A Lei promulgada nessa quinta-feira, 17, que proíbe a reprodução de conteúdos na TV com crianças vinculadas à homossexualidade é preconceituosa e inconstitucional, é o que afirmaram especialistas consultados pelo O Convergente. A medida é de autoria do deputado estadual Carlinhos Bessa (PV).
Para a psicóloga especialista em comportamento infatojuvenil, Ana Luísa Bolívar do Monte Malachias, embora o objetivo do projeto de lei seja proteger as crianças, ele traz consigo algumas reflexões e “corre o risco de transmitir uma visão limitada e preconceituosa das diferentes realidades infantis”.
“É importante pautarmos e reconhecermos que existem múltiplas infâncias. As crianças crescem em contextos diversos e todas têm o direito de ver e ter suas realidades representadas e respeitadas. Diante de tal proibição, o projeto não as protege; ele, na verdade, apaga suas vivências e promove exclusão. Isso pode causar impactos negativos, como sentimentos de rejeição e inadequação, além de aumentar o isolamento social”, analisou a psicóloga.
A advogada, palestrante e professora universitária, Denise Coelho explica que a Constituição Federal, em seu artigo 22, atribui à União a competência privativa para legislar sobre comunicação social e direito civil e que o projeto, ao interferir diretamente na veiculação de conteúdos midiáticos, “trata de uma matéria que está sob a competência exclusiva da União”.
“Isso indica uma possível invasão de competência legislativa por parte da Assembleia Legislativa do Amazonas (ALEAM), o que comprometeria a validade jurídica da lei”, explicou Denise Coelho.
“Além da questão de competência, o projeto pode estar em conflito com direitos fundamentais previstos na Constituição, como a liberdade de expressão (art. 5º, IX) e o princípio da isonomia (art. 5º, caput). A proibição de conteúdos que tratem de homossexualidade envolvendo crianças pode ser interpretada como uma forma de discriminação com base na orientação sexual, o que afronta o princípio da igualdade. Adicionalmente, a Constituição veda qualquer forma de censura prévia (art. 220, §2º), o que torna essa restrição potencialmente inconstitucional”, salientou a advogada.
O texto
O texto foi promulgado nessa quinta-feira, 17, na Assembleia Legislativa do Estado (Aleam). A propositura apresentada pelo deputado estadual Calinhos Bessa (PV) em fevereiro deste ano, mas a medida só foi votada no dia 13 de agosto e aprovada por maioria absoluta da Casa Legislativa.
Como justificativa do projeto de lei, o texto diz que as crianças não podem ser envolvidas em temas polêmicos. “O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA confirma isso, protegendo as crianças de se encontrarem em situação de manipulação ou exploração”, justifica o deputado Carlinhos Bessa, em trecho do texto.
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Para o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente do Amazonas (CEDCA-AM), a lei é problemática e discriminatória. O CEDCA-AM se manifestou nessa quinta-feira, 17, em nota enviada ao Convergente, contra o Projeto de Lei. Para o órgão, ao focar apenas neste grupo de crianças, a proposta ignora a realidade da exploração e exposição indevida de crianças em diferentes contextos e cria uma diferenciação injustificada.
Exposição
Sobre a exploração e exposição, a psicóloga Ana Luísa Bolívar do Monte Malachias salienta ao Convergente que a verdadeira proteção de crianças e adolescentes deve ser ampla e inclusiva, voltada para prevenir o uso indevido da imagem de qualquer criança, independentemente de orientação sexual ou contexto familiar.
“Ao focar apenas nas crianças ‘vinculadas à homossexualidade’, o projeto cria uma distinção injusta e alimenta o preconceito. Esse tipo de abordagem só reforça estigmas e impede que todas as infâncias sejam valorizadas em sua diversidade”, frisa.
“Cuidar das crianças de forma efetiva significa assegurar que todas possam crescer em ambientes de respeito, onde suas identidades e realidades sejam reconhecidas e respeitadas. Proteger não é silenciar. Proteger é garantir que cada criança, em sua singularidade e subjetividade, tenha o direito de ser vista, ouvida e respeitada”, reforça.
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Amparo no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
Já a advogada Denise Coelho lembra que, embora o projeto mencione a proteção de crianças, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que busca resguardar os menores contra situações de exploração, negligência e discriminação (art. 5º, ECA), o uso desse amparo não pode ser utilizado para justificar a restrição de direitos de maneira desproporcional.
“O ECA protege a dignidade e o bem-estar das crianças, mas não legitima medidas que promovam censura ou discriminação. A aplicação do ECA deve estar em consonância com os direitos fundamentais, respeitando os princípios constitucionais da liberdade e da igualdade”, argumenta.
“Com base nessas observações, o Projeto de Lei nº 8 de 2023 pode enfrentar questionamentos quanto à sua constitucionalidade, por violar a competência legislativa da União e restringir indevidamente direitos fundamentais, além de utilizar o ECA de maneira desproporcional ao justificar a proibição de conteúdos”, finaliza a advogada Denise Coelho.
Por: Bruno Pacheco
Foto: Guillaume Paumier/Flickr
Revisão: Letícia Barbosa