A violência contra população negra no Brasil, as dificuldades enfrentadas quando o assunto é a equidade de direitos e os obstáculos de ser cidadão negro no país foram alguns dos assuntos abordados pelo presidente do Instituto Nacional Afro Origem Amazonas (Inaô AM), Christian Rocha, durante o quadro “Erica Lima Conversa”, do Portal O Convergente desta quinta-feira, 9/9.
Fundador do Movimento Orgulho Negro e um dos responsáveis pela certificação do segundo quilombo urbano do Brasil, além de ser o autor da propositura do feriado municipal pelo Dia da Consciência Negra, Christian abriu a conversa explicando sobre a utilização das palavras “negro e preto” e de que forma elas são usadas em forma de ofença ou não.
Racismo e violência – Durante a conversa, a apresentadora e pesquisadora Erica Lima pediu ao convidado para que explicasse por que, ainda hoje, se faz necessária a criação de políticas públicas de combate ao racismo no Brasil. Christian explicou o fato de o Brasil ser um país racista, historicamente, desde a abolição da escravatura até hoje. Para melhor compreensão, ele destacou as diferenças entre preconceito, discriminação e racismo, reforçando que racismo é um crime praticado a uma nação e a toda uma raça, seja ela negra ou indígena, por exemplo.
“A luta contra o racismo precisa existir. Precisa existir leis que torne mais rápida a resolução dos crimes. A falta de celeridade nos processos dá a impressão de que as pessoas podem te ofender. O Brasil passa essa impressão, de um país de impunidade devido à demora em seus processos. Então hoje alguém pode achar que pode violentar mulher, um negro, porque sabe que a justiça demora”, criticou.
A entrevistadora chamou atenção para a notificação, por parte do Comitê da ONU, contra o governo brasileiro pela discriminação racial e pelas atrocidades cometidas aos povos indígenas e aos negros ao longo da pandemia de Covid-19. O alerta foi divulgado em meio à discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o marco temporal, que pode impactar na vida dos indígenas brasileiros com mudança na lei de demarcação de terras.
De acordo com dados do Atlas da Violência, em 2019, os negros representaram 77% das vítimas de homicídio no Brasil, com uma taxa de 29,2 por 100 mil habitantes. Ainda segundo os dados, a taxa foi de 11,2 para cada 100 mil, o que significa que o risco de um negro ser assassinado é de 2,6 vezes superior ao de uma pessoa não negra.
Polêmica – Ao longo da entrevista, o presidente da Inaô-AM relembrou sobre a tentativa de troca do nome da praça Nestor Nascimento, no bairro Praça 14 de Janeiro, zona Sul, que gerou polêmica e manifestação por parte da população negra da capital. O projeto foi de autoria do presidente da Câmara Municipal de Manaus (CMM), vereador David Reis (Avante).
“A praça Nestor Nascimento não existia um Projeto de Lei (PL) para ela, só que eles precisam entender que o nome Nestor Nascimento podia até estar num papel jogado no chão, mas ele precisa ser respeitado. Então eles voltaram atrás depois de muita luta. Muitos vereadores não tinham conhecimento de quem era Nestor Nascimento e, realmente, a maioria das pessoas não têm obrigação de saber, mas quando se vota um PL, você tem que saber no que está votando”, criticou.
Christian informou que Nestor Nascimento foi o primeiro líder negro do Amazonas, foi professor e jornalista, além de ter sido o primeiro procurador negro na CMM e também foi convidado pelo governo de Bill Clinton, dos Estados Unidos, para debater sobre a situação do negro no mundo.
Falta de políticas públicas – Christian destacou que a comunidade negra, infelizmente, não faz parte da agende de algum parlamentar, tanto no âmbito estadual quanto no municipal. Ele alegou que a razão disso acontecer também é culpa do próprio povo negro, que na grande maioria das vezes não se une ou se mobiliza para cobrar políticas públicas para a comunidade.
“Se têm parlamentares que vão para Câmara defender a polícia, as igrejas é porque teve uma união e na comunidade negra não tem isso. Se tivéssemos, isso de mudar o nome da praça Nestor Nascimento, nunca iria acontecer. A comunidade negra só tem visibilidade na cultura e na música, só que infelizmente não temos essa visibilidade na agenda de um parlamentar porque não existimos nessa agenda. Não precisa ter exatamente um negro lá dentro, precisa ter alguém inteligente, que olhe para as comunidades, aí ainda tem vereador que acha que está fazendo uma boa ação em entregar uma placa para a comunidade negra”, criticou.
Na ocasião, o presidente da Inaô-AM informou que irá encaminhar para a CMM, no mês da conscientização negra, em novembro, vários projetos voltados à comunidade negra e que espera que sejam aprovados pela Casa.
Parcerias e ações – Christian Rocha agradeceu ainda as parcerias do Inaô com a Polícia Civil, por meio da delegada-geral, Emília Ferraz e da delegada Débora Mafra, titular da Delegacia Especializada em Crimes contra a Mulher (DECCM-Zona Centro-Sul); e com o Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) no combate a vulnerabilidade social em comunidades negras do Estado.
O convidado informou que solicitou da titular da DECCM, Débora Mafra um relatório para saber qual a cor que predomina na violência doméstica contra a mulher, já que a maioria das mulheres que sofrem violência são negras, para lançar uma campanha de conscientização, além de ter solicitado da delegada-geral mais orientações sobre a tipificação de crimes sofridos pela comunidade negra para os servidores das delegacias no momento do registro de Boletim de Ocorrência (BO).
Ao TJAM foi solicitada a realização de mutirão de atendimentos aos processos de Maria da Penha pois, segundo ele, a falta de celeridade fortalece a sensação de impunidade. Christian informou ainda que o Inaô solicitou à Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam) a aprovação de um Projeto de Lei (PL) que obrigue o uso de câmeras e sistema de áudio nas viaturas de polícia para o melhor acompanhamento das ocorrências policiais.
“Através de um ofício solicitamos da Aleam a criação desse PL, para que tenha uma câmera e um sistema de áudio nas viaturas. Isso não é uma declaração de guerra à instituição polícia, mas um pedido para que a gente veja realmente quem são os bons e maus policiais. Nós temos muitas atividades no Estado e aqui eu sou apenas um simples voluntário no combate ao racismo e as desigualdades da população negra”, declarou.
Para finalizar, Christian Rocha agradeceu a oportunidade de falar sobre o tema e destacou o trabalho dos jornalistas, em divulgar as pautas da comunidade negra no Estado, mesmo que isso ainda não seja em uma escala que não é a ideal.
Veja a entrevista completa:
Galeria de fotos:
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Por Lana Honorato
Fotos: Marcus Reis