Enquanto representantes da Academia Chinesa de Ciências e da Prefeitura de Pequim firmavam novos compromissos com a Fiocruz no Rio de Janeiro, do outro lado do mundo, a China comprava 2,4 milhões de toneladas de soja brasileira. Em comum, os dois movimentos reafirmam uma mesma direção: o fortalecimento da aliança estratégica entre Brasil e China, agora ampliada tanto nos campos da ciência quanto da economia agrícola.
Entre os dias 7 e 9 de abril, a Fiocruz recebeu pesquisadores chineses e, em seu último dia, a visita do vice-prefeito de Pequim, Jin Wei, resultando na assinatura de um aditivo ao Memorando de Entendimento com a Fiocruz, que passa a incluir novas frentes de cooperação em saúde pública, resistência antimicrobiana e formação científica. Para especialistas, o gesto simboliza não apenas o fortalecimento institucional, mas também um reconhecimento do papel da Fiocruz como ponte diplomática em tempos de reorganização global.
Paralelamente, a escalada da guerra comercial entre China e Estados Unidos resultou em uma decisão de impacto econômico direto para o Brasil: a aquisição, por parte da China, de uma quantidade atípica de soja brasileira — equivalente a quase um terço do que o país asiático processa em um mês. O movimento consolida ainda mais o Brasil como o maior fornecedor mundial do grão à China.
Impactos econômicos e geopolíticos
Essas ações sinalizam uma intensificação do intercâmbio sino-brasileiro em setores-chave. Para a economia brasileira, especialmente para o agronegócio, a compra chinesa traz alívio em meio à volatilidade do mercado global. A soja, principal produto do agronegócio nacional, sustenta grande parte do superávit comercial brasileiro e, com esse novo impulso, pode gerar aumento da arrecadação e estímulo ao setor logístico e portuário.
No entanto, o movimento também carrega implicações sociais e ambientais. O aumento da demanda externa pressiona ainda mais o avanço da fronteira agrícola sobre áreas de floresta e comunidades tradicionais, acirrando conflitos socioambientais e exigindo políticas públicas que conciliem desenvolvimento econômico com sustentabilidade e proteção de populações vulneráveis.
Saúde e soberania científica como novo eixo estratégico
Se por um lado o comércio fortalece a relação bilateral, por outro, a ciência surge como um vetor diplomático de longo prazo. A assinatura do aditivo entre a Fiocruz e a CAS amplia o escopo da cooperação para temas como pandemias, resistência a antibióticos e formação de cientistas. Para a saúde pública brasileira, esse intercâmbio pode representar ganhos em inovação, acesso a tecnologias e antecipação de crises sanitárias.
“A China olha para a saúde global como parte de sua diplomacia de influência. Estar nesse diálogo é, para o Brasil, uma forma de ocupar espaço estratégico e fortalecer sua soberania científica”, destaca a pesquisadora e mestre pela Fiocruz Amazônia, Érica Lima.
Conclusão: o Brasil entre dois mundos
Diante de um cenário internacional polarizado, o Brasil se vê novamente entre dois gigantes: Estados Unidos e China. Mas diferentemente de uma neutralidade passiva, os recentes acordos e transações mostram que há espaço para um posicionamento ativo, voltado à cooperação estratégica em ciência, saúde e produção de alimentos. A escolha de como transformar esses laços em políticas que gerem desenvolvimento com equidade social e responsabilidade ambiental será o verdadeiro desafio.
Atualização Econômica:
O Brasil registrou um crescimento econômico de 3,4% em 2024, superando as expectativas do mercado. Esse desempenho foi impulsionado por investimentos robustos e pelo aumento do consumo das famílias, resultado de políticas governamentais que visam aumentar a renda disponível. Apesar desse crescimento, o último trimestre do ano mostrou sinais de desaceleração, com uma expansão de apenas 0,2% em relação ao trimestre anterior, indicando os efeitos das políticas monetárias restritivas implementadas para controlar a inflação, que encerrou o ano em 4,8%, acima da meta oficial de 3% .
O agronegócio continua sendo um pilar fundamental da economia brasileira, representando 26,6% do PIB nacional em 2021. Em 2024, as exportações do setor somaram US$ 153 bilhões, correspondendo a 45,2% do total exportado pelo país em novembro daquele ano . O Brasil lidera as exportações mundiais de diversos produtos agrícolas, incluindo soja, milho, café, açúcar, suco de laranja, carne bovina e carne de frango, consolidando sua posição como um dos principais fornecedores de alimentos do mundo .
Apesar desses avanços, desafios persistem, como a necessidade de equilibrar o crescimento econômico com a sustentabilidade ambiental e a inclusão social. A expansão do agronegócio, por exemplo, levanta preocupações sobre o desmatamento e os impactos nas comunidades tradicionais. Além disso, a informalidade no mercado de trabalho e a desigualdade de renda continuam sendo questões críticas que exigem atenção contínua das políticas públicas.
Por Érica Barbosa – O Convergente | 11/04/2025