Um estudo do Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia Legal mostrou a evolução do perfil da gestão das secretarias de Meio Ambiente e Segurança Pública do Acre nos últimos 30 anos. A análise do estudo foi desenvolvida pelos pesquisadores Luci Maria Teston, doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP), Manoel Valdemiro F. Rocha, mestre em Ciência Política pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e a psicóloga Bárbara Adriele Rufino da Silva, pós-graduada em Análise do Comportamento Aplicada. Todos são membros associados da Amazônia Legal (LEGAL), que estão a frente do estudo do estado do Acre.
De acordo com a pesquisa, houve esforços convergentes em vários aspectos, como o enfrentamento dos crimes ambientais na região de fronteira. Ao longo das últimas três décadas, as secretarias estaduais responsáveis pelo meio ambiente e pela segurança pública mantiveram uma presença ativa. As interações entre essas duas áreas incluem uma atuação constante no combate ao contrabando de produtos ilícitos e ao crime organizado dentro das florestas, especialmente considerando que a Amazônia abriga as maiores e menos controladas fronteiras do território brasileiro.
Durante a análise, foi pontuado que foram lideradas por diferentes administrações e passaram por mudanças significativas, oscilando entre momentos de fortalecimento e períodos de dificuldades. Este estudo se propõe a realizar dois objetivos específicos: a) analisar a solidez de cada secretaria ao longo dos anos; b) fornecer um breve panorama dos secretários que estiveram à frente dessas pastas, com ênfase no período mais recente.
“Para classificar os titulares das pastas foram utilizadas como parâmetro as categorias de secretários políticos, técnicos e grupo pessoal. Os secretários políticos incluem pessoas que tenham exercido ou se candidatado a cargo eletivo antes da posse na pasta ou que tenham sido claramente indicadas por partidos ou políticos eleitos, pontuam Teston, Luci Maria, 2024; F. Rocha, Manoel Valdemiro, 2024; Da Silva, Bárbara Adriele Rufino, 2024, pesquisadores do estudo do Labotatório.
Agenda ambiental em diferentes governos
Durante os governos de Orleir Cameli (PPR) e o primeiro mandato de Jorge Viana (PT), a gestão ambiental englobava áreas de conhecimento científico e tecnológico, além de atividades de preservação e desenvolvimento sustentável. Em 1999, Viana implementou o Zoneamento Ecológico-Econômico do Acre (ZEE) para orientar políticas públicas, visando substituir práticas de uso insustentável dos recursos naturais.
O ZEE buscava promover o desenvolvimento sustentável, conciliando conservação ambiental, inclusão social e crescimento econômico. Sob diferentes governos ao longo de mais de 20 anos, suas fases envolveram elaboração, implementação e revisão, mantendo-se como uma estratégia contínua para o estado.
Na avaliação dos pesquisadores, no segundo mandato de Jorge Viana, a secretaria de meio ambiente foi renomeada como Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Naturais, enquanto surgiram as secretarias de Floresta e dos Povos Indígenas. Viana promoveu o “Governo da Floresta”, destacando um compromisso com a “florestania”, um modelo de desenvolvimento sustentável centrado na cidadania na floresta.
Durante o governo de Binho Marques (PT), as secretarias de Meio Ambiente e Recursos Naturais e de Floresta foram mantidas, mas a de Povos Indígenas foi extinta em 2007. A estrutura das secretarias passou por várias mudanças nos anos seguintes, incluindo a transferência da política florestal para a Secretaria de Meio Ambiente durante o segundo mandato de Tião Viana.
“A partir de 2023, sob o governo do presidente Lula (PT), Gladson Cameli, em seu segundo mandato, incorpora à secretaria de meio ambiente a agenda indígena (Meio Ambiente e Povos Indígenas). Em julho do mesmo ano, na busca por dar robustez ao debate envolvendo os povos indígenas, transforma a assessoria de povos indígenas em Secretaria Extraordinária dos Povos Indígenas. Em parte, esta ação vai ao encontro do apelo ambiental externo, inclusive na perspectiva da captação de recursos para o setor em organismos internacionais. O governador, por exemplo, foi líder da comitiva acreana que participou da 28ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP28) no qual discutiu medidas de combate ao desmatamento e a conservação e restauração de paisagens e florestas visando o cumprimento da meta climática”, situam Teston, Luci Maria, 2024; F. Rocha, Manoel Valdemiro, 2024; Da Silva, Bárbara Adriele Rufino, 2024.
Quadro das Secretarias e secretários de meio ambiente no Acre (1995-2024)
Nos últimos 30 anos, segundo os analistas da pesquisa, os secretários de meio ambiente no Acre durante os governos da Frente Popular foram predominantemente técnicos. Carlos Edegard de Deus, por exemplo, permaneceu à frente da Secretaria por duas décadas, implementando diversas iniciativas de destaque, como o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) e programas de preservação ambiental, refletindo em um estado de referência na Amazônia brasileira.
Durante sua gestão, Edegard implementou projetos ambientais contra o desmatamento, além de realizar mudançças na abordagem mista dos políticos e técnicos com cargo em destaque, conforme demonstram os pesquisadores.
“Nos 20 anos de gestão de Edegard à frente da Secretaria de Meio Ambiente, algumas ações executadas impactaram positivamente o meio ambiente e a vida das pessoas. Pode-se citar o Projeto Cadastro Ambiental Rural (CAR); o Programa de Regularização Ambiental (PRA); os Planos de Desenvolvimento Comunitários (PDC), relacionados à identificação e reflexão quanto aos desafios e potencialidades ao uso adequado das propriedades.”
Atualmente, Julie Messias e Silva lidera a Secretaria de Meio Ambiente, destacando-se por sua expertise técnica e experiência em questões ambientais complexas. Com formação em Comunicação Social e mestrado em Mudanças Climáticas, ela tem uma longa trajetória em projetos de conservação ambiental, governança participativa e políticas de mitigação de impactos climáticos, consolidando-se como uma secretária técnica na área.
Inflexões e acenos à política de segurança pública no Estado
Nos últimos 30 anos, a estruturação das pastas relacionadas à justiça e segurança pública no Acre apresentou mudanças significativas. Durante os governos da Frente Popular, houve uma integração da justiça com a segurança pública sob uma única secretaria. Posteriormente, durante o governo de Binho Marques, houve um desmembramento, resultando em três secretarias distintas, mantidas ao longo dos dois mandatos de Tião Viana, sugerindo a relevância estratégica da agenda de segurança pública para o governo.
No primeiro mandato de Gladson Cameli, houve uma reforma administrativa que restabeleceu a integração da justiça com a segurança pública, enquanto a Polícia Civil foi subordinada à Secretaria de Justiça e Segurança Pública. As ações na área de segurança pública incluíram medidas para conter a invasão de madeireiros peruanos em terras indígenas e a atuação na faixa de fronteira para combater o crime organizado, apreender armas e drogas, e evitar fugas e roubos de veículos.
“Importa ressaltar a consolidação das fracções criminosas no estado associada, em especial, ao controle de rotas de tráfico de drogas na Amazônia – considerando o fácil acesso à fronteira com outros países -, agravado a partir de 2016. A geografia do Acre acaba facilitando o tráfico, tendo em vista que a maior parte do território é formada por floresta fechada, separada por um labirinto de rios e com pouca fiscalização,” justificam os pesquisadores do estudo.
Quadro da Secretarias e secretários de segurança pública no Acre (1995-2024)
Quanto aos perfis dos secretários ao longo dos anos, a maioria pode ser classificada como técnicos, com exceção de alguns políticos, como Nilson Moura Leite Mourão. Paulo Cézar Rocha dos Santos e José Américo de Souza Gaia destacam-se como exemplos de gestores com formação e experiência significativas em segurança pública, assumindo papéis de destaque na condução das políticas de justiça e segurança no estado do Acre.
Considerações
Para avaliar a força ou a fraqueza dos setores relacionados ao meio ambiente e à segurança, foi considerada como fator determinante a criação ou o encerramento de secretarias.
“Entende-se que esta não é a única variável para justificar o avanço ou retrocesso nas áreas, outros elementos como montante de recursos, investimentos realizados e indicadores também são fundamentais, mas é um recorte importante no sentido de verificar o espaço dos temas na estrutura formal dos governos”, avaliam os pesquisadores, observando que, tanto na pasta relacionada ao meio ambiente quanto na de segurança, avanços e retrocessos no sentido do fortalecimento da agenda de políticas envolvendo as secretarias.
O estudo destacou ainda que o Acre, até 1999, possuía 2,6 milhões de hectares em Unidades de Conservação, sob a gestão federal, estadual e municipal. Em 19 anos (1999 a 2018), foram criadas mais 16 unidades, representando 2,8 milhões de hectares, compreendendo um total de 5,4 milhões de hectares de Unidades de Conservação no estado.
Durante o primeiro mandato de Gladson Cameli, coincidindo com o governo de Bolsonaro, a Secretaria de Meio Ambiente permaneceu inalterada. No entanto, ao ser reeleito em um contexto nacional diferente, com a ascensão de Lula à presidência, Gladson estabeleceu a Secretaria de Meio Ambiente e Povos Indígenas. Reconhecendo a importância de priorizar as questões indígenas, ele reintegrou a pasta dos Povos Indígenas, originalmente criada durante governos de esquerda no Acre, agora como uma secretaria extraordinária. Além disso, nomeou uma mulher com uma forte trajetória na defesa de políticas públicas para essa população como gestora da pasta.
Quanto ao perfil dos secretários de estado, os pesquisadores do estudo, destacam que dos “19 secretários que assumiram as pastas relacionadas à agenda envolvendo segurança pública, somente três não tinham formação na área. Já no que compete ao meio ambiente, importa ressaltar a mudança envolvendo os dois mandatos de Gladson Cameli na qual observa-se um secretário político conduzindo a secretaria no primeiro mandato e, a partir de 2023, tem-se uma mudança no sentido de nomear pessoas próximas ao governador, mas que tenham um perfil técnico considerando a experiência na área ambiental.”
A pesquisa conclui que os governadores com baixos níveis de apoio tendem a nomear um maior número de secretários políticos. A presença de secretários políticos ou técnicos está diretamente relacionada ao tamanho da coalizão de apoio ao governo na Assembleia Legislativa. Quanto maior o número de secretários considerados técnicos, maior seria a extensão da aliança governamental dentro da Casa Legislativa.
Confira a pesquisa na íntegra
Ilustração: Marcus Reis
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