Por Kátia Maria Lima de Menezes
Graduada em Serviço Social e Doutora em Saúde Pública. Pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz – Amazônia (Fiocruz/AM).
O Brasil assistiu estarrecido ao confronto entre policiais e traficantes no Rio de Janeiro que terminou com 121 pessoas mortas. O episódio, condenado por uns e aplaudido por outros, reacendeu o debate sobre a eficácia das operações policiais em um cenário onde o tráfico e a violência urbana são apenas sintomas de uma doença mais profunda: a desigualdade social.
De acordo com o IBGE (PNAD Contínua, 2023), mais de 62 milhões de brasileiros vivem com renda mensal inferior a R$ 665 — cerca de 29% da população. A maioria está concentrada nas periferias e favelas das grandes cidades, onde faltam oportunidades de trabalho, educação e acesso a serviços públicos. Esses territórios, abandonados pelo poder público, tornam-se terreno fértil para o tráfico, que oferece dinheiro rápido, status e “proteção” a jovens sem perspectivas.
A escola, que deveria ser o caminho para romper o ciclo da pobreza, também está em crise. Segundo o IBGE, quatro em cada dez jovens de 18 a 24 anos estão fora da escola e não cursam o ensino superior. Professores sobrecarregados, baixos salários, infraestrutura precária e evasão escolar crescente reforçam um sistema que perpetua privilégios: os filhos das elites continuam com mais chances de acesso às universidades públicas e às melhores profissões.
Outro dado alarmante é que 47% das famílias brasileiras são chefiadas por mulheres — a maioria em ocupações informais e com salários baixos. Nas favelas, essas mulheres enfrentam a tripla jornada: cuidar dos filhos, garantir o sustento e lidar com a violência cotidiana. Sem creches, segurança e políticas de geração de renda, a vulnerabilidade feminina se torna um dos motores invisíveis da desigualdade.
Enquanto isso, o Estado brasileiro parece cada vez mais ineficiente e distante. A corrupção, o endividamento público e as disputas políticas impedem a implementação de políticas sociais consistentes. A população, cansada de promessas, enfrenta diariamente o caos do transporte, o medo da criminalidade e a falta de perspectivas. O coeficiente de Gini, que mede a desigualdade de renda, é de 0,543 — um dos maiores do planeta. A classe média também perde espaço e renda, aproximando-se da linha da pobreza.
A operação no Rio escancarou uma contradição: o Estado sabe o que precisa ser feito, mas insiste em responder com armas, e não com políticas. A inteligência policial, a investigação financeira e o bloqueio das armas e recursos do crime organizado seriam estratégias muito mais eficazes e humanas. Os corpos enfileirados — em sua maioria de jovens negros e pobres — revelam uma tragédia social que o país se recusa a encarar de frente. O luto dessas famílias é o retrato de uma nação que naturalizou a morte como parte da rotina urbana.
Nada justifica o que ocorreu no Rio de Janeiro. Combater o tráfico sem combater a desigualdade é enxugar gelo. Enquanto a educação pública for fraca, as políticas de emprego inexistirem e a pobreza for criminalizada, a violência continuará a dominar manchetes e comunidades. O Brasil precisa entender que segurança pública não se constrói com balas, mas com dignidade, oportunidades e justiça social.
Leia mais: PF recusou participar de operação no Rio por considerá-la “não razoável”, diz diretor-geral


