Muita gente não sabe, mas as Eleições Gerais de 2022 registraram um recorde de candidaturas de pessoas negras no Brasil: 50,21% dos concorrentes a todos os cargos em disputa se autodeclararam negros, segundo informações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O percentual supera o total de candidatos autodeclarados brancos pela primeira vez na história do país. Além disso, 32,12% dos postulantes negros conseguiram ser eleitos, um número expressivo ainda que algumas autodeclarações sejam alvo de contestação.
Os dados traduzem os resultados de uma série de medidas e políticas públicas adotadas nos últimos anos com o objetivo de ampliar a participação de mulheres e pessoas negras na política. Entre elas estão as normas que garantem a distribuição proporcional para esses candidatos e candidatas dos recursos públicos recebidos pelos partidos para financiar as campanhas políticas. O Ministério Público Eleitoral fiscaliza o cumprimento das regras e estimula a participação desses segmentos no ambiente político, para assegurar maior representatividade da população brasileira nas esferas de poder.
“A política, caso não observadas e aplicadas as regras para a equalização dos direitos representativos, pode configurar um espaço propício ao fortalecimento de atos discriminatórios contra mulheres e pessoas negras, grupos historicamente minorizados na sociedade brasileira”, destacou o procurador-geral Eleitoral, Paulo Gonet, em recomendação enviada a todos os partidos políticossobre o tema. Isso porque, embora essas pessoas correspondam a mais da metade do eleitorado, ainda são sub-representadas nos cargos políticos. O documento, enviado em dezembro, traz orientações às legendas quanto à repartição dos recursos recebidos de fundos públicos para promover a candidatura de mulheres e de pessoas negras.
Financiamento eleitoral e inclusão
No Brasil, as campanhas políticas podem ser financiadas por doações de pessoas físicas, com recursos dos próprios candidatos e por meio de verbas públicas. Entretanto, desde 2017, o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) – mais conhecido como Fundo Eleitoral – aparece como a principal fonte de verba para as campanhas. Criado para compensar o fim das doações feitas por empresas, proibidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2015, o Fundo tem valores aprovados pelo Congresso Nacional e vai para os partidos apenas nos anos de eleição, para uso exclusivo em campanhas. Em 2022, foram destinados ao FEFC R$ 4,9 bilhões, mesmo valor aprovado para as eleições deste ano.
Regulamentada pela Resolução TSE nº 23.605/2019, a distribuição dessa verba é feita na seguinte proporção:
– 2% são divididos igualmente entre os partidos com estatutos registrados no Tribunal;
– 35 % vão para as legendas com pelo menos um representante na Câmara dos Deputados, na proporção do percentual de votos por elas obtidos na última eleição geral para essa Casa.
– 48% são divididos entre os partidos na proporção do número de representantes que cada agremiação tem na Câmara dos Deputados;
-15% são repartidos entre as legendas na proporção do número de representantes no Senado Federal.
Como forma de estimular candidaturas de pessoas negras, a Reforma Eleitoral (Emenda Constitucional nº 111/21) prevê que os votos dados a mulheres e a pessoas negras serão contados em dobro no cálculo de distribuição dos recursos. Essa regra, adotada a partir de 2022, vale até as eleições de 2030.
As legendas recebem os recursos do Fundo apenas depois que a direção executiva nacional estabelece, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, os critérios de distribuição do dinheiro entre candidatos e candidatas. Para as Eleições 2024, o com o objetivo de ampliar a transparência sobre esses critérios e facilitar o controle social, o MP Eleitoral recomendou aos partidos que a votação seja documentada e feita de forma detalhada, com a indicação clara de todos os parâmetros utilizados.
O Ministério Público também indicou que os partidos devem dar publicidade aos critérios usados para a distribuição dos recursos, especialmente no caso das candidaturas de mulheres e de pessoas negras. Este ano, ao atualizar a resolução sobre o tema, o TSE encampou o entendimento, determinando a publicação de todas as informações relativas aos critérios de distribuição dos recursos na página do partido político na internet.
Como é calculada a distribuição para mulheres e pessoas negras?
Tanto a recomendação do MPF quanto a Resolução do TSE detalham as regras para essa repartição. No caso das mulheres, os partidos devem destinar montante proporcional à quantidade de candidatas inscritas na disputa, devendo respeitar o mínimo de 30%. Ou seja, se 50% do total de candidaturas for de mulheres, 50% do total do Fundo destinado à legenda deverá ir para elas. Isso impede que os partidos se limitem a cumprir o patamar mínimo, mesmo quando as candidaturas de mulheres são em maior número.
No caso dos recursos para candidatos negros, para calcular o percentual, primeiro é preciso distribuir as candidaturas em dois grupos: homens e mulheres. Na sequência, deve-se estabelecer o percentual de candidatas negras em relação ao total de candidaturas femininas, bem como o percentual de candidatos negros em relação ao total de candidaturas masculinas. A destinação dos recursos será feita nessas proporções, com o objetivo de equalizar a distribuição e evitar que homens negros sejam privilegiados em detrimento de mulheres negras, por exemplo.
Na recomendação enviada aos partidos, o MP Eleitoral alerta que deve haver um mínimo de recursos destinados individualmente a cada candidatura de mulheres e pessoas negras e que a transferência de recursos deve ocorrer a tempo de o dinheiro ser utilizado nas campanhas. Isso busca garantir a viabilidade das candidaturas e evitar que todo o recurso seja repassado a uma única pessoa, ou distribuído às vésperas da eleição. Além da verba, os partidos devem fazer a distribuição do tempo de propaganda para essas candidaturas de forma que elas sejam efetivamente levadas ao conhecimento do eleitorado.
Conta bancária específica
Em outra norma atualizada este ano – a Resolução nº 23.607/2019, que trata da arrecadação de recursos e prestação de contas das campanhas – o TSE passou a exigir que os partidos abram contas bancárias específicas para comprovar a regularidade da destinação dos recursos para as candidaturas de mulheres e pessoas negras.
As regras ainda fixam que o total do FEFC é repassado ao Tribunal até o primeiro dia útil do mês de junho do ano eleitoral e o montante total deverá ser divulgado no Portal da Transparência do TSE. Os recursos do Fundo que não forem utilizados nas campanhas eleitorais deverão ser devolvidos ao Tesouro Nacional.
*Com informações do MPF
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