Todos os anos, em novembro, o mês da Consciência Negra traz à tona pautas que perpassam as realidades dos negros no Brasil e no mundo. Jogam luz sobre problemas estruturais que marginalizam e causam dores à população negra que, infelizmente, ainda responde pelo maior número de pessoas encarceradas, desempregadas e vítimas de violência no país.
Neste Dia da Consciência Negra, o Portal O Convergente, faz uma reflexão sobre o quanto ainda é preciso avançar para que a cor da pele e as lutas próprias do povo negro deixem de ser obstáculos intransponíveis na construção de uma sociedade mais igualitária, democrática e com oportunidade para todos, sem distinção.
Presidente do Instituto Nacional Afro Origem Amazonas (INAÔ-AM) e fundador do Movimento Orgulho Negro, Christian Rocha, ressalta a luta contra o preconceito enraizado na sociedade por um longo período, causando dores e sofrimentos à população negra e a constante busca dos movimentos sociais e personalidades políticas por equidade de direitos.
A ausência dessa equidade aliada à marginalização tem intensificado a desigualdade social. Prova disso, é que além de serem as principais vítimas das crises econômicas, enfrentando dificuldades de acesso ao mercado de trabalho, o perfil penitenciário brasileiro pode ser considerado a face mais cruel dessa desigualdade.
Segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), de 2019, a comunidade negra (pretos e pardos) compunha 66,69% da população carcerária, sendo a maioria composta por jovens. De acordo com o levantamento, o Brasil possui cerca de 750 mil presos e é o terceiro país em número de pessoas encarceradas, atrás apenas dos Estados Unidos e da China.
“Nós precisamos entender que vivemos um racismo estrutural, temos uma herança maldita em que as pessoas ainda têm preconceito, discriminam e agem com racismo. As atrocidades causadas pelo escravagismo trouxeram uma marginalização que foi imposta a população negra. E, por essa marginalização imposta, é que temos a comunidade negra como maioria pobre. Os maiores números de vítimas de violência e assassinatos são de pessoas negras, o número de desempregados também é maior entre negros, pessoas em situação de vulnerabilidade também na sua maioria é negra, tudo por ter esse racismo estrutural”, explicou Christian Rocha.
A manutenção do racismo estrutural no Brasil passa, entre outros fatores, também pela falta de políticas e de políticos comprometidos com as pautas da população negra. Além do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, da vereadora Marielle Franco, da ex-senadora Marina Silva, dos deputados federais Orlando Silva (PCdoB-SP), Benedita da Silva (PT-RJ) e a vereadora Erika Hilton (PSOL) poucos são os nomes que se destacam na promoção de projetos e iniciativas que contemplem as particularidades ou promovam a equidade para a população negra.
Conforme Christian Rocha, as políticas públicas voltadas para a população negra, na sua maioria, nascem nos seios dos movimentos sociais de negritude e pouco estão relacionadas a uma preocupação genuína dos políticos, no entanto, quando isso acontece esses políticos também enfrentam dificuldades no parlamento para aprovar Projetos de Lei (PL) voltados para as pautas de negritude.
Como exemplo, Rocha citou a deputada estadual Joana Darc (PL) que apresentou o PL nº 225/ 2020 que visa garantir tratamento isonômico à população negra no contexto do enfrentamento de pandemias e epidemias no estado do Amazonas, mas só teve a apreciação favorável das deputadas Therezinha Ruiz (DEM), Nejmi Aziz (PSD) e do deputado Saulo Viana (PTB), além da própria Joana.
“Os deputados precisam entender que legislam para o coletivo e para o bem da sociedade, se eles acham que está tudo a mil maravilhas então não tem motivo para se candidatarem. Temos uma política que não respeita o negro, a mulher, a criança, o deficiente, o idoso, o homossexual e eles ainda não enxergam, ao menos, a importância de um projeto como esse”, lamentou Rocha.
O comportamento dos deputados estaduais do Amazonas reflete o que acontece, por exemplo, na Câmara dos Deputados, em Brasília. Conforme matéria do jornal O Estado de S.Paulo, o número de projetos de lei, de resolução ou de propostas de emendas à Constituição com o objetivo de combater o racismo no Brasil teve aumento significativo na Câmara dos Deputados a partir de 2019, primeiro ano do governo Jair Bolsonaro.
A alta de 145% em relação à legislatura passada não representa, no entanto, avanço da pauta defendida pelo movimento negro. Em quase sete anos, nenhuma das 89 propostas listadas pelo Estadão foi votada. De acordo com o levantamento, mais da metade delas (47%) foi incorporada a projetos semelhantes que estão igualmente engavetados. Outras 13 aguardam parecer do relator e oito foram arquivadas ou retiradas pelo autor. Só duas estão prontas para serem votadas.
A maioria das leis e regras propostas visa combater o racismo estrutural nos setores público e privado, como estádios de futebol; tipificar sanções penais e administrativas relativas à discriminação pela raça e assegurar a continuidade da Lei de Cotas.
Há ganhos também – Na última quinta-feira, 18/11, o Plenário do Senado aprovou o projeto que tipifica a injúria racial como crime de racismo (PL 4.373/2020). Do senador Paulo Paim (PT-RS) e relatado pelo senador Romário (PL-RJ), o projeto também aumenta a pena para o crime e segue para a análise da Câmara dos Deputados.
A proposta alinha a legislação ao entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) que, em julgamento, já decidiu dessa forma. O texto incorpora ao Direito Penal o que o STF e tribunais e juízes em todo o Brasil já vêm consolidando: a injúria racial é crime de racismo e como tal deve ser tratada, em todos os seus aspectos processuais e penais.
O projeto retira a menção à raça e etnia do item específico do Código Penal (art. 140) e insere novo artigo na Lei de Crimes Raciais, definindo pena de multa e prisão de dois a cinco anos. O projeto cita injúria por “raça, cor, etnia ou procedência nacional”. Hoje, o Código Penal prevê pena de um a três anos de cadeia, além da multa.
Durante a discussão da matéria, Paim agradeceu o apoio dos senadores e lembrou citação da ministra do STF, Cármen Lúcia, quando do julgamento desse tema:
“Esse crime não é apenas contra a vítima, mas é uma ofensa contra a dignidade do ser humano”. E complemento dizendo que as correntes que prendiam e apertavam os pulsos e os pés do povo negro, com essa mudança estão sendo rompidas. Que as gargalheiras que eram colocadas na garganta do povo negro também sejam rompidas, afirmou Paim.
Na justificação da matéria, Paim argumenta que a injúria racial não é mencionada na Lei de Crimes Raciais (Lei 7.716, de 1989), embora esteja prevista no Código Penal (Decreto Lei 2.848, de 1940). Ele registra que a injúria racial não estaria plenamente equiparada aos delitos definidos no Código Penal, e que, por definição constitucional, são imprescritíveis e inafiançáveis.
Por essa razão, acrescenta o autor, o racismo praticado mediante injúria pode ser desclassificado e beneficiado com a fiança, com a prescrição e até mesmo com a suspensão condicional da pena.