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quinta-feira, maio 8, 2025

O Amazonas fala para uma Brasília surda; quem nos representa?

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Artigo de Opinião – por Érica Lima
Escritora e pesquisadora há mais de uma década na Amazônia

Feche os olhos por um instante. Imagine que a BR-319, aquela estrada que atravessa o coração da floresta, estivesse finalmente pavimentada. Imagine que ela deixasse de ser promessa em palanque e virasse caminho real, ligando vidas, sonhos, medicamentos, alimentos e dignidade. Imagine que em vez de barcos com semanas de atraso, você pudesse ver seu parente, estudar fora ou vender sua produção com mais facilidade. Agora abra os olhos: nada disso aconteceu. E talvez não aconteça. Porque falta estrada, mas falta muito mais voz.

No Congresso Nacional, o Amazonas acaba de ganhar duas novas cadeiras na Câmara dos Deputados. Mas isso não significa que ganhamos força. Representatividade não é número, é ação. E se tem algo que a história recente nos mostra, é que o silêncio da nossa bancada federal custa caro.

A floresta que grita em silêncio

Com mais de 4,2 milhões de habitantes, dos quais cerca de 180 mil são indígenas e milhares vivem em comunidades ribeirinhas, o Amazonas é tão imenso quanto invisível nas decisões centrais do país. Nosso IDH está entre os mais baixos do Brasil, refletindo a crueza de um cotidiano onde faltam escolas, médicos, internet, saneamento e, sobretudo, políticas públicas que entendam a floresta como potência, não como obstáculo.

Se o orçamento federal fosse coerente com nossas necessidades, o investimento em educação e pesquisa transformaria a Amazônia no maior laboratório vivo de soluções climáticas do planeta. Nossos cientistas poderiam sair dos laboratórios improvisados e das bolsas cortadas para liderar debates globais. Se nossos deputados federais entendessem de verdade o que representam, talvez lutassem com mais técnica, com mais dados, com mais coragem em vez de discursos vazios e selfies institucionais.

Amom Mandel e a bancada da promessa
Não se viu articulação, nem resistência significativa nas pautas ambientais, científicas ou tecnológicas. Tampouco se viu protagonismo da juventude prometida por Amom Mandel, o deputado mais votado da história do Amazonas, que prometia renovação e inovação política. O que se viu, de fato, foram práticas envelhecidas sob um verniz moderno. Um jovem que rapidamente se adaptou ao silêncio da velha política, mais interessado em manter imagem que em enfrentar o peso das urgências amazônicas.

Átila Lins, com mais de três décadas de mandato, segue como exemplo máximo da política que se repete sem avançar. Seu nome ecoa nos corredores de Brasília, mas não por projetos transformadores ou defesa veemente da Amazônia. Seu legado parece estar mais no tempo de casa do que na entrega concreta à população. Silas Câmara, outro veterano, mantém atuação centrada em pautas moralistas e religiosas, distantes das prioridades estruturais do estado como infraestrutura, educação pública e proteção territorial e protagonista de escândalos e histórico de pedido de cassações.

Sidney Leite segue em um mandato que alterna aparições técnicas e discursos corretos, mas carece de contundência e presença em temas decisivos. Fala, mas não lidera. Aponta, mas não transforma. Pauderney Avelino, por sua vez, já foi secretário de Educação e deputado experiente, mas hoje se mantém quase invisível no debate federal, mesmo diante de uma Zona Franca ameaçada, uma BR-319 estagnada e em colapso.

Capitão Alberto Neto tem atuação coerente com seu posicionamento de direita, e isso não surpreende: foi eleito por esse público e atua dentro dessa agenda, mas que precisa atuar com prioridade nas agendas de pautas emergenciais para o nosso estado.

Saullo Vianna, atualmente licenciado, e Adail Filho mantêm atuação direcionada aos seus redutos eleitorais, uma prática comum, mas insuficiente quando se fala de representação federal de um estado com desafios complexos e que exigem visão macro. Já sobre Fausto Jr. e Pauderney, a falta de protagonismo ou visibilidade de suas ações torna até difícil qualquer avaliação concreta: e isso, por si só, já diz muito.

O fato é que nossa bancada federal coleciona mandatos mornos, distantes, e pouco eficazes e, sobretudo, desconectados das pautas emergentes que envolvem meio ambiente, ciência, tecnologia, desenvolvimento sustentável, povos originários e infraestrutura integrada. A experiência acumulada de alguns não tem se convertido em ações concretas, enquanto a juventude de outros tem se diluído na repetição de práticas antigas. O Amazonas precisa de representantes com preparo técnico e capacidade de articulação não de ocupantes de cadeiras que só servem para garantir verbas de emenda e prestígio partidário.

Se os nossos parlamentares tivessem mais conhecimento técnico e político, talvez fizessem como Bobbio sugeriu: que a democracia se mede não pelo que se promete, mas pelos direitos que se cumprem. Talvez ecoassem Rousseau, ao lembrar que “o povo que elege representantes não é livre”. E talvez lessem Euclides da Cunha, que, em “Inferno Verde”, já dizia que a Amazônia era um território abandonado, onde até a esperança parecia apodrecer com o calor.

A Zona Franca sob ataque, a estrada que não vem
Enquanto isso, tramitam no Congresso projetos que ameaçam a Zona Franca de Manaus, motor da nossa economia, geradora de empregos e arrecadação. A proposta de criar uma ZF no Distrito Federal pode atrair empresas e investimentos para longe da Amazônia, drenando ainda mais recursos de um estado que já recebe menos de 0,5% do orçamento federal.

E a BR-319 continua como está: um sonho empoeirado, uma estrada que serve mais à eleição do que ao povo. Se saísse do papel com critérios ambientais e investimentos sérios, conectaria o Amazonas com o restante do país. Mas, enquanto isso não acontece, seguimos isolados do mercado, do emprego, da dignidade.

E se fosse diferente?
Imagine se nossos deputados tivessem formação sólida e compromisso com dados, com os povos, com a ciência. Imagine se nossa floresta fosse defendida não só por ONGs e pesquisadores, mas por quem tem caneta na mão e voto no Congresso. Imagine se a pauta indígena fosse prioridade, se a educação chegasse aos rios, se o ribeirinho pudesse viver sem medo da seca, da fome ou da distância.

Nada disso é utopia. É projeto. Mas um projeto que precisa de gente preparada para defender. De parlamentares que conheçam a Amazônia para além dos discursos. Que compreendam que não é possível governar o Brasil ignorando seu pulmão, sua biodiversidade, sua gente.

O Amazonas não precisa de mais representantes. Precisa de representantes melhores. Se o inferno verde ainda ecoa, é porque falta quem transforme o grito em lei.
E o silêncio, em ação.

Leia mais: Salário de fome, futuro de incerteza: o 1º de Maio de um país sem heróis

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