Por Prof. MSc. Mourão Junior – Colunista do Portal Convergente
Um novo marco comercial foi selado entre Brasil e Uruguai. Com o Decreto nº 11.213/2022, as Zonas Francas e Áreas Aduaneiras Especiais dos dois países passam a ter livre comércio bilateral, com isenção de impostos de importação e sem mais aquela lista anual negociada na base da caneta e da diplomacia. Agora, o protocolo é permanente, automático e com segurança jurídica ampliada.
Na prática, produtos fabricados no Polo Industrial de Manaus (PIM) e nas zonas francas uruguaias passam a circular com tarifa zero entre os dois países. Um avanço? Sim. Mas a pergunta certa é: isso empurra o PIM para o jogo global ou só disfarça nossa dependência crônica do mercado interno?
O acordo é novo, mas o atraso é antigo
Antes desse novo decreto, o comércio entre zonas francas era travado por um protocolo mofado — o 72º Protocolo Adicional — que exigia atualização anual e limitava os produtos isentos de tarifa. Agora, o 83º Protocolo limpa o terreno: o livre comércio está liberado, sem burocracia e com vigência permanente.
E o Uruguai, mesmo não sendo uma superpotência econômica, foi o 14º maior destino das exportações do PIM em 2022. Foram US$ 28,7 milhões no total do ano, sendo US$ 6,38 milhões apenas entre janeiro e agosto. Pode parecer modesto, mas é um indício de que há mercado — se o PIM souber jogar o jogo certo.
Exportações do PIM para o Uruguai (US$ milhões)
Período: 2022 (Jan–Ago)
Valor: US$ 6,38 milhões
Período: 2022 (Total)
Valor: US$ 28,7 milhões
Exportações da ZFM x Faturamento Total (2020–2025)
A análise do desempenho exportador da Zona Franca de Manaus, confrontada com seu faturamento total, mostra o quanto as vendas externas ainda representam uma fração modesta da atividade econômica do polo industrial.
Ano | Exportações (R$ milhões) | Faturamento (R$ milhões) | Exportação % do Faturamento |
2020 | 2.055,81 | 119.989,86 | 1.71% |
2021 | 2.444,62 | 159.777,55 | 1.53% |
2022 | 2.999,46 | 178.025,02 | 1.68% |
2023 | 2.766,24 | 175.818,87 | 1.57% |
2024 | 3.360,22 | 204.918,71 | 1.64% |
2025 | 1.149,64 | 74.509,65 | 1.54% |
*Dados de 2025 parciais até abril.
Mesmo com um faturamento de R$ 204,9 bilhões em 2024, as exportações representaram apenas 1,64% do total.
Em 2025, até abril, o quadro é ainda mais preocupante: só 1,54% da receita veio de fora. Exportamos pouco, muito pouco — e os números gritam.
O modelo precisa virar a chave
O problema do PIM não é falta de potencial. É falta de vocação exportadora.
Por décadas, a Zona Franca de Manaus viveu presa ao consumo interno, vendendo quase tudo para o Sudeste e Centro-Oeste — regiões que oscilam com a inflação, o crédito, a política fiscal, o humor dos bancos e a inércia das reformas.
Quando o Brasil para de consumir, o PIM entra em coma.
E isso é insustentável. A Amazônia não pode continuar sendo um apêndice industrial à mercê do centro de decisões de Brasília e São Paulo. O novo acordo com o Uruguai abre uma brecha — mas quem tem que arrombar a porta somos nós.
O papel estratégico da SUFRAMA e a visibilidade internacional
Em 2008, sob a gestão de Flávia Grosso, a SUFRAMA lançou a FIAM 2008, com eventos promovidos em São Paulo e Brasília, atraindo investidores globais, comitivas da Europa e parceiros da Pan-Amazônia. As rodadas de negócios geraram cerca de US$ 7,5 milhões em quatro dias e envolveram compradores de países como Estados Unidos, Canadá, Espanha, Alemanha e China, entre outros. Isso deixou claro: a ZFM precisa mostrar o que produz — e não apenas exportar.
De coadjuvante a player internacional?
Com esse novo acordo, o PIM ganha um convite para o jogo internacional. Mas precisa sair do banco de reservas.
Exportar tem que ser o novo eixo estratégico da Zona Franca. Mas só isenção fiscal não basta. É preciso:
– Infraestrutura de transporte intermodal e acesso portuário funcional
– Acordos bilaterais com países da América do Sul e da Pan-Amazônia
– Financiamento de exportação específico para produtos da região
– Capacitação industrial para atender normas e demandas do mercado global
Sem isso, continuaremos dependentes de um mercado interno saturado, frágil e com poder de compra em queda.
Sustentabilidade como vetor exportador: novos PPBs para a Amazônia
Se o PIM quiser virar de fato uma plataforma exportadora, precisa atrair empresas com DNA internacional, que trabalhem com valor agregado, inovação sustentável e rastreabilidade ambiental.
E isso só será possível com uma reorientação estratégica dos novos PPBs.
Hoje, muitos dos incentivos ainda priorizam produtos para consumo interno e de baixa densidade tecnológica. É hora de inverter essa lógica. O modelo ZFM deve abrir espaço — e incentivo fiscal real — para:
– Empresas que usem matéria-prima da floresta de forma sustentável
– Negócios de base biotecnológica, cosmética, farmacêutica e alimentar
– Projetos com foco em certificações verdes, carbono neutro e bioeconomia exportável
A floresta em pé precisa entrar na conta do PIB. E o PIM pode ser o maior hub industrial da bioeconomia tropical — mas, para isso, o PPB precisa virar instrumento de política industrial com foco externo, não só uma planilha burocrática de montagem.
Ou a gente exporta, ou a gente encolhe
A Zona Franca começou a respirar exportação, mas ainda está engatinhando. O novo marco Brasil–Uruguai abre uma porta, mas é preciso atravessá-la com coragem, estratégia e escala.
Exportar não é mais luxo — é necessidade.
Ou a Zona Franca de Manaus se abre pro mundo,
ou seguirá respirando com ajuda do consumo interno e decisões de Brasília.
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