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sábado, julho 26, 2025

O escândalo abafado do INSS e o Brasil que rouba e humilha seus idosos 

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Por Erica Lima

Um artigo de opinião em primeira pessoa (relato de um idoso). 

Por mais que eu tente esquecer, todo mês essa dor me visita quando olho o extrato bancário da minha aposentadoria. Parece pouco, mas ali está todo o suor de décadas de trabalho, noites mal dormidas e a esperança de que, ao envelhecer, eu teria alguma paz. Mas no Brasil, envelhecer não é descansar,  é lutar para não ser esquecido.

O que vou contar aqui não é exagero. É cotidiano. É vida real. E é também um grito. Um apelo para que o país acorde e enfrente o que está tentando enterrar: o maior escândalo de fraudes contra aposentados da história do INSS, que desviou bilhões de reais dos nossos bolsos  sim, dos nossos  e até agora não encontrou quem pague essa conta.

 O escândalo que nos rouba em silêncio

Tudo veio à tona com a Operação Sem Desconto, deflagrada pela Polícia Federal entre 2023 e 2024. O que se descobriu foi uma rede criminosa infiltrada dentro do próprio INSS, em sindicatos e empresas, que descontava valores indevidos de aposentadorias, falsificava benefícios e desviava dinheiro de quem menos podia perder: nós, os idosos.

A última nota oficial da PF, em junho de 2025, estima um rombo de R$ 6,3 bilhões, afetando mais de 4,1 milhões de benefícios. E o pior: 64% desse desvio aconteceu entre 2023 e 2024, o que mostra que o esquema se aprofundou nos últimos anos, mesmo sob os olhos do governo.

E os nomes envolvidos são de peso:

  • Alessandro Stefanutto, ex-presidente do INSS.
  • Geovane Spiecker e Reinaldo Barroso, ex-diretores ligados à concessão de benefícios.
  • O lobista “Careca do INSS”, pego com carros de luxo e propinas.
  • José Ferreira da Silva, o Frei Chico, irmão do presidente Lula e vice do Sindnapi, entidade suspeita de receber R$ 149 milhões indevidamente.
  • Empresários como Maurício Camisotti e Danilo Trento, operadores do esquema.
  • Um policial federal, Philipe Coutinho, preso com dólares em espécie.
  • E políticos como Sérgio Moro, Fausto Pinato e Onyx Lorenzoni, citados no inquérito enviado ao STF.

E o que aconteceu desde então? Algumas exonerações, prisões pontuais e um silêncio constrangedor. O atual presidente do INSS, Gilberto Waller Júnior, diz que abriu processos e prometeu corrigir falhas. Mas e nós? Quando seremos ressarcidos? Quem vai nos pedir desculpas?

A velhice não é descanso  

Vou descrever um dia comum da minha vida para você entender o que é ser idoso no Brasil.

Acordo cedo porque tenho consulta e preciso ir até a agência do INSS resolver um problema com o desconto de um valor que nem sei de onde veio. Pego um ônibus lotado, sem ar-condicionado, onde ninguém me oferece o banco. Chego à agência, fila do lado de fora, porque dentro não tem mais lugar. O vigilante manda esperar. E esperar cansa. Porque não tem nem banco de madeira.

Quando consigo ser atendido, a moça me diz que só pelo aplicativo Meu INSS. Tento explicar que não sei usar. Ela aponta para o computador no canto da sala e diz: “Ali tem um totem”. Eu encaro aquela máquina como se fosse um enigma. Mas ninguém ajuda. Sinto vergonha de não saber mexer, de não entender o que fizeram com meu benefício. E volto pra casa como cheguei: sem resposta e com R$ 89 a menos.

Esse é só um exemplo. Mas acontece com milhares. A maioria dos idosos no Brasil não sabe ou não consegue acessar serviços digitais. E muitos vivem em regiões onde não há sequer agência do INSS funcionando, como no interior do Amazonas, onde uma cidade inteira depende de um único posto precário, sem ar, sem pessoal, sem humanidade.

 Onde está a lei quando a gente precisa?

O Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003) afirma que é dever do Estado garantir ao idoso o direito à informação, ao atendimento digno, à previdência e à justiça. Mas o que temos é exatamente o contrário: um sistema que nos trata como culpados, como se fôssemos nós os responsáveis por provar que fomos roubados. E ainda querem que a gente entre com ação judicial, com advogado, com senha, com aplicativo?

 O Brasil que rouba os seus velhos

Hoje somos mais de 32 milhões de idosos no país. Em 2030, o Brasil será um dos cinco países mais envelhecidos do mundo. Isso quer dizer que estamos diante de uma crise, não só financeira, mas ética e social.

Porque quando se desvia dinheiro de aposentadoria, não se rouba só um valor,  se rouba dignidade, segurança, saúde e esperança. É o remédio que falta, a comida que aperta, o aluguel que atrasa. É o neto que a gente deixa de visitar porque não tem passagem. É o mundo dizendo que já não há mais lugar para nós.

 E agora, quem responde?

A grande imprensa não fala mais nada. O governo federal se cala. A responsabilidade, como sempre, cai no colo de quem menos pode: o próprio idoso. Eu, você, sua avó, seu pai. Nós que temos que provar, procurar, esperar.

Mas até quando?

Precisamos falar disso. Precisamos reagir.

Se você chegou até aqui, eu te convido a não esquecer disso amanhã. Converse com quem você conhece. Divulgue esse texto. Exija respostas.

Porque não basta prender alguns nomes e bloquear contas. É preciso:

Tornar o caso público, acessível e contínuo.
Criar canais de atendimento presencial, gratuitos e humanizados para idosos lesados.
Garantir ressarcimento automático, sem exigência de processo judicial.
Reformar o sistema de consignações e vetar convênios predatórios.
Treinar servidores para atender com respeito, paciência e empatia.

Quem é Érica Lima?

Érica Lima é mestre em Saúde, Sociedade e Endemias na Amazônia (Fiocruz Amazônia/UFAM), jornalista com registro profissional (DRT), apresentadora do Debate Político em parceria com a Rede Onda Digital (canal 8.2), diretora-executiva do portal O Convergente e escritora associada à AJEB/AM.

Mais do que títulos, carrega a missão de comunicar onde o silêncio impera nos rincões de uma Amazônia muitas vezes tratada como margem, mas que é centro de vida, de luta e de saber. Atua onde a estrada não chega, construindo pontes entre dados e vozes, entre o invisível e o essencial. Fomenta o protagonismo de mulheres que, mesmo sem diplomas, são catedráticas da vida e estrategistas na arte de viver.

Com expertise em pesquisa qualitativa eleitoral, desvela percepções, desvenda territórios simbólicos e transforma escutas em leitura crítica do presente político.

Insiste em caminhar entre rios, narrativas e resistências, acreditando que a política, quando atravessada pela escuta e pela palavra, é também poesia que transforma realidades.

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