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quinta-feira, agosto 14, 2025

Infidelidade partidária: especialistas explicam conceito e alertam para uso político da medida

Especialistas alertam: conceito de fidelidade partidária não deve servir como arma política

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O debate sobre infidelidade partidária no Brasil envolve tanto aspectos jurídicos objetivos quanto disputas políticas internas que, segundo especialistas, podem limitar a autonomia parlamentar e a função fiscalizatória dos legisladores. Embora a legislação estabeleça hipóteses específicas para caracterizar o rompimento de vínculo, há situações em que partidos utilizam o conceito para enquadrar parlamentares que se posicionam contra interesses de suas lideranças.

Criada para combater o troca-troca de legendas e garantir estabilidade no sistema político, a fidelidade partidária passou a ser regulada de forma mais rigorosa a partir de 2007, quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) editou a Resolução nº 22.610. O objetivo era preservar o mandato conquistado pelo partido e não apenas pela figura do político. Entretanto, juristas alertam que, ao longo dos anos, a aplicação dessa norma ganhou contornos políticos, especialmente em contextos de divergências internas.

O assunto voltou ao centro das atenções após o Avante Amazonas abrir processo de expulsão contra o deputado estadual Wanderley Monteiro, que assinou a CPI para investigar o programa “Asfalta Manaus”, executado pela gestão do prefeito e presidente estadual da sigla, David Almeida. O partido acusa o parlamentar de “quebra de fidelidade partidária”, mas a decisão gerou críticas de especialistas que apontam fragilidade jurídica na argumentação.

Veja também: Avante inicia processo de expulsão de deputado que assinou CPI contra gestão de David Almeida

O advogado eleitoral Sérgio Bringel, ouvido pelo O Convergente, destaca que a lei não traz uma definição exata sobre infidelidade partidária e que o conceito não deve ser confundido com obediência irrestrita a lideranças ou grupos internos.

“Muito embora a lei eleitoral não firme um conceito preciso acerca do que seria a infidelidade partidária, não entendo o ato questionado como tal. Fidelidade partidária não pode ser confundida com obediência partidária, ou mera submissão ao interesse do líder do partido no momento. A essência da representação política está ligada a uma conexão com o interesse popular – que nesse caso, se sobreporia a qualquer elemento pessoal.”

Para Bringel, existe uma diferença clara entre o conceito jurídico de infidelidade e a chamada “traição política” alegada em disputas partidárias:

“Sem dúvida. A infidelidade partidária envolve uma análise muito mais ampla da relação do mandatário alegado como infiel junto ao seu partido, do que um mero ato contrário a vontade de algum correligionário.”

O professor e advogado Sergio Bringel Jr. especialista em direito eleitoral e vice-presidente da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Amazonas (OAB-AM) – (Foto: Arquivo Pessoal)

 

Em casos específicos como o envolvendo o Avante no Amazonas, Bringel avalia que, se a expulsão do deputado se confirmar, o risco de perda do mandato é reduzido.

“É possível requerer, mas não vejo a perda do mandato como provável. O TSE já possui entendimento firmado no sentido de que é incabível a ação de perda de mandato eletivo por infidelidade partidária quando o desligamento de filiado decorre de decisão de expulsão proferida pela agremiação política à qual estava vinculado, afinal, a desfiliação dos quadros do partido não se deu por vontade própria do mandatário, e sim da agremiação.”

O advogado também aponta que ações desse tipo podem enfraquecer a independência parlamentar:

“É da essência do sistema político brasileiro a representação por meio da filiação partidária. Estar em um partido político significa ter a estrutura (inclusive financeira) para concorrer. Uma relação contenciosa com a agremiação, dentro de uma dinâmica já comum de pouca democracia intrapartidária, poderia significar o isolamento de determinados políticos dentro dos quadros de suas agremiações, o que sem dúvida, inibe comportamentos mais independentes e proativos.”

Conceito de infidelidade partidária

A advogada eleitoral Denise Coêlho, que também conversou com O Convergente, reforça que a legislação e a jurisprudência do TSE estabelecem hipóteses bem delimitadas para caracterizar a infidelidade partidária, e que divergências pontuais ou atos de fiscalização não se enquadram automaticamente nessas situações.

“A infidelidade partidária é caracterizada, de forma objetiva, pelo desligamento injustificado do detentor de mandato eletivo em relação ao partido pelo qual foi eleito, conforme a Resolução TSE nº 22.610/2007 e decisões posteriores do Tribunal Superior Eleitoral. As hipóteses de justa causa para a desfiliação, previstas na legislação e na jurisprudência, incluem: a) incorporação ou fusão partidária; b) criação de novo partido; c) mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; e d) grave discriminação pessoal. Divergências pontuais sobre temas específicos ou a atuação fiscalizatória, por si sós, não se enquadram automaticamente como infidelidade. O debate sobre a aplicação prática da fidelidade partidária envolve, no campo político, a tensão entre preservar a coesão interna e respeitar a autonomia de atuação parlamentar, mas, sob a ótica estritamente jurídica, prevalece a análise objetiva das hipóteses legais.”

Denise Coelho, advogada com 9 anos de experiência e especializada em Direito Eleitoral e Tributário (Foto: Divulgação)

Segundo Denise, não há precedentes consolidados que considerem a fiscalização de um correligionário como quebra de fidelidade:

“Não há precedentes consolidados que tratem a simples fiscalização de um correligionário ou de um governo aliado como ato configurador, por si só, de infidelidade partidária. O TSE tem decidido que é necessária a demonstração de afronta grave e reiterada ao programa ou às diretrizes partidárias para que se configure justa causa para eventual perda de mandato.”

Para ela, o maior impacto desse tipo de caso pode ser político e não jurídico:

“Juridicamente, a fiscalização é prerrogativa constitucional do parlamentar. Politicamente, processos internos sobre suposta infidelidade podem inibir a atuação de parlamentares contra aliados, mais por dinâmica interna das legendas do que por imposição legal.”

Relembre o caso

Na última segunda-feira, 11, o Avante no Amazonas anunciou a abertura de um processo de expulsão contra o deputado estadual Wanderley Monteiro, sob a acusação de “quebra de fidelidade partidária”. O estopim foi a assinatura do parlamentar para instalação da CPI do “Asfalta Manaus”, executado pela gestão do prefeito David Almeida (Avante).

Avante inicia processo de expulsão de deputado que assinou CPI contra gestão de David Almeida

A decisão foi anunciada em nota oficial acompanhada de foto de David Almeida, do vice-governador Tadeu de Souza, do presidente da Câmara Municipal de Manaus, David Reis, e de outros integrantes da legenda. Segundo o partido, a medida foi aprovada de forma unânime pelas executivas estadual e municipal, e contou com articulação direta do próprio prefeito. Nos bastidores, aliados classificaram o gesto do deputado como “traição política” por atingir o principal líder partidário no Amazonas.

Em nota ao O Convergente, o gabinete de Wanderley Monteiro afirmou que não recebeu notificação formal e que a assinatura de uma CPI não caracteriza ato de infidelidade partidária.

Veja também: Roberto Cidade sai em defesa de Wanderley Monteiro e critica tentativa de expulsão após apoio à CPI do Asfalta Manaus

Nessa terça-feira, 12, parlamentares do Amazonas repercutiram o caso na Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam). O presidente da Casa, deputado Roberto Cidade (União Brasil), saiu em defesa pública de Wanderley Monteiro, ao criticar duramente a postura do Avante e, indiretamente, do prefeito David Almeida, que teria deixado suas funções administrativas para intervir na questão partidária.

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