Os vereadores da 18ª legislatura da Câmara Municipal de Manaus (CMM) receberam, juntos, durante o período de janeiro de 2021 a dezembro de 2024, mais de R$ 52,5 milhões da Cota Para o Exercício Parlamentar (Ceap), mais conhecida como Cotão.
A Ceap iniciou em 2021 com o valor de R$ 18 mil, e, em 2022 foi ajustado para R$ 33.085,85, mesmo com muita polêmica e processo judicial envolvendo o tema, o reajuste foi mantido pela Justiça do Amazonas.
O levantamento dos dados foi feito pelo Portal O Convergente, entre os dias 2 a 10 de fevereiro, por meio do Portal da Transparência da Casa Legislativa, que é público e pode ser acessado pelo link: (https://www.cmm.am.gov.br/transparencia/cotas-ceap).
A somatória total de gastos com o cotão realizado pelos parlamentares, entre 2021 a 2024, é de R$ 52.758.752,62 (cinquenta e dois milhões e setecentos e cinquenta e oito mil e setecentos e cinquenta e dois reais e sessenta e dois centavos). No primeiro ano do mandato, em 2021, o valor utilizado foi de R$ 8.394.083,58; em 2022, o total foi R$ 13.636.897,09; em 2023, o valor utilizado do Cotão foi de R$ 15.376.451,13. Já em 2024, os parlamentares usaram R$ 15.351.320,82.
O Cotão é pago aos parlamentares para aluguel de veículos, pagamento de combustíveis, telefonia; divulgação da atividade parlamentar, dentre outros. Ele não é cumulativo, ficando saldo de um ano para o outro, tendo que ser utilizado dentro do prazo de 12 meses ou não necessariamente precisa usar sua totalidade neste prazo.
Legislação sem “ousadia e sem propostas”
Para o cientista político e advogado, Carlos Santiago, o uso exacerbado com o Cotão não é proporcional ao trabalho legislativo desempenhado pelos parlamentares da 18ª legislatura (2021-2024), ao qual o especialista considera que faltou “ousadia” dos vereadores para fiscalizar os atos do Poder Executivo, além de se ocuparem com pautas nada relevantes para a sociedade manauara.
“A legislatura anterior foi conservadora e governista. Ela se dividiu em apoio ao governador e ao prefeito, sem, na sua maioria, ousadia para fiscalizar a administração municipal e indo, inclusive, contra um dos princípios constitucionais do Poder Legislativo, que é fiscalizar os atos do chefe do Poder Executivo. Se perderam em pautas de costumes, essas que não melhoram em nada a vida das pessoas, ou com projetos e leis simbólicas, com distribuições de placas, de homenagens, um legislativo muito aquém das necessidades de uma cidade de mais de 2 milhões de habitantes”, explicou Carlos Santiago.
Santiago pontua que acredita que todo esse gasto custou caro aos bolsos do contribuinte. “Tudo isso custou muito caro aos contribuintes de Manaus, milhões foram gastos com verbas indenizatórias, o famoso cotão, com combustível, com carro, com publicidade, com telefone, milhões foram gastos com os salários de vereadores e de assessores, por meio da verba de gabinete. É um legislativo muito caro aos contribuintes, aos eleitores”, disse o especialista.
O advogado ainda levantou um contraponto a respeito da reeleição de 28 parlamentares da 18ª legislatura para a atual, com o menor número de mudanças nos últimos 12 anos e com apenas 13 novos ocupantes do cargo de vereança. O especialista destacou que isso é reflexo do voto do manauara e reflete diretamente nas escolhas de seus representantes, ele ainda comenta que pode ser possível que a 19ª legislatura possa ser “ainda pior que a anterior”.
“No entanto a sociedade, o eleitorado de Manaus resolveram reconduzir a maioria absoluta com o maior índice de reeleição da história de Manaus, isso demonstra de uma forma clara, de que o Parlamento e os governantes são os reflexos da sociedade. Um parlamento com a qualidade da Câmara Municipal de Manaus, da legislatura anterior é o reflexo da qualidade do voto do manauara e pode até piorar nessa atual legislatura”, pontuou Santiago.
Ranking por ano
O Convergente também fez um recorte ano a ano dos 10 parlamentares que mais se utilizaram do Cotão para pagar despesas da atividade parlamentar. Confira:
2021
A lista em 2021 foi encabeçada por Yomara Lins; Allan Campelo; Sandro Maia (mandato cassado); Raulzinho; Rosinaldo Bual; Rosivaldo Cordovil; Kennedy Marques; William Alemão; Sassá da Construção Civil e Jander Lobato.
2022
Já em 2022, os que mais utilizaram o cotão, foram: João Carlos; Yomara Lins; Professora Jacqueline; Diego Afonso; Sssá da Construção Civil; Fransuá Matos; Lissandro Breval; Professor Samuel; Elan Alencar e Jaildo Oliveira.
2023
Rosinaldo Bual; Diego Afonso; Raulzinho; Gilmar Nascimento; Lissandro Breval; Kennedy Marques; Rosivaldo Cordovil; David Reis; Roberto Sabino e professora Jacqueline, foram os 10 parlamentares que mais utilizaram a Ceap em 2023.
2024
Em 2024, o ranking ficou da seguinte forma: Rosinaldo Bual; Raulzinho; Sassá da Construção Civil; Lissandro Breval; Diego Afonso; David Reis; Mitoso; Alonso Oliveira; Fransuá e Gilmar Nascimento.
Total
Confira os gastos totais dos vereadores que se destacaram como os que mais usaram o Cotão nos quatro anos de legislação e o total das despesas por ano dos parlamentares com a verba:
Confira o apurado do Cotão dos anos de 2021, 2022, 2023, 2024 e o consolidado de 2021-2024:
Clica no link: https://drive.google.com/drive/folders/1pmeIdj2BVKgKlm4d-qoNVPNbFJF4_u4m?usp=drive_link
“Cotão está previsto na lei”, diz especialista
A advogada e especialista em Direito Eleitoral e Tributário e Consultora em Processo Legislativo, Denise Coêlho, fez uma análise a respeito da legalidade do Cotão e exemplificou ponto a ponto como funciona o Cotão e de como os vereadores devem utilizar o valor e das implicações do uso indevido e não comprovado.
“A Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar (CEAP), conhecida como “Cotão”, é regulamentada pela Lei nº 437, de 23 de dezembro de 2016, alterada pela Lei nº 505, de 15 de dezembro de 2021. Conforme essa legislação, a cota parlamentar na Câmara Municipal de Manaus (CMM) corresponde a 75% do valor recebido pelos deputados estaduais do Amazonas, sendo atualmente fixada em R$ 33.085,85 por mês”, ressaltou Denise.
Veja as considerações feitas por Denise Coêlho:
Algumas curiosidades do Cotão
Amom Mandel esteve por dois anos no Parlamento Municipal e não utilizou o Cotão.
David Reis usou R$ 5.851,02, fracionados em combustíveis em dezembro de 2024.
Eduardo Alfaia usou R$ 7.478,74, fracionados em combustíveis em dezembro de 2024
Isac Tayah entrou na CMM em abril de 2024, após cassação de Antônio Peixoto e gastou do Cotão R$ 293.364,57 mais que Rodrigo Guedes, R$ 151.128,00, que esteve durante todo o ano de 2024 no Parlamento.
Guedes foi um dos vereadores mais econômicos na 18ª legislatura, com um total de R$ 564.582,75 (2021-2024).
Há também quem tenha zerado a cota durante o ano de 2024, mas há quem tenha deixado saldos de R$ 0,20, há quem deixou R$ mais de 40,00, bem como até mais de R$ 245 mil, veja os prints clicando no link:
https://drive.google.com/drive/folders/1W6xsiadALzhDQQWS1cq6-F43ywSXdrzq?usp=drive_link
O outro lado
O Portal O Convergente entrou em contato com os vereadores que estão entre os que mais gastaram com o cotão no apurado de quatro anos e obteve os seguintes retornos:
Por meio de nota enviada pela assessoria, o Rosivaldo Cordovil destacou que as “variações nos gastos podem ser atribuídas a diferentes fatores, como a intensidade das atividades parlamentares, projetos específicos desenvolvidos em determinados anos, maior necessidade de divulgação de ações das atividades parlamentares, entre outros.
“É importante ressaltar que todos os gastos realizados com o Cotão são submetidos à análise e aprovação pelos departamentos competentes da Câmara Municipal de Manaus, incluindo a Controladoria, além de estarem sujeitos à fiscalização pelos órgãos de controle externo”, pontuou o parlamentar, por meio da assessoria.
Já a assessoria de comunicação do vereador Kennedy Marques pontuou que, desde o início do mandato, o gasto com o Cotão se justificou devido às despesas com o projeto Carona Solidária, serviço oferecido pelo político e amplamente divulgado em suas redes sociais, que pode ser solicitado através do número 99136-0068 pela população.
“Todos os carros alugados, com exceção de um Onix (que era o veículo que o parlamentar usava) rodavam de segunda a sábado ofertando este serviço a população. O custo disso, além do próprio aluguel dos carros, é o gasto com combustível destes. O vereador além da carona solidária, possui serviço de assessoria jurídica”, esclareceu a assessoria.
Em nota, o vereador também pontuou que possui gastos com a assessoria jurídica, que auxilia nas demandas diárias de maus tratos, pauta que o político defende e lida e que vão desde os crimes na rua, passando pelos inquéritos nas delegacias, até o processo judicial, quando a assessoria atua como assistência de acusação.
“A assessoria jurídica auxilia também os projetos de lei, e é colocada à disposição da população. Por fim, o quarto uso da verba, é com publicidade/mídia, já que precisa desenvolver formas de levar ao conhecimento da população todas as realizações do seu mandato. O anos de 2022 e 2024 foram eleitorais e o vereador participou dos pleitos, por isso em obediência à legislação alguns serviços usados no período não eleitoral a exemplo dos anos de 2021 e 2023, foram suspensos, o que refletiu no gasto”, salientou.
A assessoria do vereador Allan Campelo, em nota, enumerou que os principais usos do político com a CEAP (o Cotão) foram com aluguéis de carros, combustíveis e divulgações de atividades parlamentares, mas que, no geral, contando os quatro anos do mandato, ele não está entre os parlamentares que mais usaram o recurso.
“A justificativa é que o vereador é muito ativo nas comunidades e tem assessores atuando em todas as zonas de Manaus. Ele não é um vereador de redes sociais. Sobre a diminuição do uso da CEAP nos últimos três anos, foi devido a otimização da forma de trabalho”, disse a assessoria.
O vereador também esclareceu o uso do Cotão e afirmou que “aprendeu muito” em seu primeiro mandato, o que lhe ajudou a ter menos custo. “Nós aprendemos muito no primeiro ano e isso nos ajudou a desenvolver um bom trabalho com menos tempo e menos custo”, frisou.
Já o vereador Rodrigo Guedes acentuou que, durante os quatro anos de mandato, foi o vereador mais econômico de Manaus e chamou a atenção para os gastos dos parlamentares. Para Guedes, o recurso oriundo do Cotão deveria ser investido em benefício da população.
“Fui o vereador mais econômico de Manaus e isso é para demonstrar que, não é porque é legal estar dentro da lei ou porquê, por exemplo, existe a possibilidade de um parlamentar gastar, que ele deve gastar. Na verdade, se os milhares de parlamentares do Brasil não torrassem o dinheiro público com coisas que não beneficiam em nada a população brasileira, sobrariam alguns bilhões de reais para que se fosse investido no que realmente o povo precisa”, declarou Rodrigo Guedes.
O parlamentar comentou ainda sobre indícios de que os gastos com a CEAP não são feitos. “Há indícios muito fortes de que esses gastos, na realidade, não são feitos, até porque o Cotão é muito vulnerável a qualquer tipo de corrupção; pois, você apresenta uma nota fiscal, dizendo que gastou determinado item, e eles devolvem o dinheiro. Isso precisa ser investigado e, mais do que economizar, eu vou exigir que os órgãos públicos investiguem o que está acontecendo no Cotão”, finalizou.
O espaço segue aberto para quaisquer um dos vereadores e ex-vereadores manifestarem suas opiniões.
Por: Érica Lima
Ilustração: Marcus Reis
Revisão Jurídica: Letícia Barbosa