No último domingo, o programa Fantástico da Rede Globo denunciou um esquema de tráfico de pessoas que envolve jovens indígenas de São Gabriel da Cachoeira, município a 852 km da capital do Amazonas. A cidade conta com o maior número de indígenas do Brasil, totalizando 23 etnias. Os primeiros casos foram registrados na comunidade Taracuá.
Segundo investigações da Polícia Federal (PF), os jovens e crianças da região de São Gabriel da Cachoeira recebiam lições de árabe e turco e estudavam o Alcorão antes de serem mandados para o exterior com a promessa de estudos na Turquia. A intermediação era feita por meio da Associação Solidária Humanitária do Amazonas (Asham). Um jovem de 18 anos da etnia Tukano, Edilberto Domingas Dias Brito Júnior, participou do programa oferecido pela Asham e chegou a receber lições do islamismo.
A PF também informou que, no mês de julho, cinco rapazes indígenas que participavam do programa foram deportados da Turquia e chegaram a ficar três semanas detidos em Istambul por não terem visto de permanência no país.
Em entrevista, o superintendente da Polícia Federal no Amazonas, Umberto Ramos, destacou que a situação de vulnerabilidade a qual os indígenas se encontram os tornam presas fáceis para essas organizações criminosas que atuam no estado. “A apresentação era feita como uma proposta de estudo na Turquia, a fim de que aqueles indígenas tivessem a possibilidade de se tornarem médicos, advogados, teólogos, engenheiros, quando, na verdade, o processo era de servidão, de imposição religiosa, de doutrinação. Atribuição de um nome diferente, com o impedimento de se mencionar o nome anterior”.
Letícia Prado, delegada da PF-AM, reforçou que o tráfico humano não necessariamente acontece com uma pessoa acorrentada a uma cama, sofrendo agressões. “Às vezes, ele é um convite para que a pessoa vá para um outro país, a pessoa vai de forma voluntária, ela realmente quer isso. Só que, quando ela chega lá, não foi dito para ela exatamente o que ela ia fazer lá ou quais eram as condições a que ela ia ser submetida”, disse Letícia.
O próximo dia 30 de julho marca o Dia Nacional e Mundial de Combate ao Tráfico de Pessoas. A data tem o objetivo de alertar a sociedade sobre o crime que afeta cerca de 2,5 milhões de pessoas e movimenta aproximadamente 32 bilhões de dólares por ano, segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU).
Dados do Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas, entre 2012 e 2019, mostram que foram registradas no Brasil 5.125 denúncias de tráfico humano no Disque Direitos Humanos (Disque 100) e 776 denúncias na Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180), ambos canais de atendimento do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC). Entre os anos de 2010 e 2022, foram contabilizadas 1.901 notificações no Sistema de Informação de Agravos de Notificação do Ministério da Saúde (SINAN).
Abdulhakim Tokdemir, responsável pela Asham, teve seu sigilo fiscal e bancário quebrado. Outras sete pessoas, entre turcos e brasileiros, também são suspeitas de envolvimento no esquema de doutrinação religiosa e tráfico humano. A Polícia Federal agora investiga quais eram as atividades dos jovens na Turquia.
O que é tráfico de pessoas
A Organização das Nações Unidas (ONU), no Protocolo de Palermo (2003), define tráfico de pessoas como “o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo-se à ameaça ou ao uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração”. O dia 30 de julho foi instituído pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) como o Dia Mundial de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e como o Dia Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas.
Segundo a ONU, o tráfico de pessoas movimenta anualmente 32 bilhões de dólares em todo o mundo.
Realidade do Amazonas com o Tráfico Humano
A delegada titular da Delegacia Especializada em Crimes Contra a Mulher (DEECM) Débora Mafra falou com O Convergente e enumerou os principais motivos que contribuem para o tráfico humano no Amazonas. Débora enfatizou que a realidade da maioria das comunidades do Amazonas é a pobreza das famílias, que passam por necessidade e muitas dessas comunidades são indígenas. “Um dos principais motivos que contribuem, principalmente o tráfico de mulheres no Amazonas, é que aqui é uma região que faz fronteiras com outros países, tendo a facilidade dos rios como canais para o escoamento deste tipo de tráfico humano, por ser menos inspecionado”.
Débora continuou declarando que, em relação ao tráfico de mulheres, o objetivo é explorá-las sexualmente. “Como essas mulheres estão em circunstâncias de precariedade em suas famílias, elas não preveem um futuro próspero, aceitam estas propostas, por considerar uma oportunidade para melhorar de vida”, finalizou Débora.
Segundo dados da Agência Nacional de Águas, a bacia hidrográfica do Amazonas atinge quatro milhões de m². Essas condições geográficas são um dos fatores que torna o estado um dos alvos para o tráfico de pessoas no Brasil. Por serem regiões de tríplice fronteiras, em São Gabriel da Cachoeira e Tabatinga, criminosos possuem mais facilidade. Além do tráfico de pessoas e de drogas, a exploração sexual também é um problema enfrentado pelos moradores desses locais. São municípios de difícil acesso, o que dificulta a fiscalização constante.
Campanha da Prefeitura de Manaus
Com o intuito de alertar a população amazonense sobre os sinais de alerta do tráfico de pessoas e encorajar as denúncias de atividades suspeitas, a prefeitura de Manaus lançou na segunda-feira, 24, a ‘Campanha de Combate ao Tráfico de Pessoas’. A cerimônia de lançamento aconteceu no aeroporto internacional de Manaus. Em parceria com a Secretaria Municipal da Mulher, Assistência Social e Cidadania (Semasc), a campanha visa enfrentar e combater de forma efetiva um dos mais graves crimes contra os direitos humanos.
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Por Karina Garcia, com informações do Fantástico,
Revisão: Vanessa Santos
Foto/Ilustração: Marcus Reis