Um mapeamento feito pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) apontou que nas últimas eleições, mais de 290 candidaturas de travestis, mulheres e homens transexuais e demais pessoas trans foram registradas em 2020. O número é um marco para o grupo, já que representa um salto de 226% em relação as candidaturas registradas em 2016.
Hoje, no dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+ (Gays, Lésbicas, Bissexuais, Transexuais e Pessoas Intersexo), o Portal O Convergente conversou com alguns representantes de movimentos sociais no Amazonas para saber que impactos esse salto na representatividade proporciona para o grupo nos dias atuais e como a inserção de representantes na política tem sido importante para o movimento.
O que, na opinião de Jeffeson William Pereira, um dos coordenadores da Plataforma “Esse é o Nosso Norte”, que trabalha com a renovação política no Estado do Amazonas, é algo que ainda precisa avançar. “Penso que de maneira individual ou com candidaturas coletivas é importante que pessoas LGBTQIA+ possam concorrer aos pleitos eleitorais, porém não somente para compor o quociente eleitoral, mas de fato com estrutura partidária capaz de vitórias eleitorais”, opinou.
Ele, que além de assistente social e professor universitário, é membro do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), acredita que muita coisa já tem sido feita, porém muito ainda pode ser ampliado nesse sentido. “Em um cenário de política de morte e de não reconhecimento de nossa existência, precisamos reagir ao conservadorismo e ao fascismo e as candidaturas LGBTI+ filiadas ao PSOL têm se empenhado nessa tarefa. A questão não é apenas lançar-se candidato, a questão é ter suporte financeiro e político do partido para se eleger”, opinou ele.
Além disso, para o representante da Associação Difusão Amazonas, Paulo Trindade, apenas dizer que uma pessoa integra a comunidade LGBTQIA+ não quer dizer que ela está comprometida com as causas dessa população. “O movimento social nesse sentido tem um papel importante para aproximar essas representações no sentido de assumir um compromisso com as bandeiras de luta do movimento”, afirmou.
Paulo, que também faz parte do Comitê Técnico Interinstitucional de Saúde Integral LGBT, vinculada a Coordenação Estadual de Saúde LGBT – Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas (SES-AM), acredita que em meio a tantas situações interligadas ao movimento, principalmente no meio político, é preciso perguntar para sociedade se ela está gostando do jeito que está ou se ela vai querer uma transformação em 2022.
“Tivemos a candidatura trans de Érika Hilton (PSOL), a mais votada na cidade de São Paulo, que certamente impactou no mundo. Isso aponta um momento de outras transformações, porém ocupar esses lugares ainda se torna difícil. Essa mesma candidatura hoje sofre ameaça de morte, ameaça de pessoas ao seu redor”, disse ao lembrar também o caso ocorrido com a vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco.
Lutas – Alguns movimentos sociais destacam várias lutas e bandeiras a serem levantadas pela comunidade LGBTQIA+, principalmente no âmbito das políticas públicas. Para alguns, a violência acometida contra classes mais vulneráveis e que consequentemente tem sido as mais afetadas é um dos pontos importantes a serem tratados no meio político atual e futuro.
Sobre esse aspecto, Paulo Trindade diz ser preciso, cada vez mais, alargar o debate público em relação aos temas de gênero, raça, classe e geração. Defender a bandeira do combate ao racismo, LGBTransfobia e violências diversas.
“Um ponto crucial neste momento é uma resposta da sociedade em relação à violência, aos assassinatos, à falta de acesso à educação, saúde, emprego, renda e assistência social de uma parcela significativa da comunidade LGBTQIA+, sobretudo a população trans, negra e periférica. Nos últimos anos tem aumentado cada vez mais esses índices de racismo e assédio no país e seria impossível se calar”, reforçou.
O que na avaliação de Jeffeson tem ficado cada vez mais complicado em função do atual contexto que o Brasil vive. “Historicamente o movimento LGBTQIA+, com diálogo com a sociedade e com o Estado brasileiro conseguiu alguns avanços. Infelizmente, no atual contexto, seja no âmbito do Executivo ou do Legislativo dos diferentes níveis da federação, passamos por um momento de inércia, de paralisia em termos de legislação e efetivação de políticas públicas que possam contemplar a população LGBTQIA+”, opinou.
Na opinião dele, muitas coisas precisam de melhorias nesse sentido, tanto no âmbito jurídico, social, político quanto assistencial. “As decisões do Judiciário são importantes, porém a efetivação desses direitos passa, necessariamente, por legislações e decisões no âmbito da gestão do Executivo, logo, urge a execução de políticas públicas direcionadas à população LGBTQIA+”, disse.
Números – A falta de assistência em todos esses aspectos resulta em uma série de fatores, principalmente, os associados a violência. É o que aponta boa parte das pesquisas feitas nesse sentido, como o relatório Anual de Mortes Violentas de LGBT no Brasil. Os dados coletados pelo Grupo Gay da Bahia (GGB) constatou que em 2020, 237 LGBTQIA+ tiveram morte violenta no País, foram vítimas da homotransfobia.
Os números, segundo entidades sociais em defesa do movimento LGBTQIA+, podem ser ainda maiores, uma vez que nem sempre os registros de violência são associados especificamente a homofobia, transfobia e tantos outros adjetivos associados a esse público.
Números esses que, muitas vezes, só são divulgados anos depois dos fatos terem ocorrido. É o caso de um levantamento feito pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e divulgado somente no ano passado que mostra que entre os anos de 2015 e 2017, mais de 24 mil notificações de violências contra a população LGBTQIA+ foram registradas no país. Uma média de mais de 22 notificações de violências interpessoais e autoprovocadas feitas por dia.
As políticas públicas de segurança desse público também precisam ser descortinadas e seus pleitos apreciados com as particularidades que possuem.
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Por Izabel Guedes
Ilustração: Marcus Reis