Por Prof. MSc. Mourão Junior – Colunista do Portal Convergente
Introdução – O número oficial que não reflete a realidade amazônica
Enquanto o IPCA aponta uma inflação “sob controle”, o carrinho do supermercado em Manaus conta outra história. O preço da feira, do gás, da passagem de ônibus, do aluguel e da energia não bate com os índices divulgados. Há um abismo entre a frieza estatística e a realidade da vida na capital da Amazônia.
Manaus tem uma logística cara, uma dependência brutal de transporte fluvial e aéreo, e um mercado que funciona quase como uma ilha — tudo chega com atraso e mais caro. O custo de vida aqui é alto, e a classe média já virou classe batalhadora. O IPCA não reflete isso. E o povo sente isso todo mês.
1. O que é o IPCA e onde ele falha em Manaus
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado mensalmente pelo IBGE, é o termômetro oficial da inflação brasileira. Mas tem um vício de origem: ele só é calculado em 16 localidades — sendo 10 regiões metropolitanas e 6 capitais. Na região Norte, apenas Belém (PA) e Rio Branco (AC) entram no radar.
Manaus, a maior cidade da Amazônia, está fora da pesquisa oficial.
Ou seja: quando se fala em inflação no Norte, os dados vêm de lugares com estrutura de preços completamente diferentes. A realidade manauara é apagada do mapa estatístico. Não é apenas uma omissão técnica — é um erro grave de leitura de país.
Apesar de Porto Velho estar no mapa do IBGE, Manaus sequer aparece — para efeitos do IPCA, o Norte só tem Belém e Rio Branco. O que se divulga como “inflação em Manaus” é, na verdade, uma média adaptada, que não reflete o peso real que o povo sente no bolso.
Manaus tem desafios logísticos, alto custo de transporte e forte dependência de insumos externos. Tudo isso encarece a vida — do arroz à gasolina, do café ao remédio. Mas essa dor não entra nos gráficos, nem nas decisões de política econômica.
2. A inflação invisível do Norte
Há um “IPCA invisível” que o IBGE não capta:
– O preço do botijão de gás, que chega a custar 20% mais que em capitais do Sul.
– O valor da energia elétrica, com bandeiras tarifárias constantes.
– O custo da alimentação fora do lar, que subiu muito mais do que os 3,5% indicados nos relatórios.
– A alta dos aluguéis, que explodiu com a migração de famílias de áreas de risco e a falta de moradia digna.
É uma inflação seletiva, que castiga quem ganha pouco e consome o básico. E o problema é que essa dor não entra nos gráficos de Brasília.
3. A consequência disso: orçamento estourado e sensação de empobrecimento
Enquanto o IPCA mostra 4%, o salário parece encolher 40%.
A classe média está espremida. A classe baixa, sufocada.
Os gastos com transporte, alimentação, energia e moradia estão consumindo mais de 70% da renda de muitas famílias.
O resultado? Menos consumo, mais endividamento e a sensação coletiva de que o dinheiro “sumiu” — mesmo com os números dizendo o contrário.
4. Precisamos de um novo índice para o Norte
Tá na hora de repensar os indicadores. A Amazônia precisa de um índice regional de custo de vida, que leve em conta:
– A logística peculiar da região;
– A dependência de importações de bens de consumo;
– As distorções de preços e escassez de concorrência;
– E o peso da informalidade e do consumo local.
Sem isso, vamos continuar tomando decisões públicas com base em dados irreais — e a política fiscal e monetária vai seguir punindo quem já está no sufoco.
Tabela – IPCA Acumulado por Ano (Brasil)
Ano | Variação IPCA (%) |
2022 | 5,79 % |
2023 | 4,62 % |
2024 | ≈ 4,71 % (prévia) |
2025 | 2,75 % (até maio) |
Gráfico – Evolução da Inflação Anual (Brasil)
Destaque em vermelho: pico da inflação em 2022 (5,79%)
Linha cinza tracejada: meta do Banco Central (3,25%)
Conclusão – Hora de olhar para o Norte
O IPCA pode até acenar com números comportados. Mas o feirante que carrega a caixa no lombo, a diarista que estica o arroz, o motorista de app que abastece no fiado, a mãe solo que faz milagre com o básico, e o aposentado que escolhe entre o remédio e o pão — todos sabem que a conta não fecha.
O custo de vida em Manaus é real, diário, pesado — e não cabe nas planilhas do IBGE.
Houve um tempo em que o DIEESE fazia mensalmente a pesquisa da cesta básica em Manaus. Era um esforço técnico de medir o que o povo realmente sentia no bolso. Hoje, nem isso. Perdemos até a referência. Voamos no escuro.
E o mais grave: o IPCA é o índice usado para corrigir salários, aposentadorias, contratos e benefícios sociais. Mas como confiar em um número que não espelha a nossa realidade?
Precisamos de uma pesquisa própria, contínua, feita por quem vive a cidade e entende suas dores. Um índice amazônico de verdade, que represente o custo real de viver em Manaus.
Medir a realidade amazônica exige mais do que estatística: exige compromisso com o povo daqui — e não decisões baseadas em planilhas feitas de longe.
Por Prof. MSc. Mourão Junior – Colunista do Portal Convergente
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