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sexta-feira, julho 5, 2024

Mulheres repudiam fala de promotor à advogada criminalista em Manaus: “O machismo estrutural é uma muralha quase que invisível”

A advogada criminalista Catharina Estrella foi comparada pelo promotor de Justiça, Walber Luís do Nascimento, a uma cadela

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Durante sessão nesta quarta-feira (13), no plenário do Tribunal do Júri, no Fórum Ministro Henoch da Silva Reis, na Capital, a advogada criminalista Catharina Estrella foi comparada pelo promotor de Justiça, Walber Luís do Nascimento, a uma cadela. Em meio a réplica da argumentação, o momento da fala aconteceu, sendo registrado por imagens.

Em vídeo feito por Catharina, o promotor declara, durante o discurso, a seguinte fala “compará-la, Vossa Excelência, a uma cadela, de fato é muito ofensivo, mas não a Vossa Excelência, à cadela”. Em seguida, a advogada pede pela ordem durante a sessão de julgamento.

Em coletiva, Catharina declarou: “Eu já tinha até pela manhã tentado começar a acionar a OAB pela quebra de prerrogativa de não conseguir colocar em ata o que eu precisava colocar. Foi nesse momento que eu fui muito rígida com o juiz, porque ele dizia: ‘doutora, eu não entendo pela nulidade’, e eu falei: ‘a ata não é para o senhor, a ata é para a posteridade, é para ficar registrado, não estou fazendo isso aqui para a vossa excelência entender que está certo ou errado. Eu quero registrar’. Foi então que ele me permitiu registrar o que tinha acontecido hoje”. E concluiu dizendo, “Ele queria me humilhar, me rebaixar ao me comparar com uma cadela. […] Ele queria me menosprezar no menor espaço que ele tivesse e ele não conseguiu”.

O portal O Convergente ouviu mulheres representantes do direito aqui do Amazonas que se posicionaram e repudiaram mais um caso de machismo na área de trabalho:

A empresária diretora executiva do O Convergente, pesquisadora e apresentadora do programa Debate Político Érica Lima comentou sobre o caso: “Afinal, é pela perspectiva de gênero que se entende o fato de a violência contra as mulheres emergir da questão da alteridade. Entendo que esse tipo de violência não se refere a atitudes e pensamentos de diminuir moralmente uma pessoa considerada igual ou que é vista nas mesmas condições de existência e valor, mas isso ocorre pela motivação das expressões de desigualdades baseadas na condição de sexo, a qual começa no núcleo familiar, onde as relações de gênero se constituem na configuração de relações hierárquicas e se estende em todas as outras esferas sistêmicas desse projeto societário machista, patriarcal e misógino.”

A acadêmica de direito e jornalismo, COO do Portal Manaós e do O Convergente Letícia Barbosa declarou: “O machismo estrutural é uma muralha quase que invisível, a violência de gênero é cometida no nosso dia a dia de forma tão disfarçada que somente, em casos escabrosos como esse, é que abrimos nossos olhos, deixo o questionamento para os nossos leitores: será que o promotor de justiça teria feito a mesma associação se fosse um advogado homem? Além das mulheres advogadas enfrentarem os desafios de lutar pelos direitos dos outros, também devem seguir lutando incansavelmente pela igualdade de gênero, apesar de não ser mais cabível o olhar da mulher no mundo jurídico como ‘pioneiras’ ou ‘exceções’, as mulheres são uma força crescente e que cada vez mais se encontram preparadas para quebrar as barreiras do patriarcado sistêmico que por enquanto persiste.”

Delegada titular da Delegacia Especializada em Crimes Contra a Mulher, Débora Mafra disse: “Eu, como mulher e também como Delegada da Mulher, fico assustada com um pronunciamento de um operador do direito contra uma mulher, a qual é advogada! É lamentável, pois o agressor é estudado e sabe que o respeito está acima de tudo, principalmente na profissão. Senti a dor desta advogada e sei que todas nós mulheres acabamos nos sentindo ofendidas com este pronunciamento. Por isso, mulheres, nossa luta ainda não cessou no combate à violência à mulher, precisamos ainda, mesmo ainda sendo violentadas em todos os sentidos, conscientizar a sociedade sobre este tema, pois não é com violência que se vence e que nós mulheres não queremos mais ser vítimas em todos os lugares. Vamos. Queremos o respeito que merecemos. Nossa total solidariedade a esta nobre advogada”.

A acadêmica de direito Crislane Medeiros, Coordenadora do movimento Mulheres em conexão e membro do INAO-AM  afirmou: “Pessoas assim como esse promotor falam tanto que não é machismo, mas a fala machista dele de primeiro momento tenta “mascarar” sua ignorância e machismo, contando toda uma historinha. No final, ele mostra que o pensamento dele é justamente ofender e diminuir, e não por compará-la a uma cadela, porque ele poderia usar qualquer outra coisa, animal ou não, mas a intenção era querer diminui-la tanto, ao ponto de a advogada sentir-se “pior que uma cadela”, por que o que de pior um animal inocente pode ter? Nada! Mas, de forma geral, a intenção dele era simplesmente ofender, não importa com quem ou qual animal ou coisa ele a comparasse. Muitas mulheres temem ser chamadas de feministas, quando usam de alguma fala um pouco mais autoritária para defender-se. A sociedade machista não aceita a voz da mulher mais alta que a deles! E todas nós que, de certa forma, corremos atrás e lutamos por nossos sonhos, nosso lugar, já estamos lutando para não ser minoria em um espaço em que nós também podemos estar, já estamos combatendo o machismo e isso dói na cabeça dessa sociedade doente por esta sempre no topo, sempre foi predominante o sucesso do homem, enquanto a mulher estava em casa sendo a dona do lar! As pessoas têm que parar de achar que o machismo é o oposto de feminismo, que não é, feminismo é a desconstrução de atitudes de uma sociedade machista que, por longo e longos anos, vem tentando diminuir a mulher, fazendo comparações como essa que vimos, para tentar menosprezar e ofender.”

A advogada e Conselheira da OAB-AM e articulista do O Convergente, Amanda Praia falou: “O ocorrido no último dia 13 no plenário do Júri no Fórum Henoch Reis foi algo realmente inaceitável para nossa classe de advogados, e para todas as mulheres advogadas que constantemente sofrem esse tipo de abuso e desdém no âmbito do trabalho. Nós prestamos toda solideriedade a Dra Catharina Estrella, e já buscamos todas as medidas cabíveis para que esse ato seja devidamente penalizado. Não podemos permitir mais desrespeito as nossas prerrogativas, tendo em vista que cada vez que um advogado/advogada é desrespeitado no exercício de seu ofício, o seu cliente também é. Logo, defender as prerrogativas da advocacia, é também defender os direitos da sociedade.”

A advogada e primeira presidente da OAB-AM Grace Benayon se posicionou, nas redes sociais, dizendo: “Inaceitável e revoltante”.

Leia mais: OAB-AM repudia caso de ofensa de promotor à advogada em Manaus: “a vítima é toda a advocacia”

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Por July Barbosa

Revisão textual: Vanessa Santos

Foto: Divulgação / Ilustração: Marcus Reis

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