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quinta-feira, novembro 21, 2024

Pesquisa mostra como agrupamentos familiares no Acre ditam a política

Entre as famílias citadas no estudo está a do governador do Acre Gladson Cameli (PP), as famílias Melo, Hassem, entre outras.

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Um estudo realizado pelo Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia Legal e divulgado em setembro do ano passado mostra como a manutenção do poder político e eleitoral Acre são ditados nas mãos de agrupamentos familiares.

O estudo foi feito pelos pesquisadores Luci Maria Teston, Ermício Sena, Manoel Valdemiro F. Rocha, Rosa Indira Alves que mapearam a biografia política dos políticos através de cinco regiões: Região do Baixo Acre, do Juruá, do Purus, do Alto Acre e de Tarauacá-Envira. Entre as famílias citadas no estudo está a do governador do Acre Gladson Cameli (PP), as famílias Melo, Hassem, entre outras.

 

Região do Baixo Acre: a capital Rio Branco e as famílias Melo, Bestene e Viana

Um dos exemplos mais paradigmáticos de manutenção do poder político e eleitoral por meio de famílias é na capital, Rio Branco. Destacam-se três famílias no maior colégio eleitoral do estado: Melo, Bestene e Viana.

A família Melo tinha no seu patriarca Raimundo Hermínio de Melo (MDB) a maior liderança, sendo eleito deputado estadual por cinco legislaturas ininterruptas (1967-1987), correspondendo a 20 anos de mandato. Seu herdeiro político, Flaviano Melo, foi nomeado pelo governador Nabor Junior à prefeitura de Rio Branco por meio do grupo político de seu pai, o MDB. Em 1982 o partido comandava o governo do Estado.

Após a nomeação ao cargo de prefeito, Flaviano foi eleito governador (1987-1990), senador (1991-1998), prefeito de Rio Branco (2001-2002), deputado federal por dois mandatos (2007- 2014) e eleito novamente para a atual legislatura na Câmara Federal (2019-2022). Nestas eleições concorre novamente a uma vaga para deputado federal. Ao todo são 40 anos de vida pública.

O irmão de Flaviano, José Melo, foi deputado federal por duas legislaturas (1983-1990). Esse é um caso de família que vem obtendo sucesso nas urnas e continua, por meio de Flaviano Melo, exercendo forte influência política no partido que sempre lhes deu sustentação, o MDB.

Outro caso de sucesso em termos de manutenção de poder é a família Bestene. A influência teve início a partir do médico Félix Bestene (PDS), eleito por duas legislaturas para a Assembleia Legislativa do Acre (1979-1986). O seu sobrinho e herdeiro político, José Bestene, foi funcionário não concursado do extinto Banco do Estado do Acre (Banacre).

Com a eleição de Jorge Kalume para a prefeitura de Rio Branco em 1988, o “afilhado político” José Bestene foi convidado para assumir a secretaria de finanças da prefeitura da capital e, a partir de então fez carreira política, sendo eleito em quatro oportunidades deputado estadual, chegando a ser presidente da Assembleia Legislativa. Nestas eleições disputa novamente uma vaga de deputado na Assembleia Legislativa.

José Bestene também assumiu cargos em vários governos, inclusive no governo de Binho Marques (PT). Sua irmã, a professora aposentada Nabiha Bestene, já foi vereadora de Rio Branco (1989-1992), secretária estadual de apoio aos municípios do Acre (1993-1994), diretora financeira da extinta Companhia de Eletricidade do Acre (1995-1997), delegada regional do trabalho DRT/Acre (2001-2003) e atualmente é secretária municipal de educação de Rio Branco.

Alisson Bestene, sobrinho de José Bestene, foi vereador de Rio Branco (2009-2012), secretário estadual de Saúde (2019-2021), secretário de Assuntos Estratégicos do Governo (2021-2022) e chegou a ser cotado para ser vice-governador na chapa de Gladson Cameli (PP) nestas eleições. O filho de José Bestene, Samir Bestene, é vereador em Rio Branco e nas eleições deste ano concorre a uma cadeia na Câmara dos Deputados.

Já a família Viana tinha no patriarca Wildy Viana (PDS) sua maior liderança, iniciando a vida pública como vereador de Rio Branco de 1963 a 1967. Em 1966 foi eleito presidente da Câmara de Vereadores e com a cassação do prefeito Aníbal Miranda naquele ano, assumiu a prefeitura até julho, quando pediu afastamento do cargo para concorrer a uma cadeira de deputado estadual, sendo eleito por três legislaturas consecutivas (1967-1978).

Em 1978 foi eleito deputado federal, ano em que seu cunhado, Joaquim Falcão Macedo, foi eleito governador do Acre pelo Colégio Eleitoral. Foi reeleito para deputado federal na legislatura seguinte, em 1982, e após este mandato não concorreu mais a nenhum cargo e encerrou sua carreira política. Após alguns anos seus filhos, o engenheiro florestal Jorge Viana e o médico Tião Viana passaram a disputar cargos majoritários no Acre.

Jorge Viana (PT) concorreu à primeira eleição em 1990, sendo derrotado no segundo turno por Edmundo Pinto (PDS). Porém, dois anos depois, foi eleito prefeito de Rio Branco (1993-1996). Em 1998 foi candidato ao governo do Acre, sendo eleito no primeiro turno, reelegendo-se em 2002. No pleito de outubro de 2010 foi eleito senador pelo Acre (2011-2018).

Seu irmão, Tião Viana (PT), também não obteve sucesso em sua primeira disputa ao governo do Estado em 1994. Em 1998, ano em seu irmão foi eleito governador, conquistou uma vaga no senado, sendo reeleito em 2006. Em 2010 deixou o mandato de senador e candidatou-se ao governo do estado, elegendo-se em primeiro turno e reelegendo-se em 2014.

Os irmãos Viana foram militantes ativos do movimento estudantil na década de 1980. Outro traço de sua trajetória foram as atividades extrapartidárias. Jorge Viana envolveu-se com a assessoria aos movimentos ambientalistas junto com líderes como Chico Mendes e Marina Silva. Tião Viana esteve assessorando entidades de combate a doenças, como o Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan). Nestas eleições Jorge Viana disputa o governo do Estado e Tião Viana não concorre a cargos eletivos.

 

Região do Juruá: o município de Cruzeiro do Sul e as famílias Cameli e Sales

Segundo maior colégio eleitoral do estado, o município de Cruzeiro do Sul é marcado pela atuação de famílias que a gerações se revezam nas esferas do poder municipal, estadual e federal: os Cameli e os Sales.

Empresários bem-sucedidos integram a família Cameli. A história familiar na política inicia com Orleir Messias Cameli, ex-prefeito de Cruzeiro do Sul (1993 a 1994) e ex-governador do Estado (1995-1998).

César Messias, primo de Orleir Cameli, foi deputado estadual por três legislaturas (1991-2002). Também foi secretário de estado no governo de Orleir (1997-1998), prefeito de Cruzeiro do Sul (2000-2004), vice-governador na chapa do petista Binho Marques em 2006, vice-governador na chapa do também petista Tião Viana em 2010 e em 2014 foi eleito deputado federal.

Atualmente, a família Cameli é representada pelo governador do estado, Gladson Cameli, eleito em 2018 no primeiro turno. Gladson, que já foi deputado federal por dois mandatos (2007-2014) e senador (2015-2019), concorre à reeleição neste ano.

Apesar de não ser parente consanguíneo da família Cameli, o atual presidente da Assembleia Legislativa do Estado, Nicolau Junior (PP) é cunhado do governador Gladson Cameli e já está na segunda legislatura, tendo sido eleito pela primeira vez em 2014.

Outra família que se reveza no poder por meio do voto na cidade de Cruzeiro do Sul é a família Sales. O patriarca, Vagner Sales, foi deputado estadual por quatro legislaturas consecutivas (1987-2002), correspondendo a 16 anos de mandato. A partir de 2002 passa a concorrer ao parlamento estadual sua esposa, Antônia Rojas Sales, sendo eleita deste então (2003-2022) e, neste ano, novamente disputa uma vaga no parlamento estadual. Juntando o mandato do casal, são 32 anos de ocupação de espaços de poder político no estado.

Vagner Sales também foi prefeito de Cruzeiro do Sul em 2008, sendo reeleito em 2012. A filha do casal Sales, a médica Jéssica Sales, foi eleita deputada federal nas últimas duas legislaturas (2015-2022) e nestas eleições novamente busca uma cadeira na Câmara dos Deputados.

 

Região do Purus: o município de Sena Madureira e as famílias Serafim e Diniz

Terceiro maior colégio eleitoral do Acre, o município de Sena Madureira assume importância na definição do quadro político no Estado. Nos últimos 20 anos existe uma grande volatilidade de famílias com proeminência política na cidade do ponto de vista eleitoral. A despeito da volatilidade do poder entre famílias ser grande, os marcadores familiares se assemelham a outras cidades do estado.

Mesmo aquelas famílias mais recentes na política configuram um cenário marcado pela sucessão de parentes próximos, na maioria das vezes se utilizando do capital político de um determinado cargo para indicar um outro parente para concorrer a um cargo em outra esfera.

O exemplo mais recente é o da família Serafim, representada pelo atual prefeito de Sena Madureira, Mazinho Serafim, que chegou ao município para empreender na área extrativista e em poucos anos foi eleito deputado estadual pelo PT (2007-2010). Entretanto, depois de seu mandato, saiu da agremiação, mostrando a inconsistência ideológica das famílias com atuação na região.

Sua irmã, Marileide Serafim, foi eleita deputada estadual pelo PMN (2011-2014) e sua esposa, Meire Serafim, pelo MDB (2019-2022) obtendo o maior número de votos nominais nas eleições de 2018. Atualmente, Mazinho Serafim é prefeito reeleito da cidade de Sena Madureira e sua esposa busca uma vaga na Câmara Federal pelo União Brasil.

Outra família que se destaca no jogo político de Sena Madureira é a família Diniz. Gilberto Diniz foi eleito deputado estadual em duas legislaturas (2007-2014). Seu primo, Gerlen Diniz é deputado estadual reeleito e nestas eleições busca uma cadeira na Câmara dos Deputados.

 

Região do Alto Acre: o município de Brasileia e as famílias Hassem e Moreira

Sexto maior colégio eleitoral do estado, Brasileia apresentam peculiaridades em relação às famílias tradicionais. Nesta região a disputa entre o capital e o trabalho na década de 1970 e 1980 permitiu que um movimento de trabalhadores organizados em torno dos Sindicatos de Trabalhadores Rurais, com o apoio da Igreja Católica, se firmasse enquanto alternativa política às famílias tradicionais.

É nesse cenário que a população do município de Xapuri, por exemplo, elegeu e reelegeu o primeiro prefeito seringueiro do Estado, Júlio Barbosa (1997-2004), elegeu Ronald Polanco a deputado estadual por três legislaturas (1995-2006) e elegeu o militante do PT Ubiracy Vasconcelos a prefeito em três eleições.

Entretanto, quando se observa com maior profundidade os municípios situados na região encontramos uma situação de movimentos políticos estratégicos de famílias, a exemplo das famílias Hassem e Moreira.

A família Moreira iniciou a vida pública com Leila Galvão Moreira sendo vereadora pelo PMDB e, depois, migrar para o PT nos anos 2000, sendo vice-prefeita na chapa vitoriosa do partido naquele ano. Em 2004 é eleita e em 2008 reeleita prefeita de Brasiléia pelo PT. Em 2010, seu cunhado, Astério Moreira, conquista uma cadeira na Assembleia pelo PRP, aliado nas eleições estaduais com o PT.

Em 2014 Leila é eleita deputada estadual pelo PT, candidatando-se à reeleição em 2018, não obtendo êxito na disputa. Em 2020, com o PT fora do governo, retorna ao agora MDB e candidata-se à prefeita de Brasiléia, concorrendo contra o PT. Acaba perdendo a eleição para Fernanda Hassem, membro integrante de outra família tradicional na política: a família Hassem.

Fernanda Hassem foi secretária municipal da prefeitura de Brasileia na gestão de Leila Galvão, sendo guinada à condição de candidata do PT à prefeita em duas ocasiões (2016 e 2020) conquistando a vitória nas disputas. A família Hassem também atua no município vizinho, Epitaciolândia, com parentes já tendo exercido mandatos de prefeito municipal e de deputado estadual.

Recentemente, Fernanda Hassem fez movimentos indicando um rompimento com o PT, em um processo político que se assemelha ao observado em relação à Leila Galvão. Supõe-se, neste sentido, que algumas famílias tradicionais adotam estratégias de sobrevivência que consideram alianças aos grupos políticos ligados aos partidos que ocupam espaços de poder.

 

Região de Tarauacá-Envira: os municípios de Feijó e Tarauacá e as famílias Magalhães e Damasceno

A região, que engloba os municípios de Feijó, Tarauacá e Jordão, tem uma história política recente de volatilidade do voto às famílias e de estratégias de sobrevivência que incluem mudanças de grupo político para a manutenção de poder e, em alguns casos, até mesmo de insucesso na manutenção de poder político-eleitoral.

É o caso da família Magalhães, que iniciou sua trajetória política em Feijó ainda no período da ditadura, na década de 1960, com Romildo Magalhães, seu principal expoente. De 1966 a 1979 Romildo exerceu três mandatos de vereador na cidade. Em 1979 foi nomeado pelo presidente João Figueiredo para prefeito do município de Feijó, exercendo o mandato até 1982.

Foi eleito deputado estadual por duas Legislaturas (1983-1990). Em 1990 foi eleito vice-governador na chapa de Edmundo Pinto, o qual veio a falecer no ano de 1992. A partir da morte de Edmundo, assume o mandato de governador, exercendo a função até 1 de janeiro de 1995.

O sobrinho de Romildo Magalhaes, Peninha, foi eleito vereador na capital Rio Branco e seu irmão Carlos Airton foi, por diversas vezes, secretário na prefeitura de Rio Branco, assim como no governo do Estado, sendo eleito deputado federal em 1994.

Com essa trajetória, poderia se supor que a família Magalhães tivesse acumulado poder e ainda mantivesse um capital político. Apesar da morte precoce de um dos sobrinhos do maior líder da família, Carlos Airton, as várias tentativas dos demais membros para voltar à cena política como protagonistas mostraram-se infrutíferas. Esta constatação demonstra a efemeridade de algumas famílias e seus grupos políticos no estado do Acre.

Apesar do fracasso de uma família tradicional da política no município de Feijó, uma família da cidade de Tarauacá construiu uma estratégia bem-sucedida de acumulação de poder a partir da união com um grupo político que não era originalmente o seu. Trata-se da família Damasceno, com alguns membros atuando e sendo bem-sucedidos na iniciativa privada e outros dedicando-se à disputa político-eleitoral.

O exemplo mais candente dessa estratégia deu-se recentemente com o jovem médico Rodrigo Damasceno, eleito duas vezes prefeito de Tarauacá. Seu tio, Benê Damasceno, foi eleito deputado estadual (1995-1998) e atualmente está em seu segundo mandato de prefeito da cidade de Porto Acre (2017-2024).

Rodrigo Damasceno usou de um artifício bastante utilizado pelas famílias tradicionais na política no Acre, o de migrar com seus membros para o grupo que está no poder. Seu mandato de prefeito foi conquistado no PT, que naquele momento detinha o governo do Estado. O político pôde se utilizar do recall da imagem dos líderes da Frente Popular do Acre, que liderou a política no estado por 20 anos. Após a débâcle dessa frente de partidos, migrou para o PSDB.

 

Sobre a pesquisa e o laboratório

O laboratório foi criado em outubro de 2021 sob a coordenação geral do pesquisador e professor Dr. Fabiano Santos, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ), do vice coordenador geral, pesquisador e professor Dr. Ivan Silva, da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP) e de um comitê gestor formando por pesquisadores e pesquisadoras vinculados às universidades situadas na Amazônia Legal:

  • Acre: Profa. Dra. Luci Maria Teston, da Universidade Federal do Acre (UFAC);
  • Amapá: Prof. Dr. Ivan Silva, da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP);
  • Amazonas: Profa. Dra. Marilene Freitas e Prof. Dr. Ludolf Waldmann Júnior, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM);
  • Maranhão: Profa. Dra. Arleth Borges, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA);
  • Mato Grosso:  Prof. Dr. Raimundo França, da Universidade Estadual do Mato Grosso (UNEMAT);
  • Pará: Prof. Dr. Carlos Souza e Prof. Dr. Rodrigo Santos, da Universidade Federal do Pará (UFPA);
  • Rondônia: Prof. Dr. João Paulo Viana, da Universidade Federal de Rondônia (UNIR);
  • Roraima: Prof. Dr. Roberto Ramos Santos, da Universidade Federal de Roraima (UFRR);
  • Tocantins: Profa. Dra. Cynthia Miranda, da Universidade Federal do Tocantins (UFT).

Para conferir o estudo completo clique aqui.

Leia mais: https://oconvergente.com.br/2023/05/29/estudo-mostra-hegemonia-nos-lacos-familiares-na-politica-do-para-entre-eles-a-dos-barbalhos/

 

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Texto: Hector Santana, com informações do estudo

Arte: Marcus Reis

 

 

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