Na última semana o Brasil e o mundo vivenciou a grande repercussão negativa de um surto de desnutrição e malária que acomete os povos originários da terra Yanomami, em Roraima, uma das maiores reservas indígenas de todo o país. Diante da crise sanitária, o Ministério da Saúde (MS), encaminhou equipes de agentes de saúde até a região, e desde o último dia 16 de janeiro, trabalha no resgate dos indígenas mais vulneráveis para hospitais da capital Boa Vista, e na saúde dos que ficaram nas aldeias.
Uma crise anunciada pelos próprios indígenas em diversos encaminhamentos de pedidos de ajuda feitos ao Governo Federal, alertando sobre a invasão de garimpeiros nos territórios indígenas, conforme noticiou o site The Intercept_Brasil, que teve acesso aos documentos e aponta que desde novembro de 2020, as lideranças Yanomami já denunciavam a invasão em massa dos garimpeiros, e decidiram pedir apoio à Hutukara Associação Yanomami para enviar ofícios de alerta ao Ministério Público Federal (MPF), à Fundação Nacional do íNDIO (Funai) e ao Exército Brasileiro (EB).
A entidade também encaminhou 21 ofícios aos órgãos públicos, em dois anos, relatando os “conflitos sangrentos que no limite podem atingir a proporcção de genocídio” dos Yanomami. Além de publicações de notas públicas alertando sobre um ataque contra uma Estação Ecológica do ICMBio, a morte de duas crianças por uma draga de garimpo, e a situação da aldeia de Aracaçá.
Visita de Lula – A repercussão da saúde dos povos originários levou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a visitá-los no último sábado, 21/1. Lula chegou a dizer em suas redes sociais que foi um “crime premeditado”, que viu um genocídio na visita a terra Yanomami, em Roraima. O presidente garantiu a permanência de equipes de saúde no local.
“Mais que uma crise humanitária, o que vi em Roraima foi um genocídio. Um crime premeditado contra os Yanomami, cometido por um governo insensível ao sofrimento do povo brasileiro”, publicou o presidente no Twitter, na manhã de domingo, 22.
Desmonte, ações ineficazes e omissão – A doutora em Saúde Pública, especialista em Saúde Indígena e pesquisadora do Instituto Leônidas e Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia), Kátia Lima, disse ao Portal O Convergente que esta crise se acentuou ainda mais no último governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), com o desmonte dos órgãos de fiscalização.Além disso, a especialista disse que o garimpo ilegal também propiciou essa crise sanitária, com a poluição das águas dos rios e a restrição de território para coleta de alimentos.
“A crise de saúde vivenciada pelos Yanomami tem vários determinantes que foram acirrados no último governo. O desmonte dos órgãos de fiscalização das terras indígenas, como a Funai, Ibama e Polícia Federal agravou a invasão dos garimpeiros às terras indígenas, aumentando os índices de contaminação dos rios e a restrição do território de coleta de alimentos. Concomitante ocorre os desmandos da política de atenção à saúde desses povos, com a diminuição e má gestão de recursos, falta de uma política de contratação de profissionais de saúde que provoca a falta e a rotatividade de profissionais de saúde, e tantos outros problemas frutos da ação ineficaz do Estado”, pontuou Kátia Lima.
A especialista em Saúde Indígena também ressaltou a urgência nas ações com aporte financeiro, acesso aéreo e políticas públicas prolongadas e permanentes para a manutenção da saúde indígena na região. “A solução dessa situação de emergência requer uma ação contundente do governo, envolvendo o Ministério da Justiça, Ministério Indígena, da Saúde e outros. As ações nessas áreas exigem um aporte financeiro alto, considerando que acesso é aéreo. Também é necessário a implantação de políticas de longo prazo, permanentes, que melhorem as condições de vida e saúde dos indígenas”, ressaltou Kátia Lima, afirmando que é necessário, ainda, a expulsão dos invasores da terra Yanomami, além de omissão dessas invasões por parte do governo de Bolsonaro.
“No entanto, a principal medida é a proteção definitiva do território indígena, com a expulsão de todos os invasores e fortalecimento das instituições responsáveis pela fiscalização das terras. O governo do Bolsonaro foi avisado, sabia da situação. Foi omisso e deixou a situação se agravar”, finalizou.
Ações imediatas – O Portal O Convergente questionou o Ministério da Saúde sobre as ações imediatas que estão sendo feitas para remediar a situação. No entanto, o MS respondeu o e-mail apenas com dois links de matérias postadas no site governamental falando das ações.
Entre as ações, estão: a criação de um Comitê de Coordenação Nacional para Enfrentamento à Desassistência Sanitária das populações em território Yanomami, que deverá articular-se com os gestores estaduais e municipais do SUS; articular-se com órgãos e entidades do Poder Público; encaminhar à ministra da Saúde, Nísia Trindade, relatórios técnicos sobre a emergência sanitária e as ações administrativas em curso, além de divulgar à população informações relativas à Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin).
A decretação de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional também foi adotada no último sábado, 21/1, diante da necessidade de ação urgente frente à crise enfrentada por esses povos indígenas; o envio de equipes de saúde, da Força Nacional do Sistema Único de Saúde (SUS) com 13 profissionais, que irão operar o Hospital de Campanha, e uma equipe multidisciplinar com oito profissionais da área de saúde da Aeronáutica será deslocada de Manaus para a região de Surucucu (a cerca de 270 km a oeste da capital roraimense).
Serão entregues ainda, quatro mil cestas básicas que estão na Fundação Nacional do Índio (Funai), mais mil para distribuição nos territórios, além de suplementação alimentar para crianças de várias idades, transferidas do Distrito Sanitário Especial Indígena Leste (DSEI Leste) para o DSEI Yanomami. O MS também está acelerando um edital do Programa Mais Médicos para recrutar profissionais, tanto formados no Brasil como no exterior, para atuação nos Distritos Sanitários Indígenas (Dsei) de maneira permanente, inclusive no Dsei Yanomami.
Responsabilidade federal – O Convergente também questionou o Governo de Roraima sobre a questão dos povos originários Yanomami. Se o governo estava ciente desta crise sanitária e sobre a invasão das terras indígenas no Estado. Em nota, o Governo respondeu que toda a responsabilidade sobre os indígenas é do Governo Federal, por meio da Funai (Fundação Nacional do Índio), Ministério da Saúde juntamente com a Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) e Dsei Leste e Dsei Yanomami, e pelo recém-criado Ministérios dos Povos Originários.
Sobre a invasão em terras indígenas, o Governo de Roraima respondeu que é contra qualquer atividade ilegal nestas terras e que as pessoas que praticam tal ilegalidade merecem ser punidas.
Confira a nota na íntegra:
O Governo do Estado de Roraima tem recebido diversas críticas em relação à questão indígena e em especial, a dos Yanomami. Por essa razão, se sente na obrigação de fazer alguns esclarecimentos para que se restabeleça a verdade e, para quem não tenha a informação, ela chegue sem nenhum tipo de ruído. A seguir:
- A saúde indígena, bem como os cuidados com os povos originários, é de responsabilidade plena do Governo Federal, por meio da Funai (Fundação Nacional do Índio), Ministério da Saúde juntamente com a Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) e Dsei Leste e Dsei Yanomami, e pelo recém-criado Ministérios dos Povos Originários. Qualquer ação que ocorra dentro das áreas demarcadas/homologadas e/ou que tenham a presença de povos e comunidades indígenas, deve ser combatida pelas forças de segurança e controle do Governo Federal, como Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente), Polícia Federal, ICMBio (Instituto Chico Mendes), e podem contar com o apoio das forças de segurança estaduais, desde que devidamente acionadas.
- O Governo de Roraima NÃO É, E NUNCA FOI FAVORÁVEL ao garimpo em Terras Indígenas, e não participa de nada que seja ilegal, portanto, os responsáveis por essa prática irregular devem ser punidos, porém, essa fiscalização e controle são de responsabilidades exclusivas do Governo Federal.
- O Governo do Estado vem realizando o maior programa de agricultura indígena do país, com quase 1.800 hectares plantados no ano de 2022, com a colheita de 5 mil toneladas de milho e 1,1 mil de feijão, resultantes da distribuição de sementes, adubos, calcário, tratores, caminhões, implementos, preparação da terra e colheita, realizadas com investimentos do governo estadual, beneficiando mais de 100 comunidades indígenas e 1.500 famílias. Vale salientar que os produtos oriundos da colheita podem ser comercializados pelas comunidades sem nenhum valor passado ao Governo do Estado, o que representa oportunidades aos povos indígenas em reinvestir na cultura e na melhoria da qualidade de vida, bem como proporciona a independência econômica.Além do Projeto de Grãos, o governo estadual tem diversos projetos voltados às comunidades indígenas, como os de promoção à avicultura, piscicultura, suinocultura, bovinocultura, entre outros. No social, o governo atende mais de 9 mil indígenas com a entrega de Cestas da Família, além de inserção em vários programas sociais, como o Colo de Mãe, Mais Esporte e Cidadania, Artesanato de Roraima, Acolhimento Infantil, Acolhimento de Adolescentes, Atenção à Pessoa com Deficiência, Apoio às Mulheres, Apoio a Juventude e Combate às Drogas.
- Na saúde, somente em 2022, o Governo do Estado recebeu mais de 9.000 indígenas nas unidades de saúde estaduais, com atendimento básico, exames, cirurgias e demais procedimentos médicos e hospitalares.
Portanto, a gestão estadual, em momento algum, se alinhou com questões ilegais ou mesmo, tenha se furtado à sua tarefa constitucional de ajudar e tratar todos de forma igualitária e mais ainda, todos os projetos são apresentados às comunidades indígenas, que têm a liberdade de aceitar ou não fazer parte deles, mantendo o posicionamento como decisivo na implantação ou não de políticas públicas voltadas à sua melhoria.
O Governo do Estado de Roraima está, dessa forma, alinhado com a melhoria da qualidade de vida das pessoas, sejam elas indígenas ou não.
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Por Edilânea Souza
Fotos: Divulgação / Ilustração: Marcus Reis