Entre o grupo prioritário do Plano Nacional de Vacinação contra a Covid-19, a população indígena no Amazonas vem sofrendo com a falta de estrutura no atendimento da saúde pública e esse fator tem feito crescer o número de vítimas da Covid-19 no Estado.
O primeiro caso de Covid-19 entre os povos indígenas no Brasil foi de uma jovem do povo Kokama, da aldeia São José, no município de Santo Antônio do Içá, no interior do Amazonas. O registro foi confirmado no dia 31 de março pela Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas (SES-AM).
O contágio teria sido feito por um médico de São Paulo que foi para a cidade a serviço da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). A população dos Kokamas, segundo levantamento da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), foi a mais afetada em termos de mortes no Brasil.
Desde a primeira notificação, no Amazonas os casos de infectados da população indígena cresceram. De acordo como o Boletim Diário de Covid-19, da Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS-AM), divulgado no dia 2 de junho deste ano, foram confirmados 8.648 casos da doença em índios aldeados, desde o início da pandemia. Desses, 131 indígenas vieram a óbito. Ainda segundo a FVS-AM, 81 casos estão sob suspeita.
Os dados da FVS-AM divergem das informações da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab). Segundo a Coiab, o Amazonas é o Estado com mais registros e óbitos de indígenas por Covid-19 dos nove estados da Amazônia Legal.
Até o último dia 30 de maio deste ano, o Estado registrou 9.637 casos confirmados de indígenas por Covid-19, além da morte de 318 índios, e 163 que estão sob suspeita da doença. Ainda conforme dados da Coiab, 39 povos indígenas no Amazonas foram atingidos pela Covid-19, sendo a maior parte dos registros ocorridos nos estados que compõe a Amazônia Legal.
Conforme a Coiab, os povos indígenas atingidos pela Covid foram: Apurinã, Arapaso, Baniwa, Banawa, Baré, Deni, Desana, Karapana, Kanamari (Tukuna), Kokama, Kubeo, Koripako, Hixkaryana, Hupda, Juma, Jiahuí, Madija, Marubo, Matsés (Mayoruna), Mirititapuya, Munduruku, Mura, Nadöb, Omagua-Kambeba, Parintintin, Paumari, Piratapuya, Sateré-Mawé, Tariano, Tenharim, Tikuna, Tora, Tukano, Tuyuca, Tson wük Dyapah, Wanana, Werekena, Witoto e Yanomami.
Crise na saúde – A Covid-19 agravou ainda mais a situação de inúmeras comunidades indígenas no Amazonas. Segundo representantes de organizações indígenas, barreiras sanitárias para acesso às terras indígenas, como previsto na decisão do Superior Tribunal Federal (STF), no âmbito da ADPF 709, nunca foram construídas. Assim os povos indígenas tentaram buscar alternativas e criaram suas próprias medidas para se proteger do vírus.
Durante o colapso do Sistema Único de Saúde (SUS) no Amazonas, os povos indígenas no contexto urbano de Manaus, se organizaram e montaram a comunidade Parque das Tribos, na zona Oeste da capital, a Unidade de Apoio Indígena (UAPI).
A ausência de um plano específico para a saúde básica da população indígena urbana fez com que Vanda Ortega, 35, da etnia witoto, a primeira pessoa a ser vacinada no Amazonas, a criar, junto com voluntários, o espaço para atender os indígenas da comunidade e moradores vizinhos ao bairro.
Em abril deste ano, o bairro recebeu atenção especial do Poder Público Municipal. A Prefeitura de Manaus inaugurou uma casa de saúde e uma maloca, que servirá como complexo comunitário, além de uma casa voltada para atenção das mulheres indígenas.
A casa de saúde, entregue pela prefeitura, está sendo coordenada por Vanda Ortega, que também é técnica de enfermagem indígena e agente de saúde voluntária na comunidade Parque das Tribos. Considerado o primeiro bairro indígena de Manaus, o Parque das Tribos foi criado em 2014, e atualmente conta com aproximadamente 700 famílias, de 35 etnias diferentes.
Vacinação – O Plano Nacional de Vacinação do Governo Federal inclui os indígenas nos grupos prioritários, entretanto, somente os indígenas aldeados. No Amazonas, segundo dados da FVS-AM, 79,1% da população indígena aldeada recebeu a primeira dose da vacina, e 64,3% já recebeu a segunda dose do imunizante.
Em termos de país, o coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, Alberto Terena falou um pouco sobre como as pandemias tem afetado os índios no país durante os últimos anos. E criticou a prioridade dada aos indígenas, por não incluir de fato todos os povos.
“Quando o Governo, através da Secretaria de Assistência, a Saúde indígena diz que vai atender os indígenas aldeados, ele deixa de fora a metade dos indígenas do nosso país. Que estão em contexto urbano, que estão à beira da estrada. Então, nós acabamos não sendo prioridade também nesse sentido. Porque se fôssemos prioridade todos esses outros grupos estariam sendo ou já sido vacinado”, opinou.
Terena aproveitou para explicar o que contribuiu para que os índios entrassem no grupo de prioridades. “Nós fomos acometidos por várias situações de pandemias, que surgiram no nosso país e dizimaram os povos indígenas causando muitas mortes em nosso território. Como sarampo, varíola, que foram doenças que chegaram e mataram muitos indígenas. Então se percebe a vulnerabilidade e a necessidade de sermos, prioridade no grupo de risco”, afirmou.
Números pelo país – De um modo geral, o levantamento divulgado no site da APIB mostra que o Brasil registrou um total de 54.939 casos confirmados de Covid-19 na população indígena, sendo que 1.094 índios morreram vítimas da doença em todo o país.
Segundo os dados presentes no site da APIB, 163 povos indígenas, de diversas etnias, foram afetados. Sendo o Amazonas com o maior número de óbitos (254), seguido de Mato Grosso (159), Roraima (126), Mato Grosso do Sul (110) e Pará (107). Os cinco estados, a maioria da região Norte concentra o maior número de morte em população indígena em consequência do coronavírus.
Os dados divulgados pela Articulação dos Povos Indígenas representam o total de dados informados pela Sesai e apurados pelo Comitê Nacional de Vida e Memória Indígena. Os números podem ser ainda maiores, porque devido à falta de testagens em massa o órgão estima que existe uma disparidade significativa entre o número de casos confirmados e a quantidade real de pessoas infectadas.
Divergência de dados – As informações subnotificadas, segundo informações divulgadas pelo próprio comitê, tem causado uma diferença no número de casos e mortes divulgados por outros órgãos e entidades ligadas a atenção de saúde indígena.
O que ocorre devido à falta de transparência e ausência de detalhamento das informações, situação que pode comprovada quando comparados os números divulgados pelo Ministério da Saúde, no boletim epidemiológico divulgado até o 1º de junho de 2021.
Pelos dados, o número de casos confirmados até aquela data era de 49.042 indígenas infectados com a doença em todo o País. Já em números de mortes, o Brasil já havia registrado um total de 696 óbitos em consequência da doença, sendo a maioria homens na faixa etária entre 59 a 80 anos.
O número, comparado com o registro de pessoas recuperadas (46.505), parece pequeno, mas poderia nem ter existido se os povos indígenas tivessem de fato uma assistência mais adequada, conforme alguns especialistas.
Regiões – Um levantamento feito pela Sesai sobre a incidência, mortalidade, letalidade e cobertura vacinal em indígenas assistidos pelo Subsistema de Atenção à Saúde Indígena do SUS (SASISUS), mostrou que só nos Estados da região Norte o número de infectados foi de mais três mil indígenas. Sendo que 64 pessoas morreram vítima da doença.
A região Centro-Oeste registou até o dia 15 de maio de 2021 um total de 1.175 casos confirmados e 22 óbitos, sendo seguida pela região Nordeste, com 932 casos confirmados e 11 óbitos. E as regiões Sul e Sudeste, com 1.045 e 28 óbitos.
Vale lembrar que os dados, disponíveis no relatório das ações realizadas pela Sesai para enfrentamento da pandemia de Covid-19 são referentes apenas as aldeias indígenas atendidas pelo SASISUS. O Subsistema de Atenção à Saúde Indígena do SUS, atualmente está organizado em 34 Distritos Especiais de Saúde Indígena (DSEI), localizados em todas as regiões do território brasileiro.
Assistência – Em consequência da doença, o meio de sobrevivência de muitos índios do Brasil e do Amazonas foi afetada, principalmente os que vivem do artesanato e do turismo.
Por isso, a Fundação Estadual do Índio (FEI) tem atuado em algumas ações no Estado do Amazonas com o envio de ajuda humanitária aos povos indígenas desde o início da pandemia.
Foi o que explicou o diretor técnico do órgão, Fabricio Corrêa. “Na questão do emprego e renda, de fato, muitos indígenas que trabalham com o turismo deixaram de exercer seu labor por conta da pandemia e agora veio a enchente e dificultou ainda mais. Mas não só a FEI, como outras secretárias têm levado ajuda de cestas básicas para eles”. afirmou.
Em termos de ações voltadas para a saúde, Corrêa explicou que essa parte é feita pelos distritos especiais de saúde indígenas dos locais, mas reforçou as ações para amenizar os impactos causados pelo desemprego. “Em termos de saúde, nós só fazemos o acompanhamento, mas são eles que executam essa tarefa. No artesanato temos ajudado na divulgação dos produtos desses parentes em nossas redes sociais, já que eles tiveram que se adaptar ao momento. As vendas têm dado muito certo”, finalizou.
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Por Izabel Guedes e Lana Honorato
Ilustração: Marcus Reis