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sexta-feira, julho 5, 2024

“Vejo isso como um genocídio”, diz especialista sobre relatório divulgado, o qual afirma que Bolsonaro sabia da existência da crise Yanomami

O documento agora revelado pelo UOL comprova que a gestão Bolsonaro tinha ciência do cenário que provocou morticínio e subnutrição dos yanomamis, inclusive crianças

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Em um documento exclusivo pela UOL, divulgado nesta sexta-feira (12), afirmar-se que o ex-presidente da República, Jair Bolsonaro foi formalmente informado sobre a gravidade da situação gerada pelo garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami, mas que resolveu engavetar o caso.

De acordo com a matéria, em agosto de 2022, a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) remeteu para o Ministério da Justiça um relatório exclusivo com o mapeamento detalhado do garimpo na região (fotos), feito para embasar uma grande operação.

O presidente do órgão, Marcelo Xavier, pediu providências “urgentes, efetivas e assertivas” contra a situação. A análise do caso coincidiu com o início da campanha à reeleição de Bolsonaro: em menos de 48 horas, os documentos foram engavetados pela equipe do então ministro Anderson Torres.

O documento agora revelado pelo UOL comprova que a gestão Bolsonaro tinha ciência do cenário que provocou morticínio e subnutrição dos yanomamis, inclusive crianças.

A  doutora em Saúde Pública, especialista em Saúde Indígena e pesquisadora do Instituto Leônidas e Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia), Kátia Lima, falou ao Portal O Convergente sobre a notícia divulgada e sobre como a situação poderia ter sido evitada. “Acredito sim que o ex-presidente sabia da existência dos garimpos e era a favor deles, e contra os indígenas. O ex-presidente incentivou o sucateamento das instituições de fiscalização das terras indígenas, como a FUNAI e a Polícia Federal”, afirmou a especialista.

“Vejo isso como um genocídio”, acrescentou

Relatório da Funai

Segundo informações, um servidor da Funai sobrevoou parte do território Yanomami em 25 de maio de 2022. A diligência tinha como objetivo produzir informações de inteligência para uma grande operação em parceria com o Ministério da Justiça, prevista para o segundo semestre.

No sobrevoo, a Funai identificou mais de 80 pontos ligados ao garimpo e fotografou quase todos eles. É o maior raio-X da situação que se tem notícia. A situação revelada era aterradora: a Funai encontrou 32 pontos ativos de garimpo em cerca de 800 km percorridos nas calhas dos rios Uraricoera, Couto Magalhães, Auaris, Parima e Mucajaí.

Entre eles, está o Garimpo do Jeremias (fotos), às margens do rio Couto Magalhães. O ponto foi um dos maiores garimpos mapeados pela diligência da Funai. Os garimpeiros também mantinham ao menos 18 pistas de pouso só na área inspecionada, além de 13 pontos de apoio e três áreas descritas como portos.

No mapeamento feito pela Funai em maio de 2022, foram identificados garimpos próximos da comunidade indígena Uxiú às margens do rio Mucajaí (fotos). O fato de o cenário ser conhecido pelas autoridades não impediu que, quase um ano depois, ocorresse um banho de sangue na região.

Em 29 de abril, Uxiú foi alvo de um ataque de garimpeiros: um indígena foi morto com um tiro na cabeça e outros dois também foram baleados. No dia seguinte, oito corpos de não indígenas foram encontrados na região, alguns atingidos por flechas. A PF investiga as mortes.

A inspeção da Funai também flagrou os impactos ambientais dos garimpos que, por consequência, afetam a saúde dos yanomamis.

Exemplo disso são as imagens que mostram mancha de resíduos de garimpo no rio Uraricoera (foto de cima) e extensa área de desmatamento às margens do rio Parima, outro ponto ilegal de extração de minérios (abaixo).

Além de contaminar rios, o garimpo ilegal leva doenças às comunidades indígenas e prejudica áreas de caça e lavoura. Sob o governo Bolsonaro, o estímulo ao garimpo levou 570 crianças yanomamis à morte por causas evitáveis, segundo o site Sumaúma. Os casos de malária mais que dobraram no período.

Logo no começo do sobrevoo da Funai, foi encontrado um porto clandestino do garimpo. Trata-se do Porto do Arame, descrito como a “principal rota” dos garimpeiros no Território Yanomami.

Nesta ocasião em que foi fotografado, o local tinha uma dezena de embarcações atracadas e tendas para apoio aos garimpeiros ilegais. Nove meses depois, em 12 de fevereiro, garimpeiros foram flagrados deixando o território indígena por meio do Porto do Arame.

A fuga aconteceu após o início da operação da Polícia Federal e do Ibama, deflagrada pela crise humanitária no território indígena. O objetivo da ação era a retirada de garimpeiros ilegais da região. O governo Lula diz ter destruído 330 pontos de garimpo na Terra Yanomami.

O relatório da Funai também destacou pontos de apoio logístico a garimpeiros, como esse, às margens do rio Uraricoera. A imagem mostra 21 barracas de lona e quatro antenas de satélite para sinal de internet.

O fiscal da Funai registrou dezenas de embarcações e aeronaves dos garimpeiros em ação, além de pistas clandestinas. Em um dos pontos, ele fotografou um avião de grande porte, mais potente do que os utilizados normalmente na região.

A gravidade da situação na Terra Indígena Yanomami fez com que o então presidente da Funai, Marcelo Xavier, decidisse agir.

“Foram identificadas várias e extensas áreas de atividade intensa de garimpo ilegal com os registros fotográficos e de coordenadas geográficas, além da indicação das pistas de pouso que estão sendo utilizadas pelos garimpeiros”, disse ele, no ofício. Por fim, Xavier pediu que o Ministério da Justiça coordenasse a operação.

De urgente a engavetado

O ofício da Funai foi endereçado em 12 de agosto à Superintendência da Polícia Federal em Roraima e à Seopi (Secretaria de Operações Integradas) do Ministério da Justiça. A Seopi ganhou funções de inteligência no governo Bolsonaro e foi mantida sob rédea curta por seus ministros.

  • O relatório da Funai passa a correr na Seopi na manhã de 15 de agosto.
  • No dia seguinte, ocorre a primeira movimentação relevante. Às 9h59, o chefe de gabinete da secretaria despacha o relatório.
  •  Pouco depois, às 11h34, o diretor de Operações pede uma análise das informações enviadas pela Funai “com a urgência que o caso requer”.
  •  Em 17 de agosto, o processo para definitivamente de ser movimentado, na gestão Bolsonaro.

Mourão justifica: faltou dinheiro

Duas semanas depois de o Ministério da Justiça enterrar o relatório da Funai, o então vice-presidente e hoje senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) demonstrou conhecimento da crise humanitária dos yanomamis.

Ele presidia o Conselho da Amazônia e era o responsável por articular ações interministeriais para combater crimes ambientais no bioma. Logo na abertura da reunião de 30 de agosto, Mourão fala da necessidade de uma grande operação.

“[O vice-presidente] Informou que garimpeiros continuam invadindo a área yanomami e que, por esse motivo, há necessidade de ser deflagrada uma operação de grande envergadura”, consta na ata da reunião, revelada pela Agência Pública e obtida também pelo UOL.

O Ministério da Justiça foi representado na reunião pelo número 2 de Torres, o secretário-executivo Antônio Ramirez Lorenzo, que nada disse sobre o relatório da Funai ou a situação dos indígenas. A mesma postura foi adotada por dois aliados de primeira hora de Bolsonaro: os ministros Augusto Heleno (GSI) e Paulo Sérgio Nogueira (Defesa).

Apesar da declaração, Mourão nada fez para resolver a situação dos yanomamis. Ao UOL, ele atribuiu a inação do governo a dificuldades financeiras.

“Entrou no período eleitoral, estava com grande dificuldade de recursos nos ministérios. Uma operação custa dinheiro porque tem que mobilizar aeronave, hora de voo, trazer gente de vários lugares do país. Ela não é barata. Não foi feito pedido formal nenhum, já tínhamos feito várias operações [na Amazônia]. […] Em áreas inóspitas e mais afastadas como é a TI Yanomami requer uma mobilização maior de meios e de pessoal”, Hamilton Mourão, senador e ex-vice-presidente.

Crise Yanomami

O Brasil e o mundo vivenciou a grande repercussão negativa de um surto de desnutrição e malária que acomete os povos originários da terra Yanomami, em Roraima, uma das maiores reservas indígenas de todo o país. Diante da crise sanitária, o  Ministério da Saúde (MS), encaminhou equipes de agentes de saúde até a região, e desde o último dia 16 de janeiro, trabalha no resgate dos indígenas mais vulneráveis para hospitais da capital Boa Vista, e na saúde dos que ficaram nas aldeias.

Uma crise anunciada pelos próprios indígenas em diversos encaminhamentos de pedidos de ajuda feitos ao Governo Federal, alertando sobre a invasão de garimpeiros nos territórios indígenas, conforme noticiou o site The Intercept_Brasil, que teve acesso aos documentos e aponta que desde novembro de 2020, as lideranças Yanomami já denunciavam a invasão em massa dos garimpeiros, e decidiram pedir apoio à Hutukara Associação Yanomami para enviar ofícios de alerta ao Ministério Público Federal (MPF), à Fundação Nacional do íNDIO (Funai) e ao Exército Brasileiro (EB).

Leia mais: Sete dias na Casa Yanomami

Por informações do UOL

Colaboração: Da doutora em Saúde Pública, especialista em Saúde Indígena e pesquisadora do Instituto Leônidas e Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia), Kátia Lima

Revisão Textual: Érica Moraes

Foto: Divulgação / Ilustração: Marcus Reis

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