A menos de quatro meses da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), prevista para ocorrer entre 10 e 21 de novembro em Belém, no Pará, o evento já soma gastos superiores a R$ 4,8 bilhões. O investimento, que segundo autoridades tem como objetivo promover melhorias estruturais na capital paraense, é alvo de críticas de especialistas e da comunidade internacional devido ao contraste entre o custo e a realidade social da cidade.
Enquanto o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) celebra o evento como um marco para a Amazônia, a população local segue enfrentando problemas históricos, com promessas de revitalização e saneamento.
No governo do Pará, o governador Helder Barbalho (MDB) também tem papel central nesse cenário. Apesar das promessas de obras estruturantes, a crise na oferta de hospedagem para o evento gerou repercussão negativa internacional, com mais de 25 países já afirmando que não irão participar devido aos valores exorbitantes das diárias, que chegam a mais de R$ 6 mil reais.

A Defensoria Pública do Pará teve que intervir para notificar plataformas de hospedagem por anúncios abusivos, uma mostra clara do descontrole e da falta de planejamento local.
O especialista Helso Ribeiro, ouvido por O Convergente, avalia que a COP30 repete um padrão histórico de grandes eventos no Brasil, nos quais obras necessárias acabam sendo executadas às pressas, com risco de superfaturamento, maquiagem e inacabadas. “São obras que deveriam ter sido feitas historicamente, porque são necessárias. Mas, às vezes, pela pressa para finalizar, acabam superfaturando essas obras, sobrando muitas inacabadas; outras ficam acabadas mas com muita maquiagem”, explicou.
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Ele reforça que essa realidade não é exclusiva do Pará: “Não é para poupar o Pará, porque isso ocorre em todos os lugares do Brasil. Parece que, quando os eventos saem do eixo Rio e São Paulo e vêm principalmente para o Norte do Brasil, essa visibilidade se torna maior.”
Sobre o boicote de vários países causado pelos altos preços das hospedagens, Helso ressalta a dimensão do problema para a imagem do Brasil: “No Brasil, parece que muitos donos de hotéis veem o evento como a última oportunidade de ganhar, e acabam cobrando dez vezes mais que o preço normal. Isso é lastimável para o nosso turismo e para a nossa imagem.”
Apesar do boicote, ele acredita que o Brasil não perderá seu protagonismo nas discussões ambientais globais, mas alerta para os danos à credibilidade do país: “Eu diria que essa situação não fará o Brasil deixar de ser protagonista, porque principalmente a região amazônica, o Pantanal e a Mata Atlântica são focos mundiais. Mas o país perde credibilidade. Isso afasta turistas.”
Em relação às críticas de que os investimentos seriam apenas uma maquiagem para impressionar visitantes estrangeiros, Helso pondera sobre as reais necessidades da região Norte: “Boa parte das obras que estão sendo feitas para a COP30 são estruturais. Lamentamos que pareça que só estão sendo feitas porque mais de 100 países virão. Essas obras são fruto de uma carência muito grande da região — no caso, Belém do Pará.”
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Ribeiro também alerta para os riscos ligados à pressa na execução: “Muitas vezes, os gastos acabam se multiplicando porque chegam em cima da hora; o que não foi feito antes acaba sendo superfaturado para terminar a tempo. Eu adoraria que as obras fossem concluídas, mas muitas vezes são deixadas de lado. O dinheiro destinado acaba e o Estado fica órfão daquela obra, que não foi concluída no prazo.”

Por fim, Helso destaca os desafios estruturais históricos do Norte que persistirão mesmo após o evento: “Acredito que, independentemente do investimento feito, nos próximos 10 anos a região Norte continuará com carências estruturais graves de várias frentes: como os igarapés são tratados; o déficit habitacional; a saúde pública; todas precisam de verba.”
“No Amazonas, por exemplo, até pouco tempo atrás não havia nenhuma UTI no interior; só agora estão saindo as primeiras. Por isso, quando se vê qualquer gasto do governo em obras, na região Norte sempre haverá a reclamação de que o dinheiro poderia estar sendo aplicado em saúde ou outras áreas essenciais. Essas reclamações sempre existirão porque é a região mais carente do Brasil”, concluiu Helso Ribeiro.
Além do boicote motivado pelos preços, a COP30 também virou palco para embates políticos. Vereadores de Belém aprovaram, na semana passada, uma moção declarando Donald Trump persona non grata na cidade, em reação às tarifas impostas pelo ex-presidente norte-americano, que incluem um aumento de 50% sobre produtos brasileiros e devido ao fato do mandatário já ter confirmado que não participará do evento.
Maquiagem ou transformação estrutural?
A diretora socioambiental do BNDES, Tereza Campello, rebateu as críticas de que os investimentos para a COP30 seriam apenas uma “maquiagem” para impressionar visitantes estrangeiros. Segundo ela, as obras financiadas pelo banco beneficiarão 500 mil pessoas que vivem em áreas de risco e sujeitas a alagamentos, e a maioria não está localizada nas rotas turísticas do evento.
“Não estamos fazendo isso para maquiar Belém. São obras estruturais, super estratégicas”, afirmou Campello durante o seminário A Transição Energética e a Sustentabilidade do Futuro, no Rio de Janeiro.
“Todas as nossas intervenções estão fora das áreas onde os turistas vão passar, provavelmente ninguém vai ver as obras que estamos fazendo. Belém vai deixar de ter 500 mil pessoas que vivem em situação de risco”, disse a diretora.
Com a aproximação da conferência, cresce a pressão para que os organizadores e autoridades estaduais apresentem soluções concretas para o impasse das hospedagens e garantam que os bilhões investidos realmente se traduzam em benefícios duradouros para a população de Belém.
Outro lado
O portal O Convergente entrou em contato com a assessoria de comunicação do Governo do Pará para solicitar um posicionamento oficial sobre as críticas referentes aos gastos, à crise nas hospedagens e aos impactos sociais do evento. Até a publicação desta reportagem, não houve retorno por parte das autoridades estaduais.
Por: Bruno Pacheco
Ilustração: Gabriel Torres
Revisão Jurídica: Letícia Barbosa