Nos últimos meses, a administração de Augusto Ferraz frente à Prefeitura de Iranduba foi marcada por licitações de alto valor, investigações de órgãos de controle e questionamentos sobre transparência e prioridades de gasto. Desde a reeleição em 2024, o prefeito foi alvo de representações no Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE-AM), inquéritos do Ministério Público e críticas sobre contratações consideradas excessivas ou pouco justificadas.
A seguir, O Convergente apresenta um raio-x dos principais casos que colocam a atual administração sob escrutínio público.
R$ 3,4 milhões em alimentos após reeleição
Uma semana após vencer a eleição municipal de 2024 com 49,55% dos votos, Augusto Ferraz destinou R$ 3,4 milhões para a compra de gêneros alimentícios pela Secretaria Municipal de Educação. O pregão eletrônico nº 015/2024, publicado no Diário Oficial dos Municípios do Amazonas, contratou seis empresas. No entanto, o documento não especificou quais itens seriam adquiridos, os prazos de vigência dos contratos ou as datas de entrega previstas.
Em um primeiro momento, houve a confirmação de seis empresas contratadas para determinado grupo de alimentos, com o valor total de 2,1 milhões. O maior valor, R$ 665 mil, foi destinado à M J P Rodrigues, cuja atividade principal registrada é o comércio de cosméticos, embora conste a venda de alimentos como atividade secundária. As demais empresas contratadas incluem V. de S. Cunha (R$ 589 mil), L. M. P. Ramos Ltda (R$ 286 mil), Y A da Rocha Comércio e Serviços (R$ 263 mil), E B Guedes (R$ 180 mil) e F Franco Belem Ltda (valor não informado individualmente). A ausência de detalhes e a proximidade temporal com o resultado eleitoral levantaram suspeitas sobre as prioridades orçamentárias do início do novo mandato.
Seis dias após a confirmação desses valores, mais 1,2 milhão foi adicionado ao pregão, sendo R$ 183,7 mil destinados à empresa L. M. P. RAMOS Ltda, e outros R$ 1,09 milhão à empresa M J P RODRIGUES.
Na época da publicação, todas as empresas foram procuradas pela equipe de reportagem. Apenas duas responderam de forma parcial: a F Franco Belem Ltda afirmou aguardar chamada para assinar a ata, e a E B Guedes orientou contato via WhatsApp. As demais, incluindo a prefeitura, não se manifestaram até a publicação.
A prefeitura foi novamenta procurada durante a elaboração do dossiê, mas não se manifestou. A homologação dos contratos foi confirmada, sem registro de cancelamentos ou abertura de investigações posteriores.
R$ 1,6 milhão para repelir pombos e morcegos
Em maio de 2025, O Convergente noticiou que a Prefeitura de Iranduba firmou contrato no valor de R$ 1.650.469,50 para o controle de pragas urbanas, incluindo baratas, ratos, cupins, pombos e morcegos. A contratação, publicada no Diário Oficial dos Municípios do Amazonas, foi feita via adesão a ata de registro de preços e envolve a Secretaria Municipal de Educação, Esporte e Lazer (SEMEI). O plano prevê aplicações semestrais de produtos, manutenção mensal e inspeções regulares em áreas internas e externas dos prédios escolares.
O detalhamento de custos revela que mais da metade do valor foi destinada a repelentes contra morcegos (R$ 823.884,75) e pombos (R$ 826.584,75), o que gerou críticas sobre a proporcionalidade da despesa. O serviço foi contratado junto à Consffer Construtora e Recursos Humanos Ltda, empresa sediada em Manaus, e terá vigência de 12 meses.
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Apesar do valor expressivo, a prefeitura não apresentou à imprensa justificativas detalhadas para o gasto e não se manifestou nas denúncias apontadas pelo dossiê. Procurada pela reportagem na época do contrato, a empresa contratada também não respondeu aos questionamentos enviados. Não houveram auditorias ou processos abertos para avaliar a real necessidade ou eficiência do contrato, permanecendo firmado pela gestão municipal.
Contratos com empresa ‘parceira’
No mês passado, a gestão de Augusto Ferraz voltou a contratar uma velha conhecida da administração. A empresa P J R Serviços de Escritório Administrativo Ltda venceu mais um pregão para prestar serviços ao município.
Desta vez, sob a justificativa de fornecer materiais gráficos orçados em R$1,69 milhão, ainda que a atividade econômica principal da empresa seja o transporte rodoviário de passageiros, conforme o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ).
Reportagens do O Convergente já denunciavam, desde 2023, que tal empresa era vencedora de contratos dos mais variados tipos, como para a locação de veículos.
Além de vislumbrar a possível da falta de capacidade técnica da empresa em atuar em ramos diferentes, a relação do prestador de serviços também é questionável. A empresa é de propriedade de Paulo Onete da Silva Viana Júnior, ex-chefe da Comissão de Licitação do município. O nome dele é facilmente encontrado nos diários oficiais de anos anteriores, como em uma edição do Diário Oficial da União de abril de 2019:
De acordo com a publicação, o contrato firmado tem por objetivo a prestação de serviços gráficos para atender demandas da Secretaria Municipal de Saúde de Iranduba, que, coincidentemente, é chefiada por Luana dos Santos Medeiros, esposa do prefeito Augusto Ferraz.
A participação de figuras próximas nas contratações, como do ex-chefe de Licitação e a primeira-dama amplia o debate sobre possíveis conflitos de interesse e fragilidades no controle de gastos em Iranduba.
Inquérito sobre transporte escolar
Em abril de 2025, foi divulgado pelo Convergente que a 2ª Promotoria de Justiça de Iranduba, vinculada ao Ministério Público do Estado do Amazonas (MP-AM), instaurou o inquérito civil nº 06.2025.00000372-5 para apurar denúncias sobre a qualidade e segurança do transporte escolar na rede pública. O procedimento inclui tanto veículos terrestres quanto embarcações usadas para transportar estudantes.
O MP-AM solicitou cópias de contratos, históricos de manutenção, rotas, documentos dos condutores emitidos pelo Detran-AM e certificados da Capitania Fluvial da Amazônia. Também foram requisitadas informações sobre a alocação de recursos e agendadas inspeções presenciais para verificar as condições dos meios de transporte. O prazo dado para as secretarias estadual e municipal de Educação responderem foi de 20 dias.
Embora o prefeito Augusto Ferraz não seja citado nominalmente como investigado, a responsabilidade pela gestão municipal do transporte escolar coloca sua administração no centro do caso. A investigação ainda não produziu conclusões públicas e segue sob sigilo. A prefeitura não se manifestou sobre o ocorrido.
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Dívida de R$ 14 milhões com energia
Em junho de 2024, o Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE-AM) abriu investigação para apurar uma suposta dívida de R$ 14.404.355,43 acumulada pela Prefeitura de Iranduba com a Amazonas Distribuidora de Energia S.A. O valor inclui contas de energia elétrica não pagas desde 2005, multas, juros e correções monetárias.
A representação foi protocolada pelo Ministério Público de Contas (MPC) sob o nº 13564/2024, após denúncia formal da concessionária de energia. O órgão de controle enviou ofício ao prefeito solicitando esclarecimentos, mas, segundo documentos do processo, não houve resposta satisfatória.
A inadimplência em questão levanta preocupações sobre a gestão financeira e os impactos nos serviços públicos essenciais. O caso segue em análise no TCE-AM e ainda não teve decisão final divulgada.
Falta de estrutura
Em agosto de 2024, o TCE-AM apontou deficiências graves na estrutura municipal de prevenção e gestão de desastres naturais em Iranduba. A análise foi feita no âmbito do processo nº 10.775/2023, originado de representação do Ministério Público de Contas.
Embora a prefeitura tenha apresentado um plano de contingência, o documento foi considerado incompleto, sem soluções efetivas e sem integração entre as secretarias responsáveis. O tribunal determinou a elaboração de um novo plano, a divulgação pública das ações previstas e a criação de um projeto de lei sobre mudanças climáticas. O prazo dado para cumprimento das exigências foi de 180 dias.
Até o momento, não há informações sobre o envio do novo plano ou a implementação das medidas solicitadas. A falta de respostas mantém a gestão de Augusto Ferraz sob monitoramento dos órgãos de controle.
Acusação de improbidade e desvio de recursos
O prefeito Augusto Ferraz passou a responder a uma denúncia de improbidade administrativa e suposto desvio de recursos públicos apresentada por Luís Carlos Rodrigues de Moura ao TCE-AM. O caso foi registrado sob o processo nº 14337/2024, em julho de 2024, e relatado pelo conselheiro Ari Jorge Moutinho da Costa Júnior.
A denúncia menciona favorecimento de empresa privada e uso indevido de recursos, mas os detalhes completos permanecem sob sigilo processual. A representação ganhou peso por se somar a outros procedimentos já em andamento contra a gestão, incluindo a investigação sobre a dívida milionária com a concessionária de energia.
A prefeitura não se pronunciou sobre o caso, que permanece sob análise em sigilo.
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R$ 8 milhões em combustível com mesmo fornecedor
A gestão de Augusto Ferraz manteve, em 2025, contratos que totalizam mais de R$ 8 milhões com a empresa V K Comércio de Derivados de Petróleo Ltda., conhecida como Auto Posto 2014. O fornecimento de combustíveis para a frota municipal ocorre de forma ininterrupta desde 2021.
Os valores pagos à empresa vêm aumentando: foram R$ 7,7 milhões em 2024, R$ 5,5 milhões em 2023 e R$ 6,3 milhões em 2022. Nesse período, também houve reajustes significativos nos preços, como o litro do diesel subindo de R$ 5,75 para R$ 6,99.
A repetição do mesmo fornecedor e a falta de transparência sobre o consumo e a distribuição de combustível alimentam suspeitas. O contrato segue ativo.
Mandato cassado
Os casos que questionam a atual gestão de Augusto Ferraz em Iranduba relembram seu primeiro mandato no município, quando, em 2022, foi cassado após uma decisão judicial da juíza Dinah Fernandes, que naquele momento comandava a 56ª Sessão Eleitoral.
A decisão da época apontou para situações como crimes de abuso de poder econômico e implicitamente político. De acordo com a juíza, houveram doações de cestas básicas, instalação de iluminação e pavimentação de ruas em Iranduba que evidenciaram tais irregularidades.
No entanto, após a decisão, o prefeito conseguiu uma liminar do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-AM) para se manter no cargo.
Outro lado
O Convergente entrou em contato com a Prefeitura de Iranduba para comentar os assuntos abordados no dossiê. Em um primeiro momento, a equipe de reportagem foi informada, via WhatsApp, que seria respondida sobre os casos, mas não obteve retorno até o fechamento da edição. Nenhuma empresa citada na matéria retornou o contato da equipe de reportagem. O espaço segue aberto caso algum dos envolvidos se pronunciem.