Perto de Manaus e longe do progresso, essa é a realidade dos moradores que vivem no Ramal do Calado, localizado no KM 74, da rodovia Manoel Urbano (AM-070), em Manacapuru, no Amazonas, que vem se tornando, há mais de dois anos, a grande preocupação dos comunitários, devido às péssimas condições da estrada e do “lamaçal” que se formam em toda a extensão do ramal, principalmente neste período chuvoso no Estado. Novos vídeos foram enviados pelos comunitários, mostrando que a situação do ramal continua delicada.
O ramal dá acesso a mais de oito comunidades, entre elas: a da Palestina; da Nossa Senhora do Perpétuo Socorro; da Rei Davi; dos ramais São Paulo; do Batista; do Monte Horebe; das 3 Marias com São José; do Volta amor e do ramal do Chico. Segundo os moradores, a falta de pavimentação e asfaltamento do Ramal do Calado prejudica a escoação dos produtos da agricultura familiar, a ida ao hospital e até mesmo a cidade.
Essa realidade fica ainda mais evidenciada quando são contrastadas imagens encaminhadas ao Portal O Convergente agora em maio com a placa na entrada do ramal, que mostra que era para ter havido uma obra de pavimentação no Ramal do Calado e que essa deveria ter iniciado em dezembro de 2021 e ser entregue em abril de 2022.
Conforme consta na placa informativa, a obra é fruto do termo de Convênio N° 907880/2020, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), e custou o valor total de R$ 4.786.746,77 (quatro milhões e setecentos e oitenta e seis mil e setecentos e quarenta e seis reais e setenta e sete centavos).
Um valor milionário supostamente empregado em um lugar onde não é observado nenhum tipo de pavimentação, conforme vídeos e imagens feitas em fevereiro deste ano pelo Portal O Convergente e confirmada novamente agora em maio pelos comunitários. Eles afirmam que as condições do ramal estão mais precárias, por conta do período chuvoso na região Norte neste período, o que deixa a estrada mais perigosa para a trafegabilidade e dificulta a escoação dos produtos vindouros da agricultura familiar, fonte de renda desses comunitários.
Início das obras
O agricultor e morador da comunidade Palestina, Severino Neto, disse ao Portal O Convergente, em fevereiro, quando a equipe de reportagem esteve in loco para averiguar a situação do ramal, que houve uma movimentação das máquinas para realizar a pavimentação, mas logo os serviços pararam e que a Prefeitura de Manacapuru enviou o secretário de obras, na ocasião, falando que iriam chamar uma nova empresa para executar o restante dos serviços, o que não ocorreu segundo Neto.
“A gente viu um movimento de umas máquinas, mas aí, no momento, acho que as máquinas trabalharam três dias e quebraram tudo, ficaram escanteadas. A comunidade fez uma reunião com os moradores para fazer um protesto e veio um secretário aqui dizendo que a empresa estava dificultando o trabalho e eles iam tirar o trabalho dela e passar para outra empresa. Eles deram um prazo de quinze dias para isso acontecer, mas infelizmente nem aconteceu de a empresa nova que eles iam adaptar para continuar o trabalho, não veio mais”, disse o comunitário.
Dificuldade de tráfego e mobilidade
Severino Neto também falou da dificuldade de escoar a produção, de utilizar serviços médicos e mesmo ter que ir à cidade de Manacapuru para resolver outros assuntos por conta das péssimas condições do ramal e, se não tiver dinheiro para pagar o valor cobrado por um mototáxi, os moradores ficam isolados, em casos de necessidades específicas.
“Na verdade, fica dificultoso não só para nós escoar a produção, mas com o serviço médico, por exemplo, se você quiser ir à cidade e quiser um mototáxi, ele não quer entrar aqui por causa do ramal que é muito ruim e a gente até considera isso, ou se ele quiser entrar, cobram um preço muito alto, que as vezes não é adequado para a gente também. Então, vários setores são prejudicados aqui dentro, nessa questão da pavimentação do ramal e do asfaltamento, que na verdade a gente luta sempre aqui por isso, além de uma pavimentação adequada, mas o asfaltamento em seguida para acabar de vez com esse problema”, pontuou o agricultor dizendo que a comunidade da Palestina e do São José são as mais antigas, localizadas no Ramal do Caldo, porém, nada tem sido resolvido até então.
Empresa contratada
A empresa contratada à época, por meio do Concorrência Nº 004/2021, foi a Alicerce Construção Civil e Terraplenagem e Comércio de Material de Construção Ltda, situada no bairro Parque Dez, em Manaus. Ela é representada por Osmarildo de Souza Pires e possui um capital social de R$ 1,2 milhão, segundo o site da Receita Federal do Brasil (RFB).
O Convergente procurou a empresa para saber detalhes da obra e os motivos pelos quais a pavimentação do Ramal do Caldo foi paralisada. No entanto, não houve retorno das informações até a publicação da matéria.
Retomada das obras
Ao O Convergente, o prefeito Beto D’Ângelo explicou que a prefeitura teve problemas com a primeira empresa licitada e que o processo para chamar a segunda colocada demorou e, quando foi finalizado, iniciaram as chuvas no estado.
“Nós licitamos esse ramal no ano passado. Nós tivemos problema com a primeira empresa, que não conseguiu executar a obra. Tivemos que fazer o distrato e chamamos a segunda, pelo processo ser demorado. Quando nós conseguimos fazer o chamamento da segunda [empresa], está tudo okay para começar a obra, aí iniciou o inverno e não se faz pavimentação de ramal ou rua que não seja no verão. Enfim, por perda de material e perda da qualidade”, explicou.
Beto D’Ângelo também pontuou que os recursos estão guardados para a realização e conclusão das obras, informando que ela deve ser retomada na segunda quinzena de junho deste ano. No entanto, não informou qual será a nova empresa responsável pelo serviço.
“Não foi pago nenhum centavo à empresa [Alicerce], não foi gasto um centavo do Governo Federal, e o recurso que foi transferido para o município está na nos cofres, que é R$ 915 mil (novecentos e quinze mil) e, assim que cessar as chuvas, a empresa que foi contratada agora, a segunda colocada que foi chamada, ela se comprometeu em iniciar as obras entre 15 e 20 de junho, que nós vamos fazer o pavimento da via. Portanto, não foi feito nenhum pagamento, não foi feita a obra ainda por conta desse problema que nós tivemos com a primeira empresa, que nós tivemos com a empresa com a primeira empresa e, assim que chegar o verão, a gente vai fazer o serviço”, disse o prefeito de Manacapuru sobre a retomada das obras.
Extensão das obras
Ainda durante as informações, o prefeito de Manacapuru disse que já tem projeto para contemplar toda a pavimentação do Ramal do Calado, o que não está no contrato anterior, além de alegar que já havia se reunido com lideranças do ramal e que muitas das informações têm cunho político.
“Nós estamos trabalhando o projeto para continuidade da obra que ele não a contempla em toda a extensão do ramal. Já foi feita reunião, inclusive até informamos na comunidade da Palestina, o meu secretário de Comunicação e o vereador estiveram reunidos com eles e passaram informação, contudo o que a gente percebe é que algum tipo de política está envolvido aí, porque não busca uma informação conosco e aí simplesmente fazem a matéria. E desde já eu agradeço pela consideração e pelo respeito conosco em nos procurar para ouvir o nosso lado”, pontuou Beto D’Ângelo.
Pedido de informações
Diante das denúncias, a equipe de reportagem também procurou a Prefeitura de Manacapuru, os órgãos federais envolvidos neste processo, como o MAPA, a Casa Civil, o Ministério das Cidades, além do prefeito Beto D’Ângelo para dar esclarecimentos sobre a paralisação da obra, do valor destinado para a pavimentação do Ramal do Calado e se há previsão de retomada da obra. A Caixa Econômica Federal também foi consultada, pois seu nome aparece na placa de construção.
Mais prazo
A Casa Civil, do Governo Federal, também respondeu, pedindo que as solicitações fossem encaminhadas diretamente ao Ministério das Cidades, que também pediu um prazo maior para encaminhar as respostas das informações solicitadas pelo Portal O Convergente e, tão logo sejam encaminhadas, outra matéria será produzida a respeito do tema.
Atualização
Após a publicação da Matéria, a Caixa Econômica Federal enviou a seguinte nota ao portal:
Prezados,
A CAIXA inicialmente esclarece que atua na condição de Mandatária da União nos contratos de repasse que utilizam recursos do Orçamento Geral da União (OGU), em conformidade com as exigências legais e requisitos constantes nos regramentos estabelecidos pelo Ministério da Agricultura e Pecuária.
O Contrato de Repasse OGU 907880/2020, celebrado com o Município de Manacapuru/AM, cujo objeto é a pavimentação de vicinais em áreas rurais, possui valor de investimento de R$ 4.825.000,00, já considerados R$ 50.000,00 referentes à contrapartida do município.
O banco informa ainda que, apesar da autorização de início da obra ter sido emitida em março/2022, até o momento o Município de Manacapuru não apresentou o boletim de medição correspondente a evolução da obra em questão, o que impede a realização do desbloqueio de valores já disponibilizados pelo Ministério da Agricultura e Pecuária.
A CAIXA reforça a sua parceria com os municípios e se coloca à disposição por meio de sua rede de atendimento e da Sala das Cidades e Estados para auxiliar na construção de soluções junto às prefeituras.
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Por Edilânea Souza
Fotos e edição de imagens: Marcus Reis
Imagens aéreas: Fabrício Aguiar
Diretora Executiva: Erica Lima
Revisão textual: Vanessa Santos