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sexta-feira, julho 25, 2025

Entre rios, silêncios e promessas: quem lidera o povo do Amazonas?

Por

Por Érica Lima

Um convite à reflexão, um grito manso, um sussurro indignado

O ano é 2025.

No amanhecer de Manaus e das cidades do interior, o despertador toca como um aviso triste: começa mais um dia de sobrevivência. A chaleira chia o chá de capim-santo que substituiu o café. O pão da padaria agora vem pela metade, ou não vem, porque o preço subiu e o salário não. A mesa, antes cheia de esperança, virou espaço de cálculo e silêncio. “Um pão pra cada um? Melhor meio pão. Pra sobrar pro menino.”

O Amazonas acorda todos os dias com força, mas dorme cansado de promessas.

Somos um gigante que caminha só! 

Vivemos num estado imenso, de florestas grandiosas e riquezas insondáveis. Mas somos um gigante isolado, abandonado por quem deveria nos cuidar. Os 62 municípios que compõem o corpo desse estado são, em sua maioria, comandados por prefeitos despreparados, herdeiros da velha política, ou simplesmente cúmplices de esquemas de corrupção que o povo já conhece de cor.

Os dossiês do portal O Convergente já denunciaram. Está tudo lá: contratos duvidosos, verbas desviadas, licitações sob sigilo. E o mais cruel: a ausência do básico. O básico que significa viver.

A doença chega antes da consulta da UBS e da ambulância

O Amazonas convive com epidemias silenciosas de câncer, de abandono, de desespero. A atenção básica falha, não por falta de profissionais, mas por culpa de gestões municipais que não planejam, não priorizam, não conhecem o território.

A Estratégia de Saúde da Família, que deveria ser a porta de entrada da saúde, virou um carimbo esquecido. As consultas somem, os remédios faltam. E a população sangra em silêncio nas filas das UBSs, enquanto vídeos de inaugurações circulam nas redes sociais como se fossem panaceias.

Dom Quixote, os moinhos e o povo-zumbi

É impossível não lembrar de Dom Quixote, o cavaleiro que lutava contra moinhos achando que eram gigantes. Hoje, os moinhos existem e são muitos: corrupção, omissão, desigualdade, abandono. Mas falta quem lute.

O povo, exausto, anda pelas ruas como se fosse fantasma de si mesmo. Como zumbis da esperança, repetem: “é assim mesmo”, “ninguém presta”, “não adianta votar”. Mas adianta. Precisa. Urge. Porque povo que não cobra, que não se revolta, vira estatística e não história.

As redes sociais mentem bonito

O Instagram sorri com filtro. O político aparece na comunidade, abraça o bebê, entrega uma bola, planta uma muda de árvore. A legenda é ensaiada, o roteiro é perfeito. Mas tudo isso não é a vida real.

A rede social é um teatro com muitas câmeras e pouca verdade. Ela mostra o recorte, não o contexto. Não mostra a senhora que ficou 4 horas esperando uma consulta. Não mostra o pai que teve que sair da beira do rio para tentar atendimento oncológico em Manaus e morreu na triagem. A saúde nos municípios estão precárias, não somente por falta de recurso, mas principalmente pela má gestão dos prefeitos e de cargos de confianças e comissionados que são acertados bem antes da eleição. 

A filosofia do pão e da revolta

Montesquieu, se vivesse aqui, diria que o poder está concentrado demais, como farinha embolotada na bacia. Maquiavel, se cruzasse o porto da Ceasa, diria que o problema do Amazonas não é só manter o poder, é usá-lo para transformar. Bauman, olhando os dados do IDEB, escreveria: “líquida está a educação que escorre pelas mãos”.

Porque sim, a educação pública do Amazonas agoniza. O último IDEB mostrou estagnação nas séries iniciais. A alfabetização infantil despenca. A evasão no ensino médio aumenta. A nota da rede municipal de Manaus segue abaixo da média nacional. E é a educação, só ela, que pode nos salvar dessa espiral de ignorância e subordinação.

E o eleitor? Ele existe. Mas não consegue agir ou não sabe como o fazer

Mais de 2,6 milhões de eleitores votarão em 2026 no Amazonas. Destes, 52,7% são mulheres. Mulheres que sabem o preço do gás, que pegam o ônibus lotado com criança no colo, que cuidam, trabalham e sustentam lares.

Quase 27% dos eleitores têm entre 16 e 29 anos. Jovens que nasceram depois de Amazonino, que não sabem quem foi Gilberto Mestrinho, e que não têm sequer aula de política na escola. Eles não se importam com partidos, se importam com quem os escuta.

E quem os escuta? Então, quem lidera o povo do Amazonas?

Liderar não é aparecer em carro de som. Liderar é andar no barro. É saber onde o ônibus não passa, onde o barco não chega, onde a escola tem só uma sala e uma cadeira.

Liderar é não mentir. É dizer “não sei” quando não sabe, e “vou tentar” quando não tem certeza.

O líder que o Amazonas precisa ainda pode nascer. Ou talvez já exista e esteja calado, esperando a hora de falar. O que ele não pode é repetir o roteiro de sempre, o script cansado dos que prometem, somem e depois voltam com sorriso treinado e voto comprado.

O que o Amazonas precisa mudar?

  • Descentralizar o Distrito Industrial, democratizar os incentivos, fazer a economia girar também em Itacoatiara, Tefé, Parintins e Tabatinga.
  • Valorizar a educação como investimento e não como gasto.
  • Transformar a saúde em direito e não em favor.
  • Ouvir as mulheres. Ouvir os jovens. Ouvir os invisíveis.
  • E modificar a cultura da corrupção nos 62 municípios do Estado do Amazonas. 

Entre a revolta e a esperança, é hora de decidir

O povo do Amazonas é como rio: às vezes calmo, às vezes violento. Mas nunca parado. Há uma força adormecida em cada olhar cansado, em cada panela vazia, em cada estudante que ainda sonha.

Não somos zumbis. Somos potência. Mas só despertamos quando paramos de aceitar. Quando entendemos que voto não é favor, é ferramenta. Que líder não é salvador, é servidor.

E talvez, entre o silêncio do Negro e a fúria do Solimões, o povo acorde. E cobre. E mude. 

Quem é Érica Lima?

Érica Lima é mestre em Saúde, Sociedade e Endemias na Amazônia (Fiocruz Amazônia/UFAM), jornalista com registro profissional (DRT), apresentadora do Debate Político em parceria com a Rede Onda Digital (canal 8.2), diretora-executiva do portal O Convergente e escritora associada à AJEB/AM.

Mais do que títulos, carrega a missão de comunicar onde o silêncio impera nos rincões de uma Amazônia muitas vezes tratada como margem, mas que é centro de vida, de luta e de saber. Atua onde a estrada não chega, construindo pontes entre dados e vozes, entre o invisível e o essencial. Fomenta o protagonismo de mulheres que, mesmo sem diplomas, são catedráticas da vida e estrategistas na arte de viver.

Com expertise em pesquisa qualitativa eleitoral, desvela percepções, desvenda territórios simbólicos e transforma escutas em leitura crítica do presente político.

Insiste em caminhar entre rios, narrativas e resistências, acreditando que a política, quando atravessada pela escuta e pela palavra, é também poesia que transforma realidades.

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