Em 19 de abril é celebrado o Dia dos Povos Indígenas, historicamente a comemoração foi instituída no Brasil durante o governo Vargas como o Dia do Índio, mas em 2022 o seu nome foi mudado para Dia dos Povos Indígenas. Neste dia, muitas escolas, entidades e diversos grupos indígenas realizam eventos a fim de reafirmar a importância da cultura indígena na formação do povo brasileiro.
É claro que devemos muito aos nossos índios, e precisamos deixá-los em paz. A questão é como fazer isso. Certamente não é devolvendo-os a um isolamento que nunca conheceram, pois nós somos apenas mais um dos outros povos com que cada povo indígena manteve contato ao longo da história, seja através de trocas amistosas, seja de forma bélica. Por outro lado, não somos “apenas” mais um povo; nossa tecnologia nos faz especialmente perigosos e ao longo desses 500 anos, a história não tem sido fácil para os índios, que tiveram que lutar para sobreviver a epidemias, guerras, escravidão, aldeamentos e esforços de integração à população nacional ¾ e foram poucos os que conseguiram. Como, então, sem isolá-los, mantendo-os em uma redoma de vidro, podemos contribuir para sua sobrevivência física e cultural?
A questão da sobrevivência física impõe iniciativas objetivas: atendimento médico; garantia de território; punições a práticas de genocídio. Já a sobrevivência cultural apresenta problemas de outro tipo, sendo que o primeiro é defini-la. Para tanto, propõe-se, nesse artigo, fazer uma reflexão do que se entende por “cultura” e “tradição” e, portanto, por sobrevivência cultural.
Nova denominação
O 19 de abril, passa a ser chamado oficialmente de Dia dos Povos Indígenas. É o que define a Lei 14.402/22, que foi promulgada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. A mudança do nome da celebração tem o objetivo de explicitar a diversidade das culturas dos povos originários. A nova lei é oriunda do Projeto de Lei 5466/19, da deputada Joenia Wapichana (Rede-RR), aprovado pela Câmara dos Deputados em 2022.
Para Joenia Wapichana, a intenção ao renomear a data é ressaltar, de forma simbólica, não o valor do indivíduo estigmatizado “índio”, mas o valor dos povos indígenas para a sociedade brasileira. “O propósito é reconhecer o direito desses povos de, mantendo e fortalecendo suas identidades, línguas e religiões, assumir tanto o controle de suas próprias instituições e formas de vida quanto de seu desenvolvimento econômico”, afirmou a deputada quando o texto foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara.
O termo “índio” passou a ser questionado pelos povos indígenas, por compreenderem que ele não representaria a pluralidade das etnias existentes no país na época da chegada dos colonizadores. O termo “indígena”, considerado mais adequado, significa aquele que é natural do lugar em que habita.
Questão histórica
A análise do processo histórico da luta e conquista dos direitos dos povos indígenas à terras na sociabilidade capitalista exige uma breve caracterização da relação entre instâncias de poder e povos originários na nossa formação social brasileira. A histórica questão fundiária indígena envolve diversas problemáticas quanto ao acesso e uso da terra: violências sofridas por indígenas em conflitos diretos com a classe burguesa de ruralistas, donos do agronegócio acarretando consequências nefastas para os povos que ainda vivem no campo.
A invasão, ocupação e exploração do solo brasileiro foram e são determinantes para as transformações radicais que os povos originários passam no decorrer de cinco séculos. Um longo processo de devastação física e cultural eliminou grupos gigantescos e inúmeras etnias indígenas, especialmente através do rompimento histórico entre os índios e a terra. Por dentro da tradição da teoria social crítica, podemos captar elementos teórico-metodológicos muito significativos para a análise do processo histórico social vivido por esses povos e apreender a teia contemporânea de ameaças à própria continuidade da existência da vida indígena e sua possibilidade de autodeterminação e auto-organização.
Destaca-se a importância de reconhecer as mudanças que ocorrem com a interação real entre a vida indígena no campo brasileiro (marcada por elementos singulares de ruralidade) e o compartilhamento de diversos elementos próprios da vida tipicamente capitalista em algumas regiões brasileiras (os processos de proletarização e assalariamento indígena, incorporação de tecnologia na vida cotidiana e na organização do trabalho).
Esse destaque tem o intuito de enfatizar a necessidade da superação de um pensamento evolucionista que defende a integração e a assimilação obrigatória dos povos indígenas ao modo de vida tipicamente capitalista na expectativa do apagamento étnico. As formas específicas de organização social estão presentes em elementos que dão unidade inter e intraétnica de diversas expressões da cultura do trabalho, organização econômica, social e vivências espirituais.
Após quase 80 anos depois da criação do “dia do índio”, lideranças importantes destes povos questionaram o significado da data e responsabilizaram o antigo termo utilizado por perpetuar estereótipos e até mesmo violências contra essa parcela da população. Então que fique bem claro, agora como oficialmente um direito constitucional, 19 de abril de 2023 marca o primeiro Dia dos Povos Indígenas.
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Por July Barbosa com informações dor artigos: Culturas em transformação: Os índios e a civilização de Clarice Cohn; Povos indígenas e o direito à terra na realidade brasileira de Elizângela Cardoso e Câmara dos Deputados
Foto / Ilustração: Marcus Reis