Uma investigação conduzida pelo Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas revelou que quase todos os pontos de garimpo ilegal na Amazônia contam com acesso à internet via satélite fornecida pela Starlink, empresa do bilionário Elon Musk e pertencente à SpaceX. Segundo denúncias, o uso da tecnologia tem permitido a comunicação entre garimpeiros, favorecendo atividades criminosas como a exploração ilegal de minérios em áreas protegidas, especialmente terras indígenas.
A presença da internet Starlink em garimpos ilegais é considerada um fator que dificulta as ações repressivas das autoridades. Segundo o MPF, os garimpeiros têm utilizado o serviço para articular fugas, planejar contrainteligência criminosa e ocultar provas. O acesso à internet tem viabilizado também a rápida disseminação de informações, como a movimentação de equipes de fiscalização, impactando negativamente a preservação ambiental e a segurança das comunidades indígenas.
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As informações foram publicadas na edição desta segunda-feira, 13, do Diário Oficial Eletrônico do MPF e foram assinadas pelo procurador da República substituto Edmac Lima Trigueiro, no âmbito de um inquérito civil sobre o caso.
“Os serviços prestados pela Starlink têm o potencial de alcançar milhões de pessoas, de modo que a elevada adesão ao serviço na região amazônica impede que o provedor de conexão à internet permaneça completamente alheio à utilização das antenas como instrumento para viabilizar a exploração ilegal de recursos minerais”, diz trecho da publicação.
De acordo com o MPF, após reuniões com autoridades policiais e ambientais, foi relatado que, em praticamente em todos os garimpos ilegais, existe ao menos uma antena satelital da Starlink em funcionamento, “geralmente registrada em nome de terceiros e vinculadas a endereços distantes dos locais em que os minérios são explorados”.
“O avanço da internet satelital na região amazônica tem impactado negativamente as ações repressivas, na medida em que facilita a comunicação entre os garimpeiros, fornecendo subsídios às atividades de contrainteligência criminosa, resultando em fugas articuladas e rápido desfazimento dos elementos de prova dos crimes”, pontua outro trecho da publicação.
Em meio aos relatos, o MPF decidiu aprofundar as investigações para apurar se a Starlink tem adotado medidas eficazes de verificação da identidade dos contratantes e se possui mecanismos para prevenir o uso de suas antenas para fins ilícitos. De acordo com a publicação, o procurador editou a portaria de instauração de inquérito civil para investigar o caso.
“Em teoria, [a Starlink] não tem adotado critérios básicos de verificação da identidade dos usuários, da veracidade da documentação apresentada e dos endereços declinados no momento da contratação, fomentando, em tese, a prática de crimes ambientais”, diz trecho da portaria de aditamento.
O procurador da República ressaltou que, em tese, a empresa pode estar violando princípios básicos de diligência e responsabilidade ao não garantir maior rigor na identificação de seus usuários. Ele destacou que, como fornecedora de um serviço essencial, a Starlink deve prevenir impactos negativos, como aqueles que têm contribuído para crimes ambientais e violação de direitos humanos na Amazônia.
Garimpo ilegal: problema grave
Para o MPF, a utilização das antenas de conexão à internet satelital por garimpeiros é um problema que atinge diversas porções da Amazônia Legal – não somente o estado do Amazonas, sendo reconhecido como uma das principais causas de degradação ambiental na região.
Além do desmatamento, o uso de mercúrio e outros poluentes nos processos de mineração ameaça a biodiversidade e a saúde das comunidades indígenas. De acordo com o MPF, o avanço do garimpo em terras protegidas também tem sido classificado como uma tragédia humanitária, atraindo a atenção de organismos internacionais, como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (Comissão IDH) e a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH).
Segundo o MPF, a presença da internet satelital na região não pode ser ignorada como um elemento que fomenta tais práticas. “A responsabilidade ambiental é propter rem e alcança todos os integrantes da cadeia que, direta ou indiretamente, contribuem para os danos ambientais”, declarou Trigueiro.
Starlink
A internet via Starlink foi anunciada na Amazônia m 2022, com o objetivo de oferecer conectividade de alta velocidade a áreas remotas da floresta amazônica, incluindo comunidades isoladas, escolas, hospitais e iniciativas de conservação ambiental.
O uso da tecnologia, por outro lado, resultou em problemas para autoridades, que chegaram a intentificar que antenas da Starlink estavam sendo utilizadas em garimpos ilegais na Amazônia, facilitando atividades clandestinas. Em abril deste ano, o Ibama relatou a apreensão de 90 equipamentos de internet via satélite em operações contra o garimpo ilegal, sendo ao menos 32 da empresa de Elon Musk.
A reportagem tentou contato com a Starlink, por meio do site oficial da empresa, mas não encontrou nenhum e-mail à imprensa para envio de demandas e questionamentos. O espaço, contudo, segue aberto para devidas manifestações.
Veja a portaria na íntegra:
DMPF-EXTRAJUDICIAL-2025-01-13
Por: Bruno Pacheco
Ilustração: Marcus Reis
Revisão Jurídica: Letícia Barbosa