Ao observarmos a construção contínua do perfil representativo da democracia, é possível constatar que os partidos políticos foram, inicialmente, identificados como focos de convergência de afinidades e interesses, emergindo, em sua fase inicial, como instrumentos de oposição às oligarquias então estabelecidas, como representação política do povo.
Representação política e partidos políticos, então, tornaram-se elementos constitutivos e incindíveis da democracia.
Todavia, a convergência de afinidades e interesses que inicialmente apresentou-se como elemento saudável à democracia, posteriormente, possibilitou que o sistema representativo se tornasse, em alguns aspectos, um regime apenas formalmente democrático, já que os eleitores não percebem seus interesses, em geral, representados ou coincidentes com os de seus representantes, que atuam, em determinados momentos, preponderantemente, em favor de grupos de interesses específicos, sem responsividade transparente e, nesse contexto, os partidos políticos podem ser percebidos como uma nova forma de oligarquia, especialmente quando as suas estruturas organizacionais internas não permitem a sua própria organização de forma democrática.
No Brasil, por exemplo, existem atualmente 33 partidos políticos registrados junto ao Tribunal Superior Eleitoral e 88 agremiações que aguardam o respectivo registro.
Não obstante esse número significativo de agremiações políticas, recente pesquisa publicada pela Fundação Getúlio Vargas, realizada entre novembro de 2020 e janeiro de 2021, aponta que apenas 6 % da população confia nos partidos políticos.
Durante o exercício de 2020, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) distribuiu R$ 834 milhões por meio de duodécimos do Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos. No mesmo ano, foram disponibilizados R$ 2.034.954.824 para o Fundo Especial de Financiamento de Campanhas, com a proposta, temporariamente afastada, de que, em 2022, o valor alcançasse valor superior a R$ 5 bilhões.
Recentemente, na contramão de fornecer incentivos para que os partidos políticos se aperfeiçoem, tornem-se mais democráticos internamente, responsáveis e responsivos às demandas dos brasileiros, foi publicada nova lei que estimula a organização partidária como um negócio privado, sem responsabilidade democrática, destinado à obtenção de vantagens nem sempre republicanas.
Trata-se da Lei n. 14.208/2021, que alterou a Lei dos Partidos Políticos e a Lei das Eleições, para autorizar a criação das denominadas Federações Partidárias, com o objetivo de não permitir a extinção de partidos políticos que não alcançaram resultados satisfatórios nas últimas eleições, permitindo a essas agremiações manterem sua influência e poder político, sem comprovação, ao menos teórica, de que essa autorização é benéfica ao regime democrático.
Apesar dessa perspectiva negativa, os partidos políticos, em razão da sua capacidade de articulação convergente, são elementos indispensáveis à democracia brasileira, mas a sua reestruturação, com vistas à gestão democrática, responsiva e responsável, é imprescindível para que essas estruturas não corrompam os principais postulados republicanos e democráticos.
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Rafael da Silva Menezes
Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais
Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Amazonas
Estágio Pós-Doutoral junto ao Centro de Direitos Humanos da Universidade de Coimbra
Artigo publicado originalmente no Portal Manaós – https://bit.ly/3p8ZenL