Pela primeira vez em décadas, o petróleo extraído da Bacia de Urucu, no município de Coari (AM), teria deixado de ser processado na refinaria de Manaus. Segundo informações vieram à tona nesta semana, toda a produção está sendo enviada para São Sebastião, no litoral de São Paulo, onde é atualmente refinada. O grupo Atem ainda não se pronunciou sobre o caso.
O último pedido de petróleo da Refinaria da Amazônia (Ream), antiga Reman – que faz parte do Grupo Atem, foi em fevereiro de 2025, segundo informação de um relatório técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (Ineep), publicado em maio deste ano.
O documento aponta para uma mudança drástica na cadeia produtiva do petróleo na região Norte, com impactos econômicos e logísticos significativos para o Amazonas.
O ex-deputado Marcelo Ramos expôs o caso nas redes sociais. Segundo o parlamentar, sem o processamento em Manaus, o petróleo de Urucu precisa ser transportado por balsas, em uma viagem de 14 a 16 dias, até o terminal de São Sebastião, em São Paulo.
Confira o documento:
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Privatização e esvaziamento da refinaria
Até 2022, quando ainda pertencia à Petrobras e operava como Reman, a refinaria em Manaus recebia regularmente cerca de 50 mil metros cúbicos de petróleo de Urucu a cada 35 ou 40 dias. A produção média era de 40 mil barris por dia, processados localmente.
Com a privatização realizada no governo Jair Bolsonaro, a unidade foi vendida ao Grupo Atem e passou a se chamar Ream. Desde então, houve uma redução acentuada no volume de refino. Em 2023, a média caiu para menos de 30 mil barris por dia.
Em 2024, a produção ficou abaixo de 10 mil barris. E, em 2025, o cenário se agravou ainda mais: a Ream teria solicitado petróleo uma única vez, em fevereiro, e desde então paralisou totalmente o processamento do produto local.
Refinaria parada representa prejuízo econômico e quebra de finalidade, avalia economista Denise Kassama
Especialistas alertam que a transferência do refino para São Paulo representa um retrocesso logístico e econômico.
A economista Denise Kassama fez uma análise crítica sobre a paralisação das atividades de refino em uma refinaria que deveria estar operando com o petróleo bruto de Urucu. Segundo ela, manter uma refinaria inativa enquanto se vende petróleo cru e importa derivados refinados representa não apenas um desvio de finalidade, mas também uma estratégia antieconômica para o Brasil.
“Refinar o petróleo bruto que vem de Urucu, enfim, transformar ele ali em refinado e seus derivados — essa é a proposta da refinaria. A partir do momento em que eu não faço isso, consiste num desvio de finalidade. Pra que quero uma refinaria, se não vou refinar?”, questionou.
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Kassama ressalta que, apesar de comprar derivados prontos parecer financeiramente mais simples no curto prazo, essa prática implica paralisar cadeias produtivas, gerar desemprego e comprometer o desenvolvimento econômico local e nacional.
“É evidente que comprar tudo pronto o gasto é menor, mas é uma paralisação da atividade econômica. E, novamente, o que acaba acontecendo? Se não vai refinar aqui, ele vai vender petróleo bruto. Ou seja, o Brasil está vendendo petróleo bruto e importando petróleo refinado”, explicou.
A economista também alertou para a lógica inversa dessa política comercial, onde o país exporta um insumo barato e importa um produto com valor agregado, o que vai na contramão de uma gestão eficiente da economia.
“Isso é antieconômico. Além de paralisar a cadeia produtiva e comprometer empregos, o Brasil está vendendo commodities e comprando o elaborado, que é mais caro. Está vendendo o item barato e comprando o caro. Isso pode até ser melhor para a operação da refinaria parada, mas para a economia, não”, concluiu.
Grupo Atem
A Ream pertence atualmente ao Grupo Atem, que também atua na distribuição de combustíveis na região Norte e é alvo de críticas por concentração de mercado e práticas de preços uniformizados em Manaus.
A reportagem entrou em contato com a empresa para questionar os motivos da interrupção do refino do petróleo de Urucu e se há previsão de retomada das operações com produto local. Até o momento da publicação, não houve resposta.