Dra. Kátia Maria Lima de Menezes
Doutora em Saúde Pública
Pesquisadora do Instituto Leônidas & Maria Deane – FIOCRUZ/AM
A questão indígena no Brasil reflete tanto conquistas quanto contradições das políticas públicas no país. A Amazônia, lar de centenas de povos originários, é palco de graves problemas sociais, ambientais e de saúde que afetam diretamente a sobrevivência e o bem-estar dessas comunidades. Apesar da existência de políticas e programas governamentais destinados a protegê-los, a realidade demonstra que essas medidas têm sido insuficientes, deixando os indígenas vulneráveis a doenças, violências e exclusão social.
Ameaças aos Povos Indígenas: Invasões e Degradação Ambiental
Os povos indígenas, guardiões ancestrais do bioma amazônico, enfrentam invasões de suas terras por madeireiros, garimpeiros e grileiros, que destroem o meio ambiente e disseminam violência. O garimpo ilegal, por exemplo, contamina rios com mercúrio, intoxicando comunidades e causando doenças neurológicas e má-formação fetal. Nas últimas décadas, esses problemas foram agravados pelas emergências climáticas, que provocam alterações profundas nos ecossistemas, afetando diretamente a vida desses povos.
Políticas Públicas Ineficazes e Violações de Direitos
Embora o Estado brasileiro possua legislação que garante direitos indígenas, como a Constituição de 1988 e a Convenção 169 da OIT, a implementação dessas normas é falha. Em vez de cumprir seu papel protetor, o poder público muitas vezes age como cúmplice da destruição. Cortes de verbas para órgãos ambientais e indigenistas, flexibilização de leis de proteção e retórica anti-indígena incentivam a violência e a impunidade. Ameaças ao direito à terra e a liberação de mineração em territórios demarcados demonstram um desprezo histórico pelos direitos constitucionais desses povos. Enquanto a comunidade internacional pressiona por medidas de preservação, as ações governamentais permanecem insuficientes e desconectadas da urgência necessária.
Impactos Diretos na Saúde Indígena
Os problemas sociais, ambientais e climáticos geram consequências graves na saúde física, mental e cultural dessas populações. A desnutrição infantil, a tuberculose, a malária e outras doenças evitáveis persistem em níveis alarmantes, evidenciando a negligência do poder público.
Os DSEIs e a Estruturação da Saúde Indígena
A criação dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) em 1999 representou um avanço na organização da assistência médica, reconhecendo as particularidades culturais e geográficas desses povos. Atualmente vinculados à Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), os 34 DSEIs atendem aproximadamente 800 mil indígenas aldeados (IBGE, 2022).
Teoricamente, esse modelo deveria garantir desde o atendimento básico — realizado por equipes multidisciplinares de saúde indígena (EMSI) — até o encaminhamento para serviços de média e alta complexidade, respeitando práticas tradicionais de cura. No entanto, a realidade é marcada por falta crônica de médicos, medicamentos e infraestrutura, além das dificuldades de acesso a regiões isoladas. Estudos indicam que apenas 40% das aldeias possuem postos de saúde em condições adequadas, enquanto 30% sequer têm acesso regular a médicos (Souza et al., 2023).
Recursos x Realidade: A Ineficiência e a Corrupção
Em 2024, o Ministério da Saúde repassou R$ 2,3 bilhões aos DSEIs, um aumento de 15% em relação a 2023 (SESAI, 2025). No entanto, os resultados continuam pífios. Denúncias de desvios de recursos, como o esquema investigado no DSEI-Cuiabá — onde servidores foram acusados de fraudes em contratações, superfaturamento e desvio de R$ 1,3 milhão (G1, julho/2025) — revelam a falta de fiscalização eficiente. Enquanto isso, comunidades enfrentam a escassez de medicamentos e a precariedade no atendimento, agravando crises sanitárias evitáveis.
É Possível Mudar?
A saúde indígena no Brasil exige transparência, controle social e gestão eficiente. Os DSEIs são uma política necessária, mas sua efetividade depende de honestidade administrativa e compromisso com a vida dessas populações. O governo deve não apenas aumentar repasses, mas também assegurar a aplicação correta dos recursos, com punição exemplar aos envolvidos em corrupção. Além disso, são urgentes: a demarcação de terras indígenas, protegendo-as do avanço do agronegócio e da mineração ilegal; o fortalecimento de sistemas de saúde intercultural, integrando saberes tradicionais e medicina ocidental; políticas de adaptação climática, incluindo monitoramento de doenças e acesso a água potável.
Enquanto o Brasil não enfrentar esses desafios com seriedade, os povos indígenas continuarão pagando com suas vidas pela negligência e pela ganância. A saúde é um direito constitucional, e é inaceitável que, em pleno 2025, ainda convivamos com tamanho descaso.