O Ministério do Desenvolvimento Regional criou um grupo para avaliar documentos internos da pasta e eventualmente classificá-los como sigilosos, após um mês da determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) para que o governo dê ampla transparência à execução das emendas de relator, base do orçamento secreto. A comissão terá papel de orientar quais informações não poderão ser divulgadas. Entre os documentos gerados e mantidos pela pasta, pedidos e despachos sobre direcionamento de verbas bilionárias para bases eleitorais de parlamentares.
O histórico da pasta e do governo, com negativas de acesso a documentos em que parlamentares direcionaram recursos do orçamento secreto, preocupa especialistas. Eles apontam que o grupo criado pelo ministério de Rogério Marinho terá o poder de facilitar ou dificultar o acesso a informações de interesse público.
O Ministério do Desenvolvimento foi responsável por liberar recursos do orçamento secreto, estratégia montada pelo governo de Jair Bolsonaro para destinar bilhões de reais a um grupo de parlamentares em troca de apoio no Congresso. No ano passado, a pasta chegou a suspender contratos para a compra de máquinas agrícolas a pedido de deputados e senadores após a Controladoria-Geral da União (CGU) apontar sobrepreço de R$ 142 milhões. O ministério dizia não ter registro dos direcionamentos, mas a reportagem teve acesso e publicou ofícios e planilhas.
A chamada Comissão Permanente de Avaliação de Documentos Sigilosos (CPAD) é prevista pela legislação desde o decreto que regulamentou a Lei de Acesso à Informação (LAI), em 2012. Outros ministérios e autarquias, como Agricultura, Relações Exteriores, Justiça e Controladoria-Geral da União (CGU), já haviam instituído suas respectivas comissões no passado.
De acordo com a portaria da pasta de Marinho, a presidência da comissão caberá ao ouvidor do ministério, função exercida pelo servidor Pedro Batelli. Representantes das secretarias do ministério também serão membros.
O diretor executivo da ONG Transparência, Manoel Galdino, vê com ressalvas a iniciativa. Ele destaca que um decreto do governo Bolsonaro, de 2019, já havia ampliado o leque de servidores com poder para classificar informações como secretas ou ultrassecretas. Agora, a comissão, presidida pelo ouvidor, pode ampliar o que já tinha sido considerado um retrocesso em termos de transparência.
“A norma está atribuindo a uma série de servidores públicos o poder de revisar a classificação de informações. Pelo decreto que regulamenta a LAI, só podem classificar informações como ultrassecretas e secretas os ministros de estados e chefes de autarquias e estatais. Não pode ter uma comissão presidida pelo ouvidor do órgão ajudando ou determinando como deve ser essa classificação de informações”, afirmou.
O advogado Walter Capanema, professor de Direito digital e diretor da Smart3, também faz ressalvas ao fato de o ouvidor presidir a comissão. Ele destaca ainda que a portaria menciona a aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Embora aplicável à esfera pública, a norma costuma ser usada como justificativa para negar documentos de caráter público.
“Essa comissão, no papel, parece buscar a transparência e a publicidade que a Constituição exige. Contudo, é preciso ver, na prática, se efetivamente os deveres ali estabelecidos serão executados e cumpridos”, disse.
A falta de transparência sobre documentos que comprovaram a liberação de verbas para aliados por critério político criou constrangimento e pressão judicial sobre a pasta. Após o Estadão revelar o esquema do orçamento secreto, Marinho e o presidente Jair Bolsonaro disseram que tudo era público e poderia ser consultado no site do ministério. Meses depois, a pasta admitiu que não era verdade e reconheceu que os documentos não estavam disponíveis.
Procurado pela reportagem, o ministério de Marinho informou que documentos relacionados à execução de emendas de relator não poderão ser classificados pela nova comissão. Além disso, negou que a criação do colegiado tenha relação com decisões do STF. Seria somente uma “atualização” de portaria que existia na época do extinto Ministério da Integração Nacional. Também frisou que a transparência da execução das emendas de relator se dará conforme o decreto de Bolsonaro, de dezembro, que estabeleceu regras específicas. O ministério também informou, em nota, que o colegiado é “mais um instrumento de governança” e que servirá para “apoio aos gestores e dirigentes quanto aos melhores procedimentos no tratamento de informações classificadas”.
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Da Redação com informações do Estadão
Foto: Dida Sampaio/Estadão