Durante uma sessão realizada pelo Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), por videoconferência, nessa segunda-feira, 22/8, a advogada Malu Borges Nunes foi constrangida pelo presidente da 2ª Câmara Cível do TJAM, desembargador Elci Simões, por estar com sua filha no colo no momento da audiência.
Ao iniciar a sessão, a advogada chegou a pedir prioridade, mas teve o pedido negado. Logo após, é possível ouvir um barulho de uma criança, o que incomodou o desembargador que disse que estava havendo a quebra do silêncio na sessão e que a advogada “feria a ética da profissão“, pedindo para que a jurista colocasse a criança em um lugar adequado.
“[…] pedir para doutora Malu que… aí quebra o silêncio das sessões do tribunal, interferências outras na sala em que a senhora está. Isso prejudica os colegas. Não deixe que outras interferências, barulhos, venham atrapalhar nossa sessão porque é uma sessão no tribunal, não pode ter cachorro latindo, criança chorando. Se a senhora tiver uma criança, coloque no lugar adequado. São barulhos que tiram a nossa concentração. A senhora precisa ver a ética da advogada”, disse Simões.
Em nota enviada ao G1 Amazonas, Malu Borges pediu respeito e disse que, como outras mães no país, exerce jornada tripla, sem apoio. “Nós mulheres só queremos que nossa voz seja ouvida, que nos respeitem no nosso ambiente de trabalho e na sociedade. Que nossa ética profissional não seja questionada por estarmos exercendo dupla/ tripla jornada sem qualquer tipo de apoio. A minha realidade é a de milhões de brasileiras – trabalhadora e mãe”, afirmou a advogada.
Malu afirmou, ainda, que não falhou com a ética profissional. “Minha ética poderia ser questionada somente se eu deixasse de cumprir prazos e realizar atos, o que não é o caso. Não sou antiética por trabalhar em home office com a minha filha no colo”, declarou.
Repercussão – Após a repercussão do caso nas redes sociais, o magistrado emitiu nota se posicionando sobre o caso. Elci Simões disse que pediu educadamente a advogada para evitar que o barulho interrompesse a audiência pública, que tinha a participação de outros advogados e desembargadores.
“Recomendou-se educadamente e com todo o cuidado evitar barulhos durante a sessão, ainda mais em respeito a presença de outros advogados em audiência pública complexa e extensa”, finalizou em nota.
Sobre o pedido de prioridade feito pela advogada, o desembargador disse que o pedido foi analisado pelo colegiado e por conta de que a advogada estava em regime de home office, o mesmo não foi acatado.
“Nesse ponto, em decisão colegiada, entendeu-se por indeferir o pleito, não se considerando que houvesse necessidade de priorização na pauta, ainda mais pelo fato de que a nobre causídica encontrava-se no regime de home office”, informou.
Manifestação OAB – A Ordem dos Advogados do Brasil do Amazonas (OAB-AM) apontou que a advogada, ao participar de uma sessão remota de julgamento no TJAM, dentro de sua residência e ao lado de sua filha, não cometeu qualquer infração disciplinar nem violou preceito do Código de Ética e Disciplina da OAB. A Ordem ainda ressaltou o papel da mãe no direito.
Confira a nota da OAB na íntegra:
A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, SECCIONAL AMAZONAS, por meio da sua Diretoria e da Comissão Permanente da Mulher Advogada, vem a público manifestar apoio e solidariedade à Dra. MALU BORGES NUNES, advogada, inscrita na OAB/AM sob o nº A1516, pelos transtornos e constrangimento vivenciados quando em exercício de seu dever legal durante a sessão de julgamento ocorrida na manhã desta segunda-feira (22/08), por videoconferência, presidida pelo Desembargador Elci Simões de Oliveira, do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas.
O advento das audiências virtuais possibilitou a muitas mães advogadas, como a profissional ora apoiada, exercer a advocacia com plenitude que, em outros tempos, poderiam tão somente exercer a maternidade.
Sobre a equivocada afirmação do desembargador de que “é preciso ver a ética da advogada”, deve ser esclarecido que a Dra. MALU BORGES NUNES, ao participar de uma sessão remota de julgamento no TJ/AM, dentro de sua residência e ao lado de sua filha, não cometeu qualquer infração disciplinar e nem violou preceito do Código de Ética e Disciplina da OAB.
A OAB/AM ressalta a importância da sustentação oral, direito de todo profissional da advocacia. O que ocorreu no referido julgamento é a realidade da mãe profissional autônoma que também não tem como controlar o choro de uma criança ou exigir dela o silêncio, fato que expõe a necessidade de conscientização sobre a maternidade e a vida profissional.
A construção de uma sociedade igualitária exige a inclusão e respeito às condições de cada indivíduo e é uma tarefa de todos, sendo objetivo norteador desta Seccional.
O mercado jurídico evoluiu. Todavia, a maternidade ainda é uma estranha fissura em nossa sociedade. Assim, a OAB/AM repudia a posição do Desembargador Elci Simões de Oliveira em face da advogada, que não descumpriu sua ética profissional, e apenas exerceu legalmente o seu mister.
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Da Redação
Foto: Reprodução