainda não tinha sido divulgado pela prefeitura. O valor só obteve transparência após o espetáculo:

Prefeitura de Itacoatiara gasta R$ 490 mil em shows, sem divulgar cachê de Natanzinho Lima

Confira o contrato do show de Natanzinho Lima:

Trânsito caótico e omissão no controle

Enquanto a prefeitura investia em festas, a cidade enfrentava uma crise crescente no trânsito. Em Itacoatiara, é comum ver motociclistas circulando sem capacete, mesmo com a legislação de trânsito em vigor. O descaso levou o Ministério Público do Amazonas (MPAM), por meio da 3ª Promotoria de Justiça de Itacoatiara, a instaurar um procedimento administrativo para acompanhar as políticas públicas de fiscalização e controle do trânsito.

O aumento expressivo no número de acidentes entre o fim de 2024 e o início de 2025 motivou a medida. Só em janeiro de 2025, o Hospital Regional José Mendes registrou 100 acidentes de trânsito, com uma morte. Desse total, 77 envolveram motocicletas. Em 2024, foram contabilizadas 746 ocorrências com oito mortes.

Outras unidades de saúde, como a UPA 24h do município, notificaram mais de 150 atendimentos relacionados a acidentes recentes, incluindo colisões, atropelamentos e quedas. Os dados também apontam para 162 registros de lesão corporal culposa de trânsito e sete acidentes fatais.

A falta de fiscalização e de ações educativas por parte do poder público tem sido alvo de severas críticas por parte da população e de órgãos de controle.

Licitação suspensa pelo TCE-AM

Em junho de 2025, a Prefeitura de Itacoatiara voltou a ser alvo do TCE-AM. Desta vez, a Corte determinou a suspensão imediata do Pregão Eletrônico nº 008/2025, promovido pela administração municipal, após denúncia da empresa Amena Climatização Ltda (no mesmo caso já citado no texto).

O caso voltou à tona, com o conselheiro-relator Luiz Fabian Barbosa destacando que a desclassificação da proposta da empresa, considerada a mais vantajosa economicamente, foi uma medida de “apego ao formalismo exacerbado” e contrariou os princípios da eficiência e economicidade.

A decisão monocrática foi publicada no Diário Eletrônico do TCE-AM no dia 17 de junho e representa mais um episódio de questionamento à gestão do prefeito Mário Abrahim.

Educação: meta de alfabetização não alcançada

Outra polêmica envolve a Educação do município. Segundo mostrou primeiro levantamento da reportagem do portal O Login da Notícia, Itacoatiara não alcançou a meta de alfabetização infantil para 2024 e ainda apresentou queda em relação ao desempenho de 2023. Os dados são do Indicador Criança Alfabetizada, divulgados pelo Ministério da Educação (MEC) e pelo Inep no início de julho deste ano.

De acordo com o levantamento, apenas 42,66% dos estudantes do 2º ano do ensino fundamental da rede municipal foram considerados alfabetizados ao final do ano letivo. A meta local para 2024 era de 51,78% — o que significa que o município ficou mais de 9 pontos percentuais abaixo do esperado. Em 2023, o índice havia sido de 46,3%, o que evidencia um retrocesso no desempenho educacional.

A meta de Itacoatiara para 2025 já prevê um salto para 57,21% de alfabetização. A cada ano, o objetivo aumenta: 62,47% em 2026, 67,45% em 2027, 72,07% em 2028, 76,26% em 2029, até atingir 80% em 2030 — como parte do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, que prevê apoio técnico e financeiro da União a estados e municípios comprometidos com os resultados.

O desempenho de 2024, porém, indica que o município precisa acelerar significativamente o avanço de políticas públicas, formação docente, gestão pedagógica e uso adequado de recursos se quiser alcançar essas metas nos prazos previstos.

Comparativo com Manaus, Amazonas e Brasil

O resultado de Itacoatiara está abaixo, inclusive, tanto da média estadual quanto da nacional. Em 2024, o Amazonas teve índice de 49,17% de crianças alfabetizadas ao fim do 2º ano, também aquém da meta de 56,8%. A capital, Manaus, registrou 50,13%, e, além do baixo desempenho, enfrentou problemas de gestão e perda de recursos federais por falta de transparência na aplicação do Fundeb.

Mais uma licitação sob suspeita: MP recomenda suspensão de pregão milionário

No início de agosto deste ano, o Convergente também mostrou outra polêmica envolvendo a prefeitura. O Ministério Público do Amazonas recomendou ao prefeito Mário Abrahim a imediata suspensão e anulação do Pregão Presencial nº 009/2025 – PMI, destinado à aquisição de materiais hidráulicos para a Secretaria Municipal de Infraestrutura. Com valor estimado em R$ 3,2 milhões, o processo licitatório é alvo de investigação por apresentar supostas falhas que, segundo o órgão, comprometem sua legalidade e transparência.

A recomendação foi assinada pelo promotor de Justiça Vinícius Ribeiro de Souza, da 3ª Promotoria de Justiça de Itacoatiara. Entre as irregularidades apontadas estão a ausência de publicidade adequada do edital, a não publicação no Portal Nacional de Contratações Públicas, a escolha da modalidade presencial sem justificativa técnica e a descrição genérica de itens licitados, como “válvula para pia” e “ralo para banheiro”, sem o detalhamento técnico exigido por lei.

A investigação também levanta suspeitas sobre possível superestimativa de itens, como a previsão da compra de 430 caixas d’água sem justificativa, além de falhas na pesquisa de preços, que se limitou a apenas três empresas de Manaus, ignorando fornecedores locais e parâmetros públicos de referência. As inconsistências estão sendo apuradas no âmbito do Inquérito Civil nº 238.2025.000019.

Panorama geral do município

Vale destacar que, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Itacoatiara possui uma população estimada de 112 mil habitantes e é o segundo município mais populoso do Amazonas, atrás apenas de Manaus. Localizado a cerca de 270 km da capital amazonense, o município tem uma economia baseada principalmente na agricultura, pecuária e exploração madeireira, além de ser um polo regional de comércio e serviços.

Apesar de seu potencial econômico, os indicadores sociais apontam desafios significativos. De acordo com o Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, Itacoatiara apresenta um Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) de 0,632, considerado médio, mas abaixo da média nacional. A taxa de escolarização entre crianças de 6 a 14 anos é de 97,1%, enquanto a renda média per capita é de R$ 656,08 mensais.

O município enfrenta ainda deficiências na infraestrutura urbana, no saneamento básico e na oferta de serviços de saúde e educação de qualidade. Apesar também da posição geográfica estratégica e relevância histórica da cidade, banhada pelo Rio Amazonas — o maior do mundo, Itacoatiara lida sérios desafios econômicos.

Em 2021, ainda conforme dados do IBGE, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita era de R$ 22.590,61 — o quinto maior entre os 62 municípios do estado. No entanto, 83,44% das receitas municipais em 2024 eram de origem externa, o que revela forte dependência de repasses estaduais e federais, colocando Itacoatiara entre os piores desempenhos no estado nesse indicador (60ª posição entre 62). O total de receitas realizadas em 2024 foi de R$ 551,7 milhões, e as despesas empenhadas somaram R$ 522,6 milhões.

Outro lado

O Convergente buscou contato com a Prefeitura de Itacoatiara e pediu, por meio da assessoria de comunicação, posicionamento sobre as denúncias contra o município ao longo de 2025. Até a publicação, sem retorno.

 

Por: Bruno Pacheco
Ilustração: Gabriel Torres
Revisão Jurídica: Letícia Barbosa

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