Por Kátia Maria Lima de Menezes
Pesquisadora da Saúde Indígena – Fiocruz Amazônia
A uma semana da COP 2030, que será realizada em território brasileiro, trago algumas reflexões como pesquisadora da saúde indígena e amazônida. Trata-se, sem dúvida, de um evento de magnitude internacional, que desperta expectativas políticas, econômicas e ambientais. No entanto, convém lembrar: não há ineditismo em sua realização.
O mundo já organizou inúmeras conferências sobre o meio ambiente — e a história mostra que o impacto delas nem sempre correspondeu à retórica dos palcos. A Rio+10, por exemplo, realizada com pompa e discursos inspiradores, resultou em diversos acordos que, pouco a pouco, foram sendo substituídos por projetos econômicos grandiosos e predatórios. A frase de Karl Marx, escrita em 1845, nas “Teses sobre Feuerbach”, ecoa como um lembrete incômodo:
“Os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo de diversas maneiras; o que importa é transformá-lo.”
Essa reflexão permanece atual. O desafio da COP 30 não é interpretar a crise climática, mas transformar o modo como vivemos, produzimos e governamos.
O abismo entre o discurso e a realidade amazônica
Na Amazônia, o descompasso entre teoria e prática é gritante. A floresta sofre um processo histórico e acelerado de desmatamento, queimadas, poluição dos rios e perda de territórios destinados à agricultura familiar. O ciclo das águas, antes equilibrado, tornou-se imprevisível — secas severas e cheias extremas já não são exceções.
Enquanto isso, comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas e pequenos agricultores convivem com a ausência de saneamento básico, acesso precário à saúde e políticas públicas frágeis. O discurso global sobre sustentabilidade não chega às margens dos rios, não irriga a terra, não protege os povos que fazem da floresta sua casa e sua história.
O contexto político e a contradição do progresso
Vivemos um cenário paradoxal. No plano mundial, cresce a influência de governos de extrema direita, que tratam a destruição ambiental como preço inevitável do “progresso”. No Brasil, um governo de orientação progressista enfrenta um Congresso Nacional dominado por interesses do latifúndio, do agronegócio e dos agrotóxicos, que bloqueia avanços em sustentabilidade e direitos socioambientais.
Entre as polarizações políticas, a pauta ambiental se torna refém de disputas ideológicas. A sociedade, por sua vez, ainda não incorporou de modo concreto uma consciência ecológica cotidiana. O meio ambiente é tema de discursos, não de práticas.
Sem pessoas, não há floresta
Não há como proteger a natureza sem proteger as pessoas que nela vivem. Não existe biodiversidade sem sociodiversidade.
A Amazônia não é um vazio verde — é território habitado, plural, pulsante. A floresta resiste porque resistem os indígenas, os quilombolas, os ribeirinhos, os agricultores familiares.
O Estado, contudo, ainda faz muito pouco por esses grupos. Faltam políticas robustas para agricultura familiar, reciclagem, aproveitamento da água da chuva, energia solar acessível. As ações ainda patinam diante de interesses privados e estruturas de poder consolidadas.
Por isso, é urgente reafirmar: não falem de nós sem nós.
Não se constrói sustentabilidade excluindo os amazônidas das decisões sobre seu próprio território.
O dia seguinte à COP
A COP 30 certamente será marcada por debates intensos, manifestações culturais, presença de lideranças e artistas, e pela palavra “Amazônia” ecoando em centenas de discursos. Isso é importante.
Mas, e depois?
Quando as cortinas se fecharem, os convidados voltarem aos seus países e os relatórios forem publicados com números impressionantes de participantes, hotéis lotados e protestos pacíficos — o que mudará concretamente?
A floresta continuará queimando? Os rios continuarão secando?
Os povos seguirão invisíveis sob o peso das promessas?
A transformação que o mundo precisa não cabe em acordos assinados em cúpulas internacionais. Ela se constrói com ação política, compromisso social e escuta verdadeira dos povos da floresta.
O desafio da COP 30 é esse: deixar de interpretar o mundo — e, enfim, transformá-lo.


